sábado, 1 de maio de 2021

LIVRO EM CONSTRUÇÃO - SEGREDOS XXIX

 SEGREDOS – CAPÍTULO XXIXPENÚLTIMO CAPÍTLO

 
 

SEGREDOS – CAPÍTULO XXVIII

 - Só falei nisto porque não estou a ver-te ficares sem fazer nada, armada em dondoca. Olha, e se tu viesses trabalhar aqui para o centro? Penso que não terias dificuldade em arranjar qualquer coisa, nem que fosse um part-time, apenas para te distraíres.

- Só a ideia de ficar perto de ti já me agrada – respondeu Bela, finalmente com um grande sorriso a iluminar-lhe o rosto.

- Vou pôr-me em campo, a ver se descubro alguma coisa – Nanda esboçou um sorriso misterioso.


 CAPÍTULO XXIX – PENÚLTIMO CAPÍTLO

 Quando, a meio da manhã, o Araújo apareceu na Loja, Nanda perguntou-lhe se tinha alguns planos ou se poderiam almoçar juntos. Ele, embora admirado, já que era a primeira vez que tal acontecia - normalmente era ele que sugeria isso - sentiu-se estranhamente feliz com esse facto. Disse logo que sim. Mas ficou intrigado, e, inexplicavelmente alvoroçado, pensando no motivo que a levara a tomar tal atitude.

Um pouco antes da hora normal da saída o engenheiro apareceu, levando-a para o restaurante.

- É melhor irmos um pouco mais cedo para podermos escolher a mesa à nossa vontade – justificou ele, disfarçando a ansiedade.

Logo que encomendaram o almoço, Nanda, sem mais delongas, foi directa ao assunto.

- Araújo… – gaguejou, sem bem saber como iniciar a conversa.

Notando a sua hesitação, ele incentivou-a:

- Nanda, fale à vontade. Diga tudo o que tem a dizer – encorajou-a, mas um pouco receoso.

- O melhor é pôr as cartas na mesa. O que acontece é que eu ando muito cansada. Ele interrompeu-a, pressentindo o pior:

- Mas qual é a admiração? A Nanda trabalha como uma escrava; nestes anos todos em que está na Ourivesaria nunca tirou férias, apesar de eu tanto ter insistido nisso.

- Não, o problema não está aí. O que acontece, e você sabe melhor que eu, é que o negócio progrediu como ninguém poderia imaginar, e há dias em que eu não tenho mãos a medir – são fornecedores para atender, são as atendedoras constantemente a porem-me dúvidas, é a contabilidade propriamente dita… enfim, há alturas em que eu penso que o dia devia ter 48 horas!

Araújo deixou-a falar sem a interromper, unindo as sobrancelhas com ar de preocupação. Manteve-se uns momentos em silêncio, e por fim disse:

- Sinto-me extremamente culpado por nunca ter pensado nisso! Relativamente ao tempo que passou, nada posso fazer. Mas, daqui em diante, vou obrigá-la a ter férias. Nem que tenha de a impedir, fisicamente, de entrar na Ourivesaria – terminou, com um meio sorriso.

Nanda ficou calada, procurando as palavras para o que lhe queria dizer.

- Não será preciso chegarmos a esse extremo – começou, sorrindo. E nem é bem isso que está em causa. Eu tenho uma ideia melhor. Que tal arranjarmos uma pessoa para me ajudar no dia a dia?

Araújo olhou para ela, pensativo. Interiormente sentiu um enorme alívio – chegou a recear que ela quisesse despedir-se. Depois murmurou:

- É interessante como, tantas vezes, os nossos pensamentos coincidem!

Ela olhou-o, com ar interrogativo.

- Já várias vezes pensei nisso, mas nunca falei no assunto por dois motivos: Primeiro, acho que seria muito difícil arranjar alguém em quem eu pudesse confiar totalmente como acontece consigo – a Nanda sabe que me merece total confiança,  confio em si cegamente. Em segundo lugar, sempre receei que interpretasse isso como uma falta de confiança nas suas capacidades, nas suas qualidades de trabalho, na sua fidelidade – como se estivesse a vigiá-la -  enfim… Sorriu timidamente e rematou a meia voz, como se falasse consigo mesmo:   o mais certo é ser insegurança minha

Nanda respirou fundo, aliviada. Agora já podia avançar com a sua ideia.

- Então, deixe-me dizer-lhe que estou em condições de terminar com todas essas inseguranças. Conheço uma pessoa com as qualidades necessárias para ocupar o lugar. Responsabilizo-me inteiramente por ela.

- Se é assim… nada mais me resta do que aceitar. E eu conheço-a?

- Não, mas vai conhecer. É a minha melhor amiga, quase posso dizer a minha alma gémea.

E Nanda contou, resumidamente, a história de Bela, focando-se, especialmente, no aspecto profissional, nas suas habilitações e competências, e no motivo que a levava a estar desempregada. Não entrou em grandes pormenores, deixando isso para a sua amiga fazer quando e se quisesse.

Araújo ficou agradavelmente convencido, deixando ao critério de Nanda o dia em que Bela lhe seria apresentada.

- Muito brevemente – informou Nanda, dando o assunto por terminado.

 

Na semana seguinte Bela estava sentada ao lado de Nanda, no escritório da Ourivesaria, tomando o primeiro contacto com o trabalho. Nunca, em toda a sua vida profissional, se sentira tão feliz como agora, ao lado da sua melhor amiga.

 

Miguel e Farida regressaram do Algarve onde tinham passado uma semana. Ela vinha encantada com a beleza das inúmeras praias que visitaram.

Os dias voavam. Com Bela no escritório da Ourivesaria Nanda passou a estar lá menos horas, disfrutando a companhia do filho e da nora. Tinha pensado meter férias nestes dias em que eles se encontravam cá, aproveitando o facto de Bela a poder substituir, mas um motivo forte  a levou a protelar a ideia.

Um dia em que os três foram almoçar a um restaurante, a certa altura Miguel, olhando para Farida com um sorriso, disse à mãe:

- Mãezita, temos um presente para ti.

- Um presente? Ainda mais? Achas que vocês não me deram já presentes bastantes? Para além de que, não pode haver presente melhor do que a vossa presença aqui. – estendeu as mãos tocando nos braços de ambos.

- Tu é que és o melhor presente que eu recebi ao nascer – respondeu Miguel, emocionado.

- Vamos deixar-nos de salamaleques, senão ainda me ponho a chorar e estrago a maquilhagem – cortou Nanda.

- Tens razão, Mãezita, vamos ao que interessa – o nosso presente para ti.

E, metendo a mão no bolso do blazer retirou de lá um envelope que entregou à mãe. Farida olhava-os em silêncio, com um sorriso.

Intrigada, Nanda abriu o envelope e de dentro retirou um bilhete de avião para a Bélgica.

Abriu a boca , não querendo acreditar no que via.

- Mas o que é isto? O seu espanto era enorme.

- Não me digas que não sabes o que isso é -  Miguel e Farida olhavam-na,  sorrindo.

- Claro que sei que é um bilhete de avião. Para a Bélgica.  O que não percebo é a que propósito vocês mo estão a oferecer – a incredibilidade dela era autêntica.

- Eu explico, Mãezita. Tu sabes que a Farida está grávida. E também sabes que o seguimento lógico, se tudo correr bem, será nascer um bebé, daqui por uns seis meses.  E, tanto ela como eu queremos – mas queremos mesmo! – que tu assistas ao nascimento do teu segundo neto.

Nanda estava de tal modo comovida que nem se deu ao trabalho de esconder uma lágrima que rolou na sua face. A custo conseguiu dizer:

- Meus queridos filhos, essas palavras são as mais lindas que vocês me disseram desde que cá estão. O gesto de me oferecerem o bilhete foi muito bonito, mas nada me faria mais feliz do que vocês quererem que eu assista ao nascimento do vosso primeiro filho. Tenho de urgentemente falar com o Araújo para tomar as necessárias providências para a minha ausência.

- Faça isso, sim – dirigiu-se-lhe Farida – e resolvam tudo o que houver para resolver. Mas não se esqueça duma coisa: eu recuso-me a dar à luz o seu neto se a Nanda não estiver presente.

Neste ponto Nanda não se conteve. Levantou-se e dirigiu-se à nora, que logo se pôs de pé.  O abraço apertado demonstrava um verdadeiro amor de mãe e filha.

Miguel, também ele bastante comovido, murmurou:

- Então, meninas, não se esqueçam que estão no restaurante. Tenham maneiras! Ora esta!

Separaram-se limpando os olhos disfarçadamente.

Nanda, já recomposta, começou a raciocinar. “Fazendo as contas ao tempo que falta para o parto, e contando com mais duas ou três semanas que eu lá passe depois de o bebé nascer, isso vem a dar uns seis meses…”

Miguel interrompeu-lhe os pensamentos:

- O que tanto pensas, Mãe? Não me digas que te estamos a criar problemas.

- Nada disso, só estava aqui a fazer contas para dizer ao Araújo quanto tempo vou ter de me ausentar. Devem ser aí uns seis meses.

- Eu acho que o melhor é não lhe falares em tempo. Diz-lhe quando vais; quanto a regressares, depois se verá. Penso que é melhor assim, Mãezita, para não ficares amarrada a datas.

 

Na conversa com Araújo Nanda falou-lhe, efectivamente, na data em que queria embarcar – daí a cerca de um mês, sensivelmente. Mas não se referiu ao regresso.

Ele ouviu-a em silêncio, sentindo, antecipadamente, as saudades que iria ter dela. A verdade é que a amava profundamente, mas nunca sentira coragem para se declarar e nem sequer para, com um ou outro gesto, lho dar a entender.

Sendo uma pessoa tão desinibida nos contactos sociais e profissionais, era, no entanto, extremamente tímido em assuntos de amor. Nunca ninguém lhe conhecera uma namorada, nem sequer um simples flirt. E, no entanto, como  homem tão bem sucedido na vida, com boa aparência e com aquela idade, não lhe faltavam pretendentes. Quantas clientes iam à Ourivesaria com o pretexto de comprar qualquer coisa, mas, no fundo, apenas para o verem!?

Este amor por Nanda, verdadeiro mas nunca confessado, era o seu segredo; acompanhá-lo-ia, até ao fim dos seus dias, sem nunca ser revelado.   O único sentimento que demonstrava era uma grande amizade, consolidada ao longo dos anos, e uma enorme cumplicidade, fruto da total concordância entre eles sempre que apreciavam algum negócio.

Nunca imaginou que ela poderia ausentar-se da sua vida por muitos dias, o que era suficiente para viver feliz, conformado e em paz com os seus sentimentos. Agora, perante a ideia de não poder vê-la por bastante tempo – calculava que uma viagem daquelas seria demorada – começava a deixar-se invadir por enorme tristeza.

Manteve-se em silêncio por alguns momentos, o que levou Nanda a supor que ele iria pôr algum entrave à sua ida.

Mas tal não aconteceu. Com um ar muito sério, com o qual pretendia esconder os seus verdadeiros sentimentos, respondeu-lhe:

- Evidentemente que eu acho que a Nanda tem todo o direito a férias. E tem muitos dias  acumulados – esboçou um ligeiro sorriso -  Ainda há pouco tempo falámos sobre isso. O que me preocupa é que, uma viagem dessas não se faz numa semana, e receio que a sua amiga não consiga substituí-la convenientemente – mentiu, ocultando o verdadeiro motivo.

- Quanto a isso não precisa preocupar-se, Araújo. Na empresa do pai, onde ela sempre trabalhou, geria uma secção das de maior responsabilidade, na qual tinha total autonomia. E sei que o pai, pessoa muito exigente em questões de trabalho, nunca teve nada a apontar-lhe. Pode confiar nela como em mim.

- Isso é que não sei se  será possível – respondeu ele, sorrindo. A verdade é que eu confio mais em si do que em mim mesmo.

Nanda deu uma gargalhada, como forma de esconder o embaraço que essa declaração lhe causava, pois detestava ser alvo de elogios.

- E agora, meu querido chefe, se me dá licença vou trabalhar. Este intervalo para um cafezinho está a prolongar-se demais, e arrisco-me a apanhar um raspanete da nova gerente.

Aquele “querido chefe”, caiu como mel no coração de Araújo mas, ao mesmo tempo, deixou-o triste por saber que ela o dizia por simples brincadeira.

 

Rapidamente chegaram ao fim as férias de Miguel. Farida, com três meses e meio de gravidez, estica a barriga para mostrar o seu estado, que ainda mal se nota. Magra como é, tem apenas uma ligeira saliência no ventre, de que ela muito se orgulha.

Giuliana acabou as suas investigações na Torre do Tombo, e aprecia a semana que falta para o regresso para conhecer Lisboa.

Chega a azáfama de fazer as malas. Os visitantes, com o dobro da bagagem que trouxeram, tal foi a vontade de comprar presentes para levar para os amigos;  Nanda,  a encher as malas de roupa porque “três meses não são três dias”. O filho bem lhe diz que, para onde vai, há muitas lojas onde comprar roupas, mas ela responde-lhe sempre que “mais vale prevenir do que remediar”.

Finalmente no aeroporto, cumprem as formalidades de embarque, e umas horas depois desembarcam em Antuérpia. Metem-se numa Van/táxi , que fica a abarrotar, e dirigem-se para a zona da Universidade, onde Miguel e Farida têm um amplo apartamento.

Nanda sente-se como num sonho. Nascida e criada em Lisboa, tudo o que conhecia de “estrangeiro” era Espanha, onde foi várias vezes. Quando os filhos eram pequenos ela e Tó iam, todos os anos, passar duas semanas no sul de Espanha, onde há excelentes praias de águas cálidas. Alugavam “una casa con dos habitaciones” não muito longe do mar e, comendo em casa, conseguiam fazer férias bastante económicas. Quando  os filhos eram crescidos e já podiam ficar sozinhos, iam ambos a Madrid e outras cidades espanholas, fazendo fins de semana prolongados.

“Naquele tempo ainda o Tó Zé não tinha arranjado as galdérias com quem depois se enrolou. Fizemos lindos passeios, diga-se em abono da verdade” - pensava Nanda enquanto passeava, sozinha, pelas ruas da cidade, apreciando a arquitectura das casas, tão diferentes de Lisboa.

Miguel e Farida já haviam regressado ao trabalho. Giuliana, que tinha ainda uma semana de férias, vinha sempre juntar-se a Nanda para almoçar e depois passavam a tarde juntas. Giuliana adorava fazer de cicerone, mostrando-lhe o que considerava mais bonito.

Sentadas, tomando um café e uma água, Nanda ouviu a  sua jovem amiga dizer:

- Quando falei ontem com o meu pai pelo telefone – a Nanda sabe que falo com ele todos os dias -  pedi-lhe para vir passar um tempinho connosco. Gostava muito que o conhecesse.

Ela estava precisamente naquele momento a levar a chávena do café à boca. Engasgou-se de tal modo que parecia asfixiar. Tossiu fortemente, até que um empregado se acercou e, ajudando-a a levantar-se, aplicou-lhe a chamada  manobra de Heimlick. Rapidamente ela se recompôs.

Já a respirar normalmente, limpando as lágrimas que, involuntariamente, escorreram dos seus olhos, sentia o coração a cavalgar-lhe no peito.

“Encontrar-me com Alessandro estava completamente fora dos meus planos” – pensava, excitadíssima.

 

Maria Caiano Azevedo