Jornalista e escritor português, licenciado pela Universidade Livre de Bruxelas, João Aguiar é autor de vários livros, incluindo uma colecção infanto-juvenil.
Transcrevo aqui um texto de sua autoria, que, no momento actual, considero de grande pertinência.
O CONTADOR DE HISTÓRIAS
Por JOÃO AGUIAR
Transcrevo aqui um texto de sua autoria, que, no momento actual, considero de grande pertinência.
O CONTADOR DE HISTÓRIAS
Por JOÃO AGUIAR
CENHORA MENISTRA…
A gente vai-se entendendo, com um ou outro sopapo nos professores, sinal apenas de espírito de iniciativa e de saudável energia física.
Vânho com esta agardecer a voça escelencia akela koisa de não ligar puto à hortugrafia nos isames do 9º.anu i de não ter metido nelex aqueles xatus do Camões i do Jil Vissente e de a perova ser bestialmente fássil. Eu já não benefissiei porque akabei a xatisse dos estudos e tou agora num dakeles empregus purreiros oferessidos pelo cenhor menistro da ikonumia, mas a minha irman Katia Vaneça fês u isame i gostou muito. Ela não pressisa de hortugrafia pra nada, já tá a fazer istájio numa kasa de alterne muita fixe, pagam bem i ela nem tem de falar, kuanto mais eskrever.
Também kero agardecer, cenhora menistra, ke os isames do 12º.forão bué da fásseis, cem ninhuma gramatika, purke u meu irmão Xico us fês e kurreram lhe muitabem i ele nem estodou nada todu u anu, a bem dizer, purke já ganha a vidinha komo diller i então não tem tempu pra essas xatisses. Pra ele livrus e gramatika, jamé, jamé.
I então eu keru ka cenhora kontinui acim, ke vai muitabem.
a) Juzé da Cilva, i.v.l. ( Inginheiro Verdadeiramente Lissenssiado )
Este documento, comovente e palpitante, foi-me cedido por um parente em vigésimo segundo grau de um alto funcionário do nosso Ministério da Educação, depois de um jantar muito bem regado, quando ele já estava claramente com os copos e balbuciava uma velha canção do desaparecido Hervé Villard: “Nu niron plus jamé”…(ortografia francesa modernizada e melhorada pelos do nosso sobredito Ministério; em francês não-corrigido, seria “Nous n’irons plus jamais”)
Interrompendo a cantoria e colocando nas minhas mãos a carta acima transcrita, ele disse-me, entre soluços: “Leia, meu amigo! Veja como esta nossa ministra é popular, como a juventude a estima e apoia! E a juventude é a promessa do futuro! Hic!”.
Eu li a carta e pensei logo que devia dá-la ao conhecimento dos leitores. Porque é edificante.
Segundo o mesmo parente em vigésimo segundo grau me confidenciou, o jovem autor da tocante missiva, além de preencher, como ele próprio informa, um daqueles postos de trabalho prometidos em boa hora pelo senhor ministro Manuel Pinho, vai também integrar uma comissão que deverá promover (segundo ouvi na TV) maiores contactos entre professores e alunos, uma medida destinada , especificamente, a evitar que os segundos agridam os primeiros. A coisa é assim: parece que se multiplicam, nas escolas, os casos de indisciplina e de agressões a docentes. Um espírito tacanho pensaria logo que se impunha um reforço da disciplina e da autoridade da escola, já que, por exemplo, hoje em dia é legalmente muito difícil, e sobretudo moroso, punir um aluno insolente ou violento. Mas isto, repito, é o pensamento de um espírito tacanho. O que é preciso (e felizmente houve quem o entendesse) é multiplicar os contactos entre alunos e professores. Se não der resultado, servirá, pelo menos, para melhorar e aumentar as oportunidades de aqueles baterem nestes – fora do tempo de aula, está bem de ver, para não prejudicar o ensino.
Lendo todo este arrazoado, alguém dirá, criticamente: “Pois, pois! Ele está a defender a sua classe!”. A quem o diga, respondo (ou repito, já nem sei bem) que nunca na minha vida fui professor, nem perto disso. Acrescento que estou muito consciente de que muitos, muitos dos professores do nosso país se encontram na profissão errada (tal como muitos, muitos dos nossos actuais senhores ministros se encontram na função errada: adiante, não falemos de mais misérias. Jamé.).
No entanto continua a ser também verdade que há professores magníficos. Continua a ser verdade que o Ministério tomou uma decisão anticonstitucional, como declarada pelo respectivo Tribunal, que com essa decisão prejudicou vários alunos e que não parece nada preocupado com isso; continua a ser verdade que a tão falada TLEBS não passa de uma tontice inútil destinada a confundir o que deveria ser claro; continua a ser verdade que a concepção adoptada, não só nos exames como na prática do ensino, em relação à ortografia em particular e ao Português em geral, é um atentado contra a inteligência, contra a nossa língua e contra a nossa cultura, cometido por um departamento estatal chamado Ministério da Educação.
Vejo-me obrigado, a tal propósito, a recordar uma história já contada: aquela do professor de Física, dos tempos do antigamente (anteriores até, julgo, ao Estado Novo) que dava pontuação zero ao aluno que, num teste, escrevesse “trezentas gramas” em vez de “trezentos gramas”, porque, explicava, com inteira razão, trezentas gramas são trezentas plantazinhas que, juntas, formam um gramado. Temos aqui duas concepções opostas: uma, a da educação integrada, em que os professores do ramo científico querem e sabem corrigir erros de Português ou de História; outra, a actual, promotora da geral ignorância. em que não importa nada escrever que dôes e dôes são cuatro, o que é preciso é que a gentessentenda.
E a gente vai-se entendendo com um ou outro sopapo nos professores, sinal apenas de um certo espírito de iniciativa e de uma saudável energia física. Quem, no actual sistema, poderá pensar que isso é negativo?
Como diria o senhor ministro Mário Lino, Jamé.
A gente vai-se entendendo, com um ou outro sopapo nos professores, sinal apenas de espírito de iniciativa e de saudável energia física.
Vânho com esta agardecer a voça escelencia akela koisa de não ligar puto à hortugrafia nos isames do 9º.anu i de não ter metido nelex aqueles xatus do Camões i do Jil Vissente e de a perova ser bestialmente fássil. Eu já não benefissiei porque akabei a xatisse dos estudos e tou agora num dakeles empregus purreiros oferessidos pelo cenhor menistro da ikonumia, mas a minha irman Katia Vaneça fês u isame i gostou muito. Ela não pressisa de hortugrafia pra nada, já tá a fazer istájio numa kasa de alterne muita fixe, pagam bem i ela nem tem de falar, kuanto mais eskrever.
Também kero agardecer, cenhora menistra, ke os isames do 12º.forão bué da fásseis, cem ninhuma gramatika, purke u meu irmão Xico us fês e kurreram lhe muitabem i ele nem estodou nada todu u anu, a bem dizer, purke já ganha a vidinha komo diller i então não tem tempu pra essas xatisses. Pra ele livrus e gramatika, jamé, jamé.
I então eu keru ka cenhora kontinui acim, ke vai muitabem.
a) Juzé da Cilva, i.v.l. ( Inginheiro Verdadeiramente Lissenssiado )
Este documento, comovente e palpitante, foi-me cedido por um parente em vigésimo segundo grau de um alto funcionário do nosso Ministério da Educação, depois de um jantar muito bem regado, quando ele já estava claramente com os copos e balbuciava uma velha canção do desaparecido Hervé Villard: “Nu niron plus jamé”…(ortografia francesa modernizada e melhorada pelos do nosso sobredito Ministério; em francês não-corrigido, seria “Nous n’irons plus jamais”)
Interrompendo a cantoria e colocando nas minhas mãos a carta acima transcrita, ele disse-me, entre soluços: “Leia, meu amigo! Veja como esta nossa ministra é popular, como a juventude a estima e apoia! E a juventude é a promessa do futuro! Hic!”.
Eu li a carta e pensei logo que devia dá-la ao conhecimento dos leitores. Porque é edificante.
Segundo o mesmo parente em vigésimo segundo grau me confidenciou, o jovem autor da tocante missiva, além de preencher, como ele próprio informa, um daqueles postos de trabalho prometidos em boa hora pelo senhor ministro Manuel Pinho, vai também integrar uma comissão que deverá promover (segundo ouvi na TV) maiores contactos entre professores e alunos, uma medida destinada , especificamente, a evitar que os segundos agridam os primeiros. A coisa é assim: parece que se multiplicam, nas escolas, os casos de indisciplina e de agressões a docentes. Um espírito tacanho pensaria logo que se impunha um reforço da disciplina e da autoridade da escola, já que, por exemplo, hoje em dia é legalmente muito difícil, e sobretudo moroso, punir um aluno insolente ou violento. Mas isto, repito, é o pensamento de um espírito tacanho. O que é preciso (e felizmente houve quem o entendesse) é multiplicar os contactos entre alunos e professores. Se não der resultado, servirá, pelo menos, para melhorar e aumentar as oportunidades de aqueles baterem nestes – fora do tempo de aula, está bem de ver, para não prejudicar o ensino.
Lendo todo este arrazoado, alguém dirá, criticamente: “Pois, pois! Ele está a defender a sua classe!”. A quem o diga, respondo (ou repito, já nem sei bem) que nunca na minha vida fui professor, nem perto disso. Acrescento que estou muito consciente de que muitos, muitos dos professores do nosso país se encontram na profissão errada (tal como muitos, muitos dos nossos actuais senhores ministros se encontram na função errada: adiante, não falemos de mais misérias. Jamé.).
No entanto continua a ser também verdade que há professores magníficos. Continua a ser verdade que o Ministério tomou uma decisão anticonstitucional, como declarada pelo respectivo Tribunal, que com essa decisão prejudicou vários alunos e que não parece nada preocupado com isso; continua a ser verdade que a tão falada TLEBS não passa de uma tontice inútil destinada a confundir o que deveria ser claro; continua a ser verdade que a concepção adoptada, não só nos exames como na prática do ensino, em relação à ortografia em particular e ao Português em geral, é um atentado contra a inteligência, contra a nossa língua e contra a nossa cultura, cometido por um departamento estatal chamado Ministério da Educação.
Vejo-me obrigado, a tal propósito, a recordar uma história já contada: aquela do professor de Física, dos tempos do antigamente (anteriores até, julgo, ao Estado Novo) que dava pontuação zero ao aluno que, num teste, escrevesse “trezentas gramas” em vez de “trezentos gramas”, porque, explicava, com inteira razão, trezentas gramas são trezentas plantazinhas que, juntas, formam um gramado. Temos aqui duas concepções opostas: uma, a da educação integrada, em que os professores do ramo científico querem e sabem corrigir erros de Português ou de História; outra, a actual, promotora da geral ignorância. em que não importa nada escrever que dôes e dôes são cuatro, o que é preciso é que a gentessentenda.
E a gente vai-se entendendo com um ou outro sopapo nos professores, sinal apenas de um certo espírito de iniciativa e de uma saudável energia física. Quem, no actual sistema, poderá pensar que isso é negativo?
Como diria o senhor ministro Mário Lino, Jamé.
Prezada Mariazita
ResponderEliminarFico feliz em saber que continua visitando o meu blog. Gostei tanto do seu que adicionei-o ao meu.
Gostei muito dos artigos sobre educação, porque sou professora de Geografia e vejo com tristeza que os problemas educacionais são globais. As minhas angustias e reclamações são as mesmas dos meus colegas portugueses.
Quanto aos meus livros, escrevo juntamente com outra amiga minha que também é professora de Geografia e outra que é de Português, é uma coleção de geofrafia, intitulada "Coleção assim é fácil" para crianças entre 9 e 13 anos de idade.São contos com explicações. Atualmente estamos escrevendo um livro mais geral: "Momentos de reflexão".
Estamos pensando em abrir um blog para issso, mas ainda não nos decidimos.
Tenho comentado do seu blog com muitas amigas minhas e todas se interessaram.
Abraços, Teresa
se quiser escrever-me aqui vai o meu e-mail
teresasserrano@yahoo.com.br
Querida Mariazita,
ResponderEliminarUm bom texto, muito oportuno e estimulante para um raciocínio independente, como deve ser todo o raciocínio descomprometido de cores políticas.
Raciocinar é um encadeamento de argumentos com lógica sem ter a preocupação de defender interesses de quem quer que seja.
Estou comprador de duzentos gramas de coerência e saber!!!
Beijos
A. João Soares, serve de link
Querida Amiga,
ResponderEliminarMuito engraçado o texto de ortografia que se encontra completamente ao gosto da Sra. Ministra.
Todo o post em si, é muito oportuno e pertinente. Não sou professor e também já não sou aluno. Quero com isto dizer que não defendo nem acuso uns ou outros. Todos terão as suas razões. Agora, que a escola do meu tempo era diferente, isso era. Não tenho vergonha de o dizer, chequei a apanhar um "0" num teste, nessa altura "ponto".
Concordo que há bons e maus professores, mas também digo que, da parte dos alunos, há os que respeitam e os que não têem conhecimento dos princípios da boa educação.
Bjs
Amiga Teresa
ResponderEliminarObrigada por ter vindo.
Sei, porque tenho várias amigas brasileiras, três das quais são professoras, que também aí há problemas no tocante a Educação.
Claro que o problema não é exclusivo nosso. Ainda ontem uma irmã que tenho nos Est.Unidos me contava que, numa escola perto donde vive, foi preciso pôr polícia, que revista os alunos à entrada, porque iam para a escola munidos de facas e até armas, armavam zaragatas, e vários foram parar ao hospital!
É o mundo de violência em que vivemos.
Abra esse blog, sim. Fico à espera para poder visitá-la.
Já anotei o seu email. Logo.logo, escreverei.
Entretanto...deixo-lhe aqui beijinhos
Mariazita
Querido João
ResponderEliminarPenso que há quem precise mais desses tais duzentos gramas de coerência e saber...
Mas, pelo menos o saber, nunca é demais.
Contudo, se reparar bem, verificrá que todos os dias aprendemos alguma coisa.
Eu que o diga, não é verdade???
Beijinhos, bom sábado
Mariazita
Querido amigo Sérgio
ResponderEliminarDesde anteontem de tarde até ontem à noitinha estive off. Esta casa precisava uma faxina. Desde que "despejei" aqui tudo o que tinha no outro blog, ficou muito desarrumada. Agora já está mais ou menos...ainda precisa uns retoques, que farei com mais tempo.
Tudo isto para justificar só hoje agradecer a tua visita.
Eu também não sou professora, mas entre familiares, amigas e amigos, são mais de uma dezenas. Por isso estou bem no centro do vulcão...
É um caso muito complicado, de difícil solução. Mas alguma terá que se encontrar.
Brevemente publicarei aqui umas imagens sobre bullying, que mostram que a violência existe, em grande escala, entre alunos, e não só entre professores e alunos.
Tudo precisa uma grande reviravolta. Aguardemos o desenrolar dos acontecimentos.
Brevemente irei visitar a tua casa. Aí, pelo menos, ficamos em paz!
Beijinhos
Marizita
Querida Mariazita
ResponderEliminarE nem imagina como o seu artigo é actual!
Pelo facto de o seu Blog ser muito lido, nem lhe digo o que se passa, neste momento, (hoje mesmo,) em matéria de passagens de ano de alunos com dificuldades na aquisição e compreensão de conhecimentos. É inacreditável!!!
É o país que temos:os professores esforçam-se e continuam a esforçar-se, ao contrário dos (alguns) alunos a quem basta estar presente nas aulas...
Eu fui aluna do Professor João Malaca Casteleiro e ainda não entendo o motivo do Acordo Ortográfico, com o qual estou em total desacordo. Acho que nunca entenderei...
É preciso mostrar, como fez ao publicar esta carta, o estado em que alguns alunos saem para a vida activa. Só visto, porque contado, ninguém facilmente acredita. Bem haja.
Feliz 2018.
Um beijinho
Beatriz