(Reposição de post publicado em 10.08.08, ligeiramente alterado)
Quando se escreve “ao correr da pena”, como se de uma amena conversa se tratasse, corre-se o risco de usar expressões que podem ser mal interpretadas por algum leitor mais atento.
Vem isto a propósito do comentário que um gentil visitante e comentador fez ao post anterior,
- “Sei que a sua intenção não foi dizer ""todos nós"
pelo facto de eu ter escrito “todos nós”.
Daí que eu tenha alterado este início de conversa, que começava assim:
- Todos nós sabemos que uma manta de retalhos é feita de…
A verdade é que nem TODOS sabem como se faz ; apenas alguns, mais provavelmente algumas… saberão que uma manta de retalhos é confeccionada com pequenos bocados de tecido, unidos aleatoriamente…
Mas deixemos isso para a próxima aula de corte e costura!
Vamos ver o que tem a dizer-nos esta simpática velhinha.
SOU UMA VELHINHA GAITEIRA
Sou uma velhinha gaiteira. E daí?
Isso incomoda-vos? Lamento!
Preferia que vos agradasse. Mas não posso deixar de dizer que “é para o lado que durmo melhor”.
Esta é uma expressão que usam os meus bisnetos - que, aqui para nós, também me chamam, com ternura, “velhotinha gaiteira” – quando querem significar que não se importam com qualquer coisa..
Gosto de vestir roupas de cores garridas, alegres. E daí?
A claridade faz bem aos ossos, ajuda a combater a osteoporose. O ideal mesmo é a luz do sol, pelo menos quinze minutos por dia. Mas nos dias sem sol, ou para quem não pode expor-se aos raios solares, a claridade é um bom substituto.
A alegria é indispensável à vida. É a ela que devo a minha longevidade.
Não sabem que existem “clínicas do riso” onde as pessoas com uma certa idade vão, apenas rir, quinze minutos todos os dias? Vejam como elas são felizes!
“A alegria é um raio de luz, que deve permanecer sempre aceso, iluminando todos os nossos actos, servindo de guia a todos que nos rodeiam”
A vida é muito importante para ser levada a sério – dizia Óscar Wilde.
Quem disse que os parques só podem ser usados pelos meninos que jogam à bola ou brincam ao pião?
Ou pelas meninas, carregando as sua bonecas, brincando às mamãs?
Ou pelas criadas, impecáveis nas suas fardas acabadas de engomar, aventalzinho branco bordado, empurrando os carrinhos dos bebés, que vêm tomar ar fresco?
Esperem! Estou a fazer uma grande confusão…isto acontecia há muitos anos! Deixei-me embalar pelas recordações…
Estou aqui sentada há tanto tempo e ainda não ouvi o cantar de um pássaro! Ouço, sim, as buzinas dos carros, que fazem um barulho infernal.
E o ar fresco e perfumado? Não se sente…Há, isso sim, um cheiro horrível do gás que sai dos tubos de escape.
E as crianças, as poucas que por aqui se vêem, estão agarradas àquelas maquinetas que lhes entortam os olhos. Mexem constantemente os dedinhos, mordem os lábios nervosamente, e não se apercebem de nada à sua volta…
Preocupo-me com a saúde. E daí?
Vou ao médico regularmente. Tomo os medicamentos que ele me receita. Faço os exames que prescreve. Sigo, direitinho, todos os seus conselhos.
Dizem-me os mais jovens:
- Eu vendo saúde! Sou forte! Para quê perder tempo com médicos?
Eu também já fui jovem, mas não pensava assim. Sempre me cuidei. Continuem com essa filosofia, e em 2028 cá estaremos, e então conversamos. Bom, EU sei que vou cá estar. Vocês…não sei! Arrisco-me a falar com os vossos ossos, talvez já feitos em pó.
A juventude de agora não pensa! “Esta juventude um espanto!”
Sou vaidosa. E daí?
Olho-me no espelho e vejo um rosto sorridente. As rugazinhas que o enfeitam sorriem comigo. Foi uma oferta do tempo, por tanto que eu soube sorrir.
Os olhos reflectem ternura. E amor. Muito amor. Todo o amor que dei e recebi ao longo de tantos anos.
O peito não é altivo como antigamente…Foi a amamentar os filhos que ele perdeu a altivez. Como os meus filhos gostavam do leitinho da mamã! Era vê-los crescer, fortes, saudáveis, risonhos!
Não há nada como o leite materno para alimentar os bebés.
Hoje há muitas mulheres que não querem amamentar. Dizem que não querem “estragar” o corpo! Como se um filho pudesse estragar a sua mãe!
São jovens, ainda não sabem que, depois de carregarem um filho no ventre durante nove meses, ele ficará para toda a vida no coração.
E esse, o coração, é que é importante não deixar estragar.
Estou a ficar desmemoriada. E daí?
A semana passada fui ao cinema ver um filme qualquer. Já nem me lembro do nome…dos artistas muito menos. Sei que são muito conhecidos, famosos, mas não me recordo dos nomes. Mas isso que importa? Daqui por algum tempo ninguém se lembrará, também! Eu apenas me antecipo a esquecê-los.
Sei é que havia um cheiro forte, enjoativo, no ar… Pipocas, era isso!
E aquele ruído de fundo – crr, crr, crr…Imaginem o som de duzentas ou trezentas pessoas – não sei quantas comporta uma sala de cinema - a mastigar pipocas!
E o ronco do vizinho do lado que não apreciava o género de filmes de…
Acção? Suspense? Policial? Sei lá!...
Não me lembro. E daí?
OBS. – Para que não me interpretem mal… entenda-se “gaiteira” por – alegre, foliona, brincalhona (adjectivo) e não «tocadora de gaita» (substantivo).