"... - Estava a abrir
a porta da rua quando o telemóvel tocou. Viu que era o Luís e resolveu não
atender. Logo de seguida ouviu uma mensagem em alta voz:
- Mãe! Porque não atendes o telefone? Já te liguei
hoje não sei quantas vezes! Preciso falar contigo com a máxima urgência!
Liga-me, por favor!
A voz do filho denotava urgência e ansiedade..."
SEGREDOS –
CAPÍTULO IV
Depois de ouvir a mensagem de Luis, Nanda ficou uns
momentos indecisa, sem saber bem o que havia de fazer. Por um lado, Bela já
devia estar no local de encontro; por outro lado o tom de voz do filho
“dizia-lhe” que devia ligar-lhe sem demora. E coração de mãe não se engana.
Saindo de casa ao encontro de Bela foi ligando para o
filho.
- Até que enfim,
mãe! Estou farto de te ligar e tu não me respondes…
- Tens razão,
filho, mas pensei que querias saber novidades da conversa com o teu pai, e só
há muito pouco tempo é que consegui falar com ele… - desculpou-se
Nanda. E acrescentou rapidamente:
- Mas tenho
boas notícias para te dar…
- Já dás, mãe –
interrompeu-a Luis. Deixa-me primeiro
falar…
- Diz lá então
o que se passa.
- Tenho uma
notícia muito boa para te dar, que penso que te vai deixar muito feliz – informou
Luis, alegremente.
- Diz, filho,
diz! – Nanda agora estava ansiosa por ouvir.
- Pois então
prepara-te: - já és avó!
- O quê? A voz de Nanda
denotava enorme espanto. Mas não é ainda
muito cedo?
- A isso não te
sei responder, mãe. Sabes como é, com o pouco dinheiro que temos a Catarina não
ia ao médico e deve ter feito mal as contas…
Ao mesmo tempo que ia falando com o filho Nanda ia
caminhando e em breve estava junto de Bela. Fez-lhe sinal para aguardar e
continuou conversando.
- Mas diz-me,
como está o bebé? E a Catarina? Como correu o parto? Onde é que eles estão
agora? – Nanda estava excitadíssima, fazendo perguntas uma
atrás da outra, sem esperar resposta.
- Acalma-te,
mãe, até pareces eu quando soube que o bebé estava a nascer – riu-se Luis.
E respondeu:
- Sim, estão
bem…
- Espera! Nem
perguntei se é menino ou menina. Afinal, tenho um neto ou uma neta? – interrompeu
Nanda, que continuava agitadíssima, querendo saber tudo ao mesmo tempo.
- E se eu te
dissesse que eram dois? – Luis denotava na voz uma alegria
fora do comum.
- O quê? Tu não
me digas que sou bisavó – riu Nanda, com um leve acento de
preocupação.
Luis deu uma forte gargalhada.
- Não, mãe, és
só avó. E do menino mais lindo do mundo!
-Ah! Assim é
melhor… - Nanda respirou aliviada - Dois ao mesmo tempo são mais difíceis de criar, não só pelo trabalho
como também pela despesa… E acrescentou:
- Que seja o
menino mais lindo do mundo não duvido… não nega as suas origens. Afinal, o pai
é um bonito rapaz, e a avó, apesar de velhota, ainda não é de deitar fora – riu alegremente.
Continuaram conversando neste tom até que Nanda olhou
para Bela e vendo-lhe um ar resignado, resolveu pôr termo à conversa.
- Olha, meu
filho, vamos falar de coisas práticas. O melhor será eu ir para aí amanhã, para
ajudar no que for preciso. Hoje já é um bocado tarde e não tenho nada
preparado…
- Não penses
nisso, mãe, não é preciso. A mãe da Catarina levou-a lá para casa, vai dormir
no quarto de solteira dela. Eu fico a dormir no nosso palácio (deu uma curta risada) mas vou lá vê-la todos os dias, depois da
jorna. Ao trabalho não posso faltar, sabes como é, quem não trabalha não
recebe… e não estamos em condições de dispensar nem um cêntimo…
- Se sei, meu
filho, se sei… Desempregada há tanto tempo preciso de contar os tostões… Mas
não te dei uma notícia muito importante. Já falei com o teu pai…
- Ah sim? E o
que foi que ele disse? – perguntou Luís, ansiosamente.
- Começou com
as tretas do costume, mas quando lhe disse que ia ser avô mudou como da água
para o vinho. Ficou todo excitado, a querer saber mais do que eu… e acabou
dizendo que “para o neto nem que tivesse que ficar ele sem comer”.
- Muito me
contas, minha mãe. Então o velhote ficou contente com a ideia de ter um neto?
Antes assim; sabes que eu gosto do pai, embora não concorde com a maioria das
cenas dele… Mas… concretamente, o que é que ele está disposto a fazer?
- Prometeu
arranjar um sítio para vocês morarem, o que é óptimo, e depois ajudar em tudo o
que puder, como seja arranjar-te trabalho e coisas assim… E ficou ansioso para
vocês virem para cima.
Dando o assunto por terminado despediram-se com as
recomendações habituais de “beijos para a Catarina e mil beijos para ti”, agora
acrescentados dos carinhos para o netinho.
Desligado o telemóvel voltou-se finalmente para Bela,
que aguardava pacientemente. Explicou-lhe tudo o que estava acontecendo, que
Bela tinha mais ou menos depreendido pelo que ouvira.
Concordaram que já era um pouco tarde para a caminhada
que tinham combinado, para além de que Nanda teria ainda que fazer alguns
telefonemas para avisar que já era avó. Bela riu-se do ar “babado” com que ela
pronunciava “avó”. Como boa amiga que era – aliás, as melhores amigas desde que
eram quase crianças – congratulou-se com a alegria da recente vovó, dizendo-lhe
que combinariam a caminhada para outro dia.
- Amanhã, talvez… - concordaram ambas. E
despediram-se.
Encaminhando-se para casa Nanda resolveu parar no café
para beber uma água e tentar acalmar-se antes de fazer os telefonemas a dar a
boa nova.
Rememorando a conversa com o filho pôs-se a imaginar a
felicidade que ele estaria a sentir por ser pai. Provavelmente a mesma que ela
própria sentira quando nascera o seu primeiro filho, Miguel. O pensamento
recuou quase trinta anos. E reviveu a cena…
***
“Caminhava distraidamente pela rua, com a
descontracção própria dos seus 17 anos, muito próximo dos 18.
Ia encontrar-se com a sua melhor amiga, Bela, que fora
à universidade colher informações acerca dos cursos que ambas pensavam ir
frequentar no próximo ano, agora que estavam prestes a terminar o 12º. Ano.
Depois iriam almoçar juntas para combinar os pormenores da festa de anos de
Nanda, que completaria os 18 anos dentro de 3 meses.
Numa rua muito próxima da cidade universitária, ao
dobrar a esquina, Nanda sentiu um forte encontrão que a fez voltar-se, furiosa,
pronta a interpelar severamente a pessoa que assim a tinha “abalroado”.
À sua frente estava um jovem aparentando vinte e
poucos anos que, com um ar compungido, murmurava numa voz doce e ao mesmo tempo
lastimosa:
- “Scusa!
Mi dispiace!
…”
Nanda levantou a cabeça para ver o rosto de quem
pronunciava tais palavras que, apesar de serem em italiano, ela percebeu
perfeitamente.
O jovem era bastante mais alto do que ela e,
logicamente, deveria ser italiano. A sua fúria inicial quase desaparecera ao
ouvir aquela voz tão doce, desvanecendo-se por completo ao observar aqueles
olhos de um azul tão profundo como ela nunca tinha visto.
O estranho parara no passeio observando-a
atentamente.
- Poderás
“perdonarmi”? – perguntou. E, continuando com um forte sotaque italiano:
- A culpa foi
toda minha, eu sei, e a única justificação que tenho é a grande preocupação que
ocupa ‘la mia mente’. Eu vinha completamente
distraído com tantas dúvidas ‘nella mia testa’ que nem
sabia por onde vinha…
Tudo isto foi dito com palavras portuguesas e italianas
à mistura. Nanda estava emudecida. Ela, que habitualmente tinha a resposta na
ponta da língua, não conseguia articular uma só palavra. Nada lhe ocorria…”
***
- Desculpe, senhora, mas deseja mais alguma coisa?
Era a voz do empregado, trazendo-a à realidade.
- Não, muito obrigada, não preciso de mais nada.
Quero apenas pagar.
E terminou o pensamento em que estivera embrenhada:
“Ai, Alessandro Santoro”
Ao chegar ao prédio onde morava Nanda meteu a chave à
porta e, no patamar, encontrou o seu vizinho do andar de cima, Jorge, que a
cumprimentou com aquele ar respeitoso que usa para com todas as pessoas,
especialmente as senhoras.
- Boa tarde,
Dona Nanda, como vai a senhora?
- Eu estou muito
bem, obrigada, Jorge. E muito feliz, porque soube há pouco que já sou avó.
- Avó? Mas não
é possível! A senhora tão jovem já tem netos? Foi mãe aos 10 anos… é isso? – Jorge
adoptara um ar brincalhão mas ao mesmo tempo admirado.
- Não, não foi
aos 10 anos – riu Nanda. Fui
mãe aos 18 anos… uma criança, diga-se em abono da verdade.
- Seja como
for, a senhora não tem aspecto de avó. Parece irmã dos seus filhos… - Jorge falava
com sinceridade.
- São os seus
lindos olhos, Jorge, sempre gentil…
Depois de mais uma pequena troca de piropos,
despediram-se. Jorge ia passar pelo coro, onde cantava como tenor, para saber
quando seria o próximo ensaio. De lá seguiria para o bar onde trabalhava.
Nanda subiu os degraus até ao primeiro andar onde
morava, abriu a porta de casa e entrou. Lá dentro, sozinha, esboçou um sorriso
e murmurou:
“Ai este Jorge, sempre tão gentil e simpático! E
depois… aqueles olhos azuis… dão-me volta à cabeça! Como diz a Bela,
parafraseando não sei quem… - Que pedaço de mau caminho!
Mas…para o que lhe havia de dar… Se não fosse aquele ‘pequeno
defeito’ eu até era capaz de dar umas voltinhas com ele no carrocel! Noutras
circunstâncias não me escapava – continuou o seu raciocínio, bem-humorada.
Que desperdício, santo Deus!” – e riu baixinho.
Maria Caiano Azevedo