“… Despediram-se com o beijo habitual.
Nanda foi para dentro e, na sala, encontrou o pai
sentado junto à mãe, nitidamente à sua espera…”
SEGREDOS –
CAPÍTULO XX
Nanda sentiu um
forte aperto no peito ao ver o pai. O coração disparou a toda a velocidade. Não
esperava encontrá-lo ali e não se sentia ainda preparada para o encarar.
Olhou-o, a medo, na expectativa de tentar perceber qual iria ser a sua reacção.
Viu-lhe, nos olhos, uma expressão de infinita tristeza. Não conseguiu conter as
lágrimas, que começaram a rolar, silenciosas.
O pai
levantou-se, aproximou-se e, sem dizer uma palavra, abraçou-a fortemente,
juntando às dela as suas próprias lágrimas.
A mãe
levantou-se num impulso, e, em voz sarcástica, quase histérica, exclamou:
- Mas que cena
tão comovente! Não sei qual é mais inconsciente, se a filha se o pai. A filha
com uma criança na barriga que, com certeza nem sabe quem é o progenitor, e a
reacção do pai é abraçá-la!
- Uma criança é
sempre uma bênção de Deus, seja em que circunstância for, e esta, que ainda
está por nascer, vai ser, e já é, muito amada.
Nanda sentiu-se
desmoronar por dentro ao ouvir as palavras do pai. As lágrimas silenciosas
transformaram-se em soluços convulsivos.
- Acalma-te
minha querida, esse choro não é bom para o meu neto… ou neta. E eu quero que
essa criança nasça muito saudável.
A dona Lucinda começava
a sentir-se emocionada. Mas, não querendo dar o braço a torcer, resolveu
intervir:
- Bem, quando
terminarem a choradeira falaremos de coisas práticas.
Pai e filha
afastaram-se, recompondo-se.
- Podes falar,
Cindinha (era assim que o pai tratava a mãe
quando queria amansá-la). Queremos ouvir o que tens para dizer.
- O que tenho
para dizer é muito simples. Filha minha não sai desta casa para a igreja com a
barriga empinada. Portanto, ou tratas de dizer quem é o pai e apressam o
casamento ou procuras lugar para morar. Não quero na minha casa mães solteiras!
Lembrando-se da
conversa com o Tó Zé, Nanda pensou, rapidamente, que o melhor seria aceitar a
sugestão dele, e declará-lo como pai do seu bebé. E assim tratariam do
casamento o mais depressa possível.
Com um fundo
suspiro, como que a ganhar coragem, respondeu:
- Não vale a
pena estar com mais rodeios. A mãe adivinhou quanto ao pai do meu bebé. É o Tó
Zé, sim. E até já falámos em casamento… O único problema é que o ordenado dele
não é muito grande, e para alugar uma casa e sustentarmo-nos… não vai ser nada
fácil…
O pai reagiu de
imediato:
- Não quero que
tu, e muito menos o bebé, passem a mais pequena dificuldade. Eu ajudo no que
for preciso. Procurem uma casa para alugar, ou…
se preferirem… eu não me importava que ficassem a viver cá em casa. Que te
parece, Cindinha?
- Sempre ouvi
dizer que quem casa quer casa – respondeu, com
azedume na voz.
- Pai, não me leve
a mal, mas eu também preferia ter casa minha… - apressou-se a esclarecer Nanda. E acrescentou: É claro que quero
ver-vos lá muitas vezes, assim como, se quiserem, virei cá ver-vos…
D. Lucinda
interveio, em tom mais cordato:
- Ninguém
sugeriu ficarmos de relações cortadas…
Adiante. O
pormenor da casa está resolvido, é só vocês encontrarem uma que vos agrade.
Resta, portanto, o casamento. Vocês já pensaram no que querem fazer?
- Não, Mãe, não
pensámos em nada de concreto, apenas aflorámos o assunto. Mas, se tanto a mãe
como o pai concordarem… eu gostaria de uma cerimónia simples… só no cartório.
- Por mim,
concordo – apressou-se a responder D. Lucinda.
O que é que tu achas, José?
José Sanches,
pai de Nanda, tinha pela filha verdadeira adoração. Sempre sonhara conduzir a
sua menina ao altar, onde a esperaria o seu príncipe encantado. Uma igreja
cheia de flores e convidados, seguindo-se um faustoso copo d’água… um casamento
digno duma princesa. Mas, dadas as
circunstâncias, esse sonho caía por terra.
- O que a
Nanda quiser… por mim acho bem. Afinal… ela é a principal interessada. –
respondeu, a custo.
- Então,
estamos entendidos – rematou D.
Lucinda. Tratem de alugar casa sem demora.
No dia seguinte
Nanda apressou-se a telefonar ao Tó Zé dizendo-lhe que tinha urgência em lhe
falar. Quando lhe contou o que se passara com os pais, ele mal conseguiu
disfarçar a alegria que a notícia do casamente lhe causava.
- Então… temos
de nos apressar. Vou ver no jornal anúncios de casas para alugar. E tu também
podias fazer o mesmo. Afinal, ainda estás de férias – disse, com um sorriso de orelha a orelha.
- Claro que
posso. O meu pai compra sempre dois ou três jornais… Vou ver se vejo por lá alguma
coisa. Para além disso, penso que concordas com o que disse à minha mãe acerca
do casamento ser uma cerimónia muito simples, e apenas no cartório…
- Evidentemente
que concordo, querida. Tu sabes que eu não ligo muito a essas coisas. Por mim
até podíamos ir viver juntos sem casamento, se tu quisesses que assim fosse… -
acrescentou, bem disposto.
- Eu também não
me importava… mas seria um desgosto muito grande para os meus pais.
-
Compreende-se… Os pais têm sonhos para os filhos, que nem sempre coincidem com
o que estes desejam… Mas nada melhor que chegar a um consenso: uns cedem um
bocadinho, os outros cedem por outro lado… e tudo corre bem – Tó Zé sentia-se tão feliz que era capaz de concordar fosse com o que fosse.
Sabes o que vou fazer? Pedir uma semana por conta das férias para tratarmos
do casamento. É que é muita coisa… E, para já, vou passar por casa para contar
à minha mãe. Acho que ela vai ficar radiante.
Nanda foi para
dentro, encontrando a mãe na sala, sentada, como se estivesse à sua espera, e
não com aspecto de ir sair para as suas habituais visitas aos que necessitavam
de companhia. Pediu a Nanda que se sentasse a seu lado. Ela acedeu,
preparando-se, mentalmente, para ouvir mais alguns desaforos.
D. Lucinda
estendeu a mão segurando a da filha. Com voz que teimava em não parecer
comovida, disse:
- Minha filha,
certamente estás zangada comigo.
- Não, mãe, eu
compreendo-a…
- Não me
interrompas, por favor – cada vez
adoçava mais a voz. Eu entendo que te possas sentir aborrecida. Eu tenho
sido muito agressiva contigo, e peço-te que me perdoes. Sabes? Eu sofri um
choque enorme quando verifiquei que estavas grávida. Sempre sonhei que a minha
menina – és a minha única filha – fizesse um casamento semelhante ao meu. Foi
tão lindo, o meu casamento! Via-te vestida de branco, com um vestido longo,
lindíssimo, um noivo maravilhoso; depois partias para a lua de mel… e só algum
tempo depois começarias a encher esta casa de crianças… - D. Lucinda falava
com um ar sonhador.
Mas, enfim,
quis o destino que nada disto se concretizasse. A minha reacção foi de egoísmo
puro, por ver o meu sonho desmoronar-se. Mas o que conta é que sejas feliz. E,
se realmente gostas desse rapaz, vai em frente. Nós, eu e o pai, cá estaremos
para te apoiar em tudo o que for preciso.
Nanda nem sabia
como reagir. Estava tão espantada e sentia uma alegria tão grande com a atitude
da mãe, que lhe apetecia agarrar-se a ela e dançar até mais não poder. Abraçou
a mãe com toda a força e, não contendo as lágrimas, murmurou:
- Eu amo-a
tanto, minha mãe!
D. Lucinda,
extremamente comovida e também com a lagrimita ao canto do olho, respondeu:
- Vá, vá, nada
de emoções fortes, que isso não faz bem ao meu netinho – ou netinha…
Os dias seguintes
passaram a correr. Entre os quatro, noivos e pais da noiva, encontraram um
apartamento de que todos gostaram; marcaram o casamento no cartório e o
restaurante para o almoço, aos quais, casamento e almoço, compareceram apenas
os familiares mais próximos – os pais de ambos os lados e a irmã e cunhado do Tó
Zé, num total de oito pessoas. Nanda lembrou-se muito da sua querida amiga
Bela, com quem falava uma vez por outra por telefone, lamentando não a ter presente
num dos momentos mais marcantes da sua vida. Contudo a amiga continuava,
alegadamente, a acompanhar a mãe no estrangeiro, sem saber quando regressaria.
Tudo se passou
num abrir e fechar de olhos, e, antes mesmo que tomassem bem consciência disso,
Nanda e Tó Zé estavam casados.
José Sanches
fizera a surpresa de marcar uns dias num hotel para a filha e o genro passarem
a lua de mel. Ambos ficaram agradavelmente surpreendidos.
Começaram
calmamente a sua vida de casados. Tó Zé voltou ao trabalho. Como era muito
eficiente no que fazia e desempenhava as suas funções sem uma falta ao serviço,
o patrão promoveu-o, dando-lhe um cargo de chefia. Por seu lado Nanda começou
com as aulas na Faculdade.
Aos Domingos
reuniam-se sempre com os pais de Nanda, para o almoço. Não mantinham relações
muito regulares com os pais de Tó Zé. Muito cedo este se desligara da família, “declarando”
a sua independência. Exceptuava-se a irmã, de quem gostava muito
Poucos meses depois Bela regressou.
A alegria do reencontro das duas amigas foi indescritível! Nanda, olhando a
amiga nos olhos, exclamou:
- Parece que passaram anos
desde a última vez que nos vimos! Não sei o que te noto… mas acho-te diferente,
talvez mais adulta… Parece que que perdeste aquele ar de menina mimada que tinhas…
- Menina mimada, eu? Olha
quem fala, a menina do papá… - troçou Bela. E, dizendo isto,
acariciava a barriga de Nanda, que estava já bastante proeminente. – E quanto
tempo falta para termos este bebezão cá fora? Estou ansiosa para conhecer o meu
afilhado. Já sabes como vai chamar-se?
- Eu gosto muito do nome
Miguel, e, em princípio, o Tó Zé não se opõe. E a madrinha o que acha?
- A madrinha aprova – respondeu Bela,
com um grande sorriso. Miguel é um nome muito bonito.
Menos de um mês depois Miguel viu a
luz do dia.
Embalada nestas
recordações Nanda acabou por adormecer com um sorriso nos lábios.
Maria Caiano
Azevedo