Há, no Peru, um local chamado oásis de Huacachina.
Trata-se de uma região formada por dunas de areia branca, tendo ao centro um belo lago verde, cercado de árvores.
Como em muitos outros sítios naquele país, existe um certo misticismo a respeito deste local.
São muitas as lendas a ele associadas.
Dentre várias escolhi uma história de amor muito antiga, passada em tempos pré-hispânicos, que conta a vida de uma donzela que, com suas lágrimas, terá formado o lago do oásis.
A Lenda do Amor Perdido
Vivia em Cacaraca, centro indígena de alguma importância, uma donzela de olhos verdes, cabelos negros como azeviche, curvas sensuais como as vasilhas do Templo do Sol de Corikancha (Cuzco - um dos recantos mais sagrados para os incas).
Próximo, em Pariña Chica, vivia Ajall Kriña, jovem de olhar duro e forte, em combate, parecendo o bastão que se ergue na mão do guerreiro ou polida flexa em arco estendido; mas de olhar doce quando em paz, na sua terra, com um riso que fazia lembrar nota de música antiga, lançada por fatigado guerreiro, que regressa após prolongada ausência.
Ajall Kriña enamorou-se perdidamente pela jovem princesa do “pueblo”, de formas arredondadas de virgem.
Um dia, quando a jovem levava na ilharga o cântaro da água pura, a sua alma, apagada e muda até então, abriu a jaula e deixou cantar o seu coração, como uma cotovia:
Mi corazón en tu pecho cómo permitieras;
aunque penda de un abismo,muy hondo,
muy hondo o estrecho
de modo que tú me quieras
como tu corazón mismo.
A princesa Huacachina, a das lágrimas eternas, assim chamada porque desde que os seus olhos se abriram para a vida não fizeram senão chorar, não tardou em corresponder ao carinho profundo, fervoroso e intenso do feliz varão dos olhos mutantes - de dureza ou doçura, de aço ou de mel.
Todas as manhãs e todas as tardes, nos cálidos ocasos ou nas rosadas auroras, Huacachina, cujas lágrimas parecia haverem secado para sempre, entregava a Ajall Kriña os carinhos do seu coração, as joias da sua ternura, o calor da sual alma pura e simples.
Mas a felicidade, que sempre julgamos eterna, voou como Zéfiro fugitivo que se some por entre as folhas das árvores.
Ordens de Cuzco dispunham que todos os jovens se apresentassem para sair imediatamente a combater a sublevação de um longíncuo “pueblo” beligerante.
Ajall Kriña, com a alma dilacerada, despediu-se da sua jovem feiticeira.
Ela jurou-lhe amor, carinho e fidelidade. Ele, feliz por sentir que ela não o trairia, e não entregaria o seu coração a nenhum outro, marchou com os outros do seu “pueblo” a caminho do “pueblo” revoltoso, a fim de debelar a rebelião e sufocar o movimento sacrílego contra o ‘Deus-Inca’.
Ajall Kriña, com terríveis feridas abertas, cicatrizes no corpo todo, morre em combate, depois de ter lutado como um leão.
Logo a má notícia chegou a Huacachina.
A bela princesa dos olhos feiticeiros, como louca, desesperada, a coberto das sombras da noite que se aproximava, sem que seus pais se apercebessem, caminhou pelos montes até cair prostrada, abatida, suada.
O pranto que jorrava do manancial inesgotável de seus olhos caía nas areias co
mo panos de cambraia, e estendiam-se para além da Huega.
As lágrimas rolavam e continuaram rolando muitos minutos, dias, meses… dos seus olhos injectados pela dor.
Quando a fome, a dor, a tristeza e a desventura romperam o frágil ctistal da sua alma e a vida passou veloz, essas abundantes lágrimas, absorvidas pelas areias escaldantes, surgiram à flor da terra, depois de terem saturado as entranhas da terra, que as devolveu por não poder suportar o contágio da imensa dor.
De dia as verdes águas evaporam-se, em pequenas quantidades e sobem até ao céu, como se fossem chamadas pelos deuses para aprender sobre a dor; de noite, quando as sombras e o silêncio empurram a luz e o ruido, a princesa sai, coberta com o manto da sua cabeleira que ondula sobre o seu corpo.
Com esse manto negro, muito negro, mas menos escuro que a sua alma, continua chorando o seu pranto de ausência e tristeza.
Algumas gotas descobrem-se de manhã, logo ao amanhecer, sobre os raros juncos que às vezes brotam; vêem-se sobre as inúmeras folhas rugosas e notam-se em cada um dos dentes das folhas penteadas da velha alfarrobeira, que estende os seus ramos levantando-se sobre a cama de areia, para pedir aos ceus piedade e consolo destinados à princesa da triste sina, do sonho desfeito, do paraíso perdido
As lágrimas desta mulher, de olhos verdes e cabelo muito negro, foram formando pouco a pouco a lagoa. Diz-se que nas noites de lua nova ainda se podem escutar seus lamentos.