(Ficção baseada em factos reais)
…
- Vicente, preciso falar contigo
- Agora vou tomar um banho. Podemos conversar depois?
- Com certeza. Eu aguardo.
EPISÓDIO XXV
E aguardou, pacientemente, que o marido tratasse da sua higiene.
Quando ele regressou e se mostrou disponível para conversar, Anita disse rapidamente:
- Vicente, estou grávida.
O marido estremeceu ligeiramente. Recompondo-se, respondeu:
- Eu sabia que, mais tarde ou mais cedo, me darias essa notícia. E não te censuro. Reconheço que não tenho esse direito.
Anita nem queria acreditar no que estava ouvindo. Tinha imaginado várias reacções possíveis por parte do marido, mas nunca lhe passara pela cabeça que Vicente aceitasse calmamente uma tal revelação.
Não sabia como reagir.
Imaginara ter que defender-se de acusações e críticas severas, de ameaças físicas, até, embora Vicente nunca se tivesse mostrado violento. Afinal, o marido parecia aceitar a situação com toda a naturalidade…
Depois de um breve silêncio, Vicente continuou:
- Anita, há apenas uma coisa que te quero pedir. É que não queiras separar-te de mim, sair desta casa, abandonar o teu lar.
- Mas…Vicente…
- Por favor. Não me interrompas.
Sei muito bem que não tenho sido um bom marido. Já há um certo tempo reconheci que o nosso casamento foi um erro.
Sei que nunca me tiveste amor, e sei que, até certo ponto, foste forçada a aceitar casar comigo. Na altura eu estava cego, e não compreendi que tu não eras mulher para mim. Fiquei ofuscado com a tua beleza e juventude, e nada mais me interessou.
Além disso, havia outra mulher na minha vida, que, aliás, já existia no tempo em que a minha primeira mulher era viva.
Não consegui, nunca, abandonar esta mulher, por quem me apaixonei há muitos anos, mas que nunca pude assumir, casando-me com ela.
É de condição social muito inferior à minha. O casamento não seria bom, nem para mim nem para ela, que não saberia conviver nos meios em que tenho que me mover, por causa dos negócios.
Para além disso, os meus filhos nunca a aceitariam, e, se a conhecessem, fariam um grande escândalo
O amor que nos une é muito forte e tem resistido a todos os revezes.
Nunca consegui nem conseguirei separar-me dela.
Mas como a nossa relação é praticamente secreta, conhecida apenas de dois bons amigos, eu gostaria de pedir-te que me ajudes a que se mantenha assim, continuando tu, Anita, a viver nesta casa que é tua, mantendo, oficialmente, o nosso casamento.
Anita sentia-se completamente atordoada. Nunca lhe passaria pela cabeça que o marido pudesse reagir dessa maneira. Estava sem saber que atitude tomar. Abriu a boca para dizer qualquer coisa, mas Vicente interrompeu-a de novo.
- Desculpa, Anita, mas ainda não acabei. Há mais uma coisa que te quero pedir: Nunca me digas quem é o pai dessa criança. Prefiro não o saber. Para todos os efeitos, inclusive de herança, será meu filho. No seu registo de nascimento o meu nome constará como sendo seu pai.
Anita ia balbuciar umas palavras, mas Vicente mais uma vez não a deixou falar.
- Não, Anita, não digas nada por agora. Pensa na minha proposta. Não tenhas pressa em me responder. O assunto é bastante grave, tem que ser analisado com calma. Podes até querer aconselhar-te…
Quando tiveres tomado uma decisão, avisa-me.
E, dando o assunto por encerrado, levantou-se. Anita notou que Vicente teve um pequeno desequilíbrio ao pôr-se de pé. Por um breve momento apoiou-se às costas da cadeira; mas rapidamente se recompôs e, com um simples “até logo”, afastou-se.
Anita deixou-se abater sobre o sofá, completamente desnorteada com o que acabara de se passar. Custava-lhe a crer que tudo não passara de um sonho.
O relógio da sala, tocando as dez horas, veio lembrar-lhe que tinha prometido à mãe ir almoçar a casa dela e passar lá a tarde.
Foi para a cozinha preparar uma surpresa para o lanche, que sabia ser a preferida da mãe e do Tiaguinho – bolinhos de chuva.