domingo, 31 de maio de 2009

ANITA

ANITA – EPISÓDIO XXV

(Ficção baseada em factos reais)


- Vicente, preciso falar contigo
- Agora vou tomar um banho. Podemos conversar depois?
- Com certeza. Eu aguardo.

FIM DO.EPISÓDIO XXIV

EPISÓDIO XXV

E aguardou, pacientemente, que o marido tratasse da sua higiene.
Quando ele regressou e se mostrou disponível para conversar, Anita disse rapidamente:
- Vicente, estou grávida.

O marido estremeceu ligeiramente. Recompondo-se, respondeu:
- Eu sabia que, mais tarde ou mais cedo, me darias essa notícia. E não te censuro. Reconheço que não tenho esse direito.

Anita nem queria acreditar no que estava ouvindo. Tinha imaginado várias reacções possíveis por parte do marido, mas nunca lhe passara pela cabeça que Vicente aceitasse calmamente uma tal revelação.
Não sabia como reagir.
Imaginara ter que defender-se de acusações e críticas severas, de ameaças físicas, até, embora Vicente nunca se tivesse mostrado violento. Afinal, o marido parecia aceitar a situação com toda a naturalidade…

Depois de um breve silêncio, Vicente continuou:
- Anita, há apenas uma coisa que te quero pedir. É que não queiras separar-te de mim, sair desta casa, abandonar o teu lar.
- Mas…Vicente…
- Por favor. Não me interrompas.
Sei muito bem que não tenho sido um bom marido. Já há um certo tempo reconheci que o nosso casamento foi um erro.
Sei que nunca me tiveste amor, e sei que, até certo ponto, foste forçada a aceitar casar comigo. Na altura eu estava cego, e não compreendi que tu não eras mulher para mim. Fiquei ofuscado com a tua beleza e juventude, e nada mais me interessou.
Além disso, havia outra mulher na minha vida, que, aliás, já existia no tempo em que a minha primeira mulher era viva.
Não consegui, nunca, abandonar esta mulher, por quem me apaixonei há muitos anos, mas que nunca pude assumir, casando-me com ela.
É de condição social muito inferior à minha. O casamento não seria bom, nem para mim nem para ela, que não saberia conviver nos meios em que tenho que me mover, por causa dos negócios.
Para além disso, os meus filhos nunca a aceitariam, e, se a conhecessem, fariam um grande escândalo
O amor que nos une é muito forte e tem resistido a todos os revezes.
Nunca consegui nem conseguirei separar-me dela.
Mas como a nossa relação é praticamente secreta, conhecida apenas de dois bons amigos, eu gostaria de pedir-te que me ajudes a que se mantenha assim, continuando tu, Anita, a viver nesta casa que é tua, mantendo, oficialmente, o nosso casamento.

Anita sentia-se completamente atordoada. Nunca lhe passaria pela cabeça que o marido pudesse reagir dessa maneira. Estava sem saber que atitude tomar. Abriu a boca para dizer qualquer coisa, mas Vicente interrompeu-a de novo.

- Desculpa, Anita, mas ainda não acabei. Há mais uma coisa que te quero pedir: Nunca me digas quem é o pai dessa criança. Prefiro não o saber. Para todos os efeitos, inclusive de herança, será meu filho. No seu registo de nascimento o meu nome constará como sendo seu pai.

Anita ia balbuciar umas palavras, mas Vicente mais uma vez não a deixou falar.

- Não, Anita, não digas nada por agora. Pensa na minha proposta. Não tenhas pressa em me responder. O assunto é bastante grave, tem que ser analisado com calma. Podes até querer aconselhar-te…
Quando tiveres tomado uma decisão, avisa-me.

E, dando o assunto por encerrado, levantou-se. Anita notou que Vicente teve um pequeno desequilíbrio ao pôr-se de pé. Por um breve momento apoiou-se às costas da cadeira; mas rapidamente se recompôs e, com um simples “até logo”, afastou-se.
Anita deixou-se abater sobre o sofá, completamente desnorteada com o que acabara de se passar. Custava-lhe a crer que tudo não passara de um sonho.
O relógio da sala, tocando as dez horas, veio lembrar-lhe que tinha prometido à mãe ir almoçar a casa dela e passar lá a tarde.
Foi para a cozinha preparar uma surpresa para o lanche, que sabia ser a preferida da mãe e do Tiaguinho – bolinhos de chuva.

FIM DO EPISÓDIO XXV

quinta-feira, 28 de maio de 2009

OS JUMENTINHOS

No corrente ano de 2009 comemora-se o centenário do nascimento de Dom Hélder Câmara, bispo católico e arcebispo de Olinda e Recife – BRASIL

Por se tratar de uma pessoa que merece ser recordada, irei publicando, de vez em quando, crónicas ou apontamentos que foram por ele escritas.

É de sua autoria o texto que hoje vos apresento.


OS JUMENTINHOS

Os jumentinhos, os jegues eram, são e serão imagem viva dos nordestinos...

Eles passavam — e nas cidades pequenas ainda passam — carregando lenha



para as casas sem fogão elétrico e sem fogão a gás.

Eles passavam — e nas cidades pequenascontinuam passando — carregando água




onde não há água encanada e onde falta, por vezes, até um poço, com motor e com torneira comunitária.

Eles passavam — e nas cidades pequenas sempre passarão — carregando carvão, carregando estrume, carregando tudo o que for preciso carregar.

Quando a seca aperta e falta capim, e falta milho, até com papel ele se alimenta.

Quando a família tem de partir, ele carrega a mãe de família e a criança de peito como fez com Nossa Senhora e o Menino Deus na fuga para o Egito. (São José caminhava a pé.)



Pensam que ele reclama quando inventaram agora que carne de jumento
dá dinheiro no estrangeiro?
De modo algum — ele não se julga melhor do que boi, nem vaca, nem bode, nem carneiro, nem ovelha, nem porco...

Ele só não quer ficar vivo longe do Ceará.
Fica doido quando chega a notícia de chuva e ele está longe.

Perguntei a um jumentinho se ele trocava o Ceará pelo Céu, caso Nossa Senhora, em agradecimento pela fuga para o Egito, obtivesse de seu filho e filho de Deus que um jumentinho tivesse entrada no Céu.
Ele me matou de vergonha, perguntando:
“Mas só gente e jumento no céu? E os outros animais, que todos, todos
foram criados por Deus?”
Foi mais longe e disse:
“Depois, mesmo com a seca, O Ceará parece um pedaço do céu”.


O destaque desta meditação, é a resposta do jumentinho, que não aceita injustiça de ele ter o privilégio de ser o único animal no céu...

Cuidado em não pensar só em si, esquecendo os outros.


Dom Héder Câmara
Do livro Um olhar sobre a cidade
JF, 19/08/1976


Dom Héder Câmara



Dom Hélder Pessoa Câmara nasceu em Fortaleza a 7 de Fevereiro de 1909, e faleceu em Recife, a 27 de Agosto de 1999.

Foi um grande defensor dos direitos humanos durante o regime militar brasileiro; defendia uma igreja simples voltada para os pobres, e a não-violência.

Recebeu vários prémios nacionais e internacionais, e foi o único brasileiro a ser indicado quatro vezes para o Prémio Nobel da Paz

domingo, 24 de maio de 2009

ANITA

ANITA – EPISÓDIO XXIV

(Ficção baseada em factos reais)

E foi assim que Tiaguinho passou a ir à sexta-feira dormir a casa dos avós, e Anita pôde alimentar o seu amor.
Finalmente chegou a tão esperada carta de Humberto.

FIM DO.EPISÓDIO XXIII

EPISÓDIO XXIV

Com o coração alvoroçado, Anita foi para o seu quarto para ler a carta sossegadamente.
Ficou decepcionada ao abrir o envelope e ver apenas umas linhas que pareciam escritas à pressa.
Humberto declarava-se muito preocupado com as notícias que recebera, manifestando o seu receio de que Anita viesse a ter alguma desilusão e consequente desgosto, pois que lhe parecia que o seu futuro estava bastante nebuloso.
Terminava dizendo que tinha o tempo muito ocupado, pois arranjara um local de trabalho onde podia ir aperfeiçoando, com a prática, os conhecimentos adquiridos no curso; e que, por esse motivo, as suas cartas, daí em diante, seriam, forçosamente, menos longas.

Quando terminou a leitura Anita sentiu-se desconsolada.
A carta de Humberto não trazia as habituais palavras de carinho, nem a descrição do seu dia-a-dia, como as anteriores.
Sentiu-se subitamente muito triste, ao pensar que, por causa do seu amor, poderia perder a amizade de Humberto, que para ela era tão importante.

Contrariando um impulso inicial, decidiu que esperaria alguns dias antes de escrever a Humberto. Precisava pôr as ideias em ordem, e só depois tentar fazer-lhe sentir como era feliz, e tinha esperança no futuro.

Um dia, ao levantar-se, Anita sentiu uma forte tontura e náuseas.
Lembrou-se que, na noite anterior, quase não tocara no jantar, porque se sentia sem apetite. Atribuiu esse mal-estar ao facto de ter o estômago vazio. Dirigiu-se à sala de jantar, mas, à vista da comida, o estômago revolveu-se-lhe, obrigando-a a ir vomitar.

De repente, uma ideia acudiu ao seu pensamento: estou grávida!
– Não, não pode ser; alguma coisa eu comi que me fez mal. Quando chegar à creche, as colegas vão queixar-se do mesmo, com certeza.
Mas não; ninguém tinha passado mal, toda a gente estava de perfeita saúde. Anita começou a ficar preocupada.

Nos dias que se seguiram, contudo, não voltou a ter qualquer indisposição. Convenceu-se, então, de que tivera mesmo qualquer pequeno problema de digestão.
À medida que o tempo foi passando começou a notar alterações no seu físico – sentia a roupa mais apertada, uma enorme sonolência e uma vez por outra davam-lhe tonturas que a obrigavam a sentar-se, para não cair.
Dois meses depois acabou por se convencer da sua gravidez.

Na sexta-feira seguinte, na casa paroquial, comunicou ao padre João que tinha um assunto muito sério para tratar com ele.
Aparentando uma calma que não sentia, falou-lhe das suas desconfianças, quase certezas. E, ao contrário do que esperava, ele ouviu-a tranquilamente, sem manifestar espanto ou desagrado.
Por fim abraçou-a, carinhosamente, e só depois levantou uma dúvida:

- E como fazemos com o teu marido? Ele precisa saber a verdade, quanto antes. Não podemos esperar que se note, ou que ele venha a saber por outras pessoas. Temos que lhe dizer.

Anita sentiu-se estranhamente calma perante esta reacção inesperada.
Tinha imaginado que ele, pelo menos, se mostrasse preocupado, desorientado, mesmo, e afinal isso não acontecera. Respondeu:

- João, se não te importas prefiro tratar disso sozinha. Hoje mesmo, ou amanhã, o mais tardar, falarei com Vicente.
- Tu sabes muito melhor do que eu o que é melhor. Mas quero que saibas que tens todo o meu apoio, E, se mudares de ideias, é só dizeres-me, que estarei presente quando falares com ele.

Anita estava-lhe tão agradecida interiormente que lhe pareceu que o seu amor tinha redobrado.
Nessa noite amaram-se com uma intensidade renovada. Anita sentia-se a mulher mais feliz do mundo.

No dia seguinte, aproveitando o facto de ser sábado e Tiaguinho estar em casa dos avós, regressou a sua casa mais cedo do que nas vezes anteriores, com a intenção de falar com o marido.

Vendo-o entrar em casa de manhã, interpelou-o:
- Vicente, preciso falar contigo

- Agora vou tomar um banho. Podemos conversar depois?
- Com certeza. Eu aguardo.

FIM DO EPISÓDIO XXIV

domingo, 17 de maio de 2009

O TRIUNFO DOS PORCOS

Deixei de fazer terapia no dia em que comecei a sentir-me culpado por não me sentir culpado.
O analista esperava confissões pungentes sobre horrores vários e infantis.Nada tinha para lhe dizer.
E essa ausência de esqueletos no armário começou a alimentar uma angústia sem nome. Eu era um caso dramático de ansiedade por falta de ansiedade. E ainda sou .
E assim se entende o meu estado de espírito sempre que o ano avança e não existe nenhum apocalipse pronto para exterminar a raça humana. Os meses passavam : janeiro , fevereiro, março . E as autoridades mundiais não lançavam gritos lancinantes sobre uma doença, uma anomalia técnica, um vírus descontrolado e mortal. Nem sequer um espirro!
Sei do que falo. Vocês, leitores, também.
Nos últimos dez, 15 anos, praticamente não tivemos sossego. Basta consultar “Scared to Death”, um livro notável que Christopher Booker e Richard North publicaram recentemente no Reino Unido.
Antes mesmo do século 21 começar, os perigos estavam nas vacas e na carne delas. A doença tinha nome divertido (“doença da vaca louca”)



e conseqüências menos divertidas: uma doença neurológica degenerativa e incurável que prometia condenar meio milhão de seres humanos a uma morte precoce e terrível.



Lembro-me bem: imagens de vacas trêmulas, a dançar o twist; a matança de milhares delas, com ou sem sintomas; os criadores de gado arruinados. Muitos optaram pelo suicídio. Pobrezinhos. Ainda hoje está por provar que a encefalopatia espongiforme bovina seja a causa da doença de Creutzfeld - Jacob nos seres humanos.

Veio o milênio. E com o milênio vieram novos perigos. Não de origem animal. Mas humana. Ou, se preferirem,tecnológica. Na virada de 1999 para 2000, um “bug” informático iria paralisar as cidades, os transportes, o sistema bancário e financeiro.



Aviões cairiam do céu. Milhões de doentes não resistiriam á paragem das máquinas. Os países mais desenvolvidos gastaram US$300 bilhões de dólares (estimativa conservadora) para evitarem o colapso. Quando a meia-noite soou, o mundo , inexplicavelmente, continuou. Suspirou-se de alívio. Ou de desilusão ?

Os suspiros duraram pouco tempo . Se a humanidade resistira ao “bug”informático, não iria sobreviver à “gripe das aves”. A Organização Mundial de Saúde garantia que 7 milhões de pessoas estavam condenadas. As Nações Unidas , não contentes com 7 milhões, falavam já em 150 milhões.
Moral da história ?
Morreram 200 pessoas, sobretudo na Ásia rural, onde a pobreza e a desnutrição não ajudam. Morreram incomparavelmente menos pessoas do que as vítimas normais que a gripe normal provoca todos os anos, em todos os paises do mundo.

Eis a verdade; andamos há muito tempo a fantasiar a nossa própria destruição coletiva.
São as vacas.
As aves.
O “bug” informático.
A pneumonia atípica.
A catástrofe ecológica e climatérica nos espera.
Ou para sermos mais atuais,uma gripe de origem suína e mexicana que, nas palavras de Margaret Chan, diretora-geral da Organização Mundial de Saúde,coloca toda a humanidade em risco.
Que essa “gripe suína” esteja sobretudo confinada ao México, pouco importa.
Que as vítimas do México sejam praticamente insignificantes quando comparadas com as vítimas regulares de gripe regular, também não.
E que os infectados fora do México estejam a responder aos medicamentos disponíveis, muito menos.
A realidade dos fatos não altera a nossa histeria.

E não altera porque a nossa histeria é profunda e incurável.
Hoje vivemos melhor. Mas apesar disso, ou sobretudo por causa disso, entramos em pânico sempre que a morte ameaça o nosso único deus : o corpo, o nosso corpo, e a “Religião da Saúde” que substituiu todas as outras teologias tradicionais.

Tememos a nossa destruição física. Mas, como em qualquer temor, recriamos e até desejamos essa mesma destruição, como se isso redimisse a radical solidão dos homens de hoje.
Tão modernos que somos.
E tão entediados que nos sentimos.

Um conselho: nada nesta vida se faz sem perseverança. Quem sabe? Se desejarmos muito que algo aconteça, talvez um dia alguém lá de cima se lembre de responder às nossas preces...


Texto de João Pereira Coutinho. Publicado na Folha de São Paulo (ILUSTRADA) em 05/05/2009

JOÃO PEREIRA COUTINHO


João Pereira Coutinho, nascido no Porto em 1976, é jornalista e comentador político português.
Licenciou-se em História, na variante de História da Arte, na Universidade do Porto, e obteve o grau de Doutor em Ciência Política na Universidade Católica Portuguesa, onde lecciona, como Professor Convidado.
Frequentou igualmente a Escola Superior de Teatro e Cinema, em Lisboa.

“João Pereira Coutinho é uma alma pura, um conversador de primeira, um performer artist, um excelente professor, um humorista impagável, um grande conferencista , um escritor de primeira”…tudo isto dito em entrevista à Folha de S.Paulo.

Se quiser, assista à entrevista em vídeo no youtube

http://www.youtube.com/watch?v=6QKNT917dSE

quinta-feira, 14 de maio de 2009

ANITA

ANITA – EPISÓDIO XXIII

(Ficção baseada em factos reais)

O Amor nunca pode ser um erro. E eu amo-te muito, Anita; tanto que, ainda que tu não sentisses nada por mim, só o meu Amor chegaria para nós dois.

FIM DO.EPISÓDIO XXII

EPISÓDIO XXIII

E com estas palavras o Amor de ambos foi consumado.

Como Tiaguinho estava em casa dos avós, Anita não se preocupou em ir para sua casa, o que fez apenas no dia seguinte.

Durante o trajecto estranhou que tudo estivesse exactamente igual, que nada tivesse mudado; e ao entrar em sua casa, encontrou-a arrumada da mesma maneira de sempre.

Isto causou-lhe uma certa estranheza. Parecia-lhe que tudo deveria ter mudado, mas afinal nada de estranho acontecera. A mudança ocorrera apenas dentro de si. Sentia que era uma outra mulher.

O dia decorreu normalmente, apenas com a diferença da ausência de Tiaguinho, que lhe custou a suportar. À tarde resolveu ir a casa da mãe, onde encontrou avós e neto felizes e contentes, à mesa de um apetitoso lanche. Conservou-se ali até ao anoitecer; nessa altura regressou a sua casa, sozinha, já que tinha prometido ao filho deixá-lo passar na casa dos avós o fim-de-semana completo.

Ao entrar em casa sentiu o peso da solidão.

Como era já habitual, Vicente não se encontrava em casa.
Teve que fazer um esforço grande para não ceder à tentação de ir ao encontro do padre João.
Sentiu uma saudade muito viva de Humberto, e lamentou, mais do que nunca, não ter o amigo junto de si. Quando terminou de jantar resolveu escrever-lhe.
A vontade de contar ao enteado tudo o que lhe acontecera era enorme. Mas, por maior à vontade que tivesse com ele, hesitou muitas vezes, sem encontrar a melhor forma de relatar o sucedido.
Por fim respirou fundo, soltou um suspiro, e, com determinação, começou a escrever. A partir desse momento as palavras fluíam sem dificuldade, e nada ficou esquecido. Terminava dizendo:

- Só te peço que não me condenes, nem a mim nem ao João, pois o que fizemos não foi uma acção leviana; é apenas a sequência lógica do nosso amor. Eu amo-o, Humberto, tenho a certeza, e sei que ele também me ama. Sei que vais considerar o que nos une como “amor impossível”, mas até isso vai ser ultrapassado, porque nós conversamos, e o João considera a hipótese de abandonar o sacerdócio. E a partir daí tudo será fácil. Divorcio-me do teu Pai e irei viver com o João, casados ou não, não importa. Diz que me apoias, meu querido Humberto; que me compreendes, que queres que eu seja feliz, e que estarás sempre do meu lado. Tu fazes parte da minha felicidade, sabes isso…
E terminava com as despedidas habituais.

Quando Humberto leu esta carta sentiu o mundo desmoronar-se à sua volta. Leu-a e releu-a vezes sem conta, na esperança de que não tivesse entendido bem o que lá estava escrito.
Quando se convenceu de que era mesmo verdade o que os seus olhos lhe mostravam, grossas lágrimas rolaram pelo seu rosto. Nada fez para as reprimir; ao contrário, deixou-as deslizar, pensando que ajudariam a lavar o seu enorme desgosto.

Durante umas semanas não arranjou coragem para responder a Anita.

Entretanto, na ilha tudo decorria dentro da calma habitual.
Anita continuava a ir todos os dias para a creche, onde cumpria as suas obrigações, como se nada se tivesse alterado na sua vida.
O padre João aparecia à hora do almoço e à tarde, pontualmente; sempre que podia, trocava olhares apaixonados com Anita. Quando havia papeis a entregar, arranjavam maneira de as suas mãos se tocarem, o que lhes provocava arrepios de prazer.
Ansiavam por se encontrar de novo, mas as oportunidades não eram muitas.

Tiaguinho, que tinha adorado o fim-de-semana que passara com os avós, todos os dias pedia à mãe que o deixasse ir novamente dormir lá.
Anita viu aí a oportunidade que faltava ao seu amor.

A meio da semana, à saída da creche, em vez de ir para sua casa foi visitar a mãe. Como era de esperar, Tiaguinho dependurou-se no pescoço da avó, a pedir-lhe para dormir lá em casa.
Anita fingiu-se contrariada, e, para não levantar suspeitas respondeu que só no fim-de-semana, se entretanto ele se portasse bem.

E foi assim que Tiaguinho passou a ir à sexta-feira dormir a casa dos avós, e Anita pôde alimentar o seu amor.

Finalmente chegou a tão esperada carta de Humberto.

FIM DO EPISÓDIO XXIII

domingo, 10 de maio de 2009

AS MULHERES DA MINHA GERAÇÃO

Hoje têm quarenta e muitos anos, inclusive cinqüenta e tal, e são belas, muito belas, porém também serenas, compreensivas, sensatas e sobretudo diabòlicamente sedutoras, isto, apesar dos seus incipientes pés-de-galinha ou desta afetuosa celulite que capitaneia as suas coxas, mas que as fazem tão humanas, tão reais.
Formosamente reais.
Quase todas, hoje, estão casadas ou divorciadas, ou divorciadas e casadas, com a intenção de não se equivocar no segundo intento, que às vezes é um modo de acercar-se do terceiro e do quarto intento.
Que importa?

Outras, ainda que poucas, mantêm um pertinaz celibatarismo, protegendo-o como uma fortaleza sitiada que, de qualquer modo, de vez em quando, abre as suas portas a algum visitante.

Que belas são, por Deus, as mulheres da minha geração!

Nascidas sob a era de Aquário, com influência da música dos Beatles, de Bob Dylan, de Lou Reed, do melhor cinema de Kubrick e do início do boom latino-americano, são seres excepcionais.

Herdeiras da revolução sexual da década de 60 e das correntes feministas, elas souberam combinar liberdade com coqueteria, emancipação com paixão, reivindicação com sedução.
Jamais viram no homem um inimigo, apesar de lhe cantarem algumas verdades, pois compreenderam que a sua emancipação era algo mais do que pôr o homem a lavar a louça .

São maravilhosas e têm estilo, mesmo quando nos fazem sofrer, quando nos enganam ou nos deixam.

Usaram saias indianas aos 18 anos, enfeitaram-se com colares andinos,

cobriram-se com suéteres de lã e perderam a sua parecença com Maria, a Virgem, numa noite de sexta-feira ou de sábado, depois de dançar El Raton com algum amigo que lhes falou de Kafka, de Neruda e do cinema de Bergman.

Falaram com paixão de política e quiseram mudar o mundo, beberam rum cubano e aprenderam de cor as canções de Sílvio Rodriguez e de Pablo Milanez, conhecerem os sítios arqueológicos, foram com seus namorados às praias, dormindo em barracas e deixando-se picar pelos mosquitos, porque adoravam a liberdade e, sobretudo, juraram amar-nos por toda a vida, algo que sem dúvida fizeram e que hoje continuam a fazer na sua formosa e sedutora madureza.

No fundo das suas mochilas traziam pacotes de rouge, livros de Simone de Beauvoir e fitas de Victor Jara, e, ao deixar-nos, quando não havia mais remédio senão deixar-nos, dedicavam-nos aquela canção, que é ao mesmo tempo um clássico do jornalismo e do despeito, que se chama "Teu amor é um jornal de ontem".

Souberam ser, apesar de sua beleza, rainhas bem educadas, pouco caprichosas ou egoístas.
Deusas com sangue humano.

O tipo de mulher que, quando lhe abrem a porta do carro para que suba, se inclina sobre o assento e, por sua vez, abre a do seu companheiro por dentro.

A que recebe um amigo que sofre às quatro da manhã, ainda que seja seu ex-noivo, porque são maravilhosas e têm estilo, ainda que nos façam sofrer, quando nos enganam, ou nos deixam, pois o seu sangue não é suficientemente gelado para não nos escutar nessa salvadora e última noite, na qual estão dispostas a servir-nos o oitavo uísque e a colocar, pela sexta vez, aquela melodia de Santana.

Por isso, para os que nascemos entre as décadas de 40 e 60, o dia da mulher é, na verdade, todos os dias do ano, cada um dos dias com suas noites e seus manheceres, que são mais belos, como diz o bolero, quando está você.

Que belas são, por Deus, as mulheres da minha geração!


(Santiago Gamboa-escritor Colombiano)



Santiago Gamboa

O escritor colombiano Santiago Gamboa nasceu em Bogotá, em 1965.
Estudou literatura na “Universidade Javeriana de Bogotá” e licenciou-se na “Complutense de Madrid”.
Publicou o seu primeiro livro em 1995.
Com um livro adaptado ao cinema, é considerado um dos mais notáveis autores da sua geração.
“A Síndrome de Ulisses” é um dos quatro livros de sua autoria traduzidos para português, e publicados no nosso país.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

ANITA

ANITA – EPISÓDIO XXII

(Ficção baseada em factos reais)

Alguns dias mais tarde, e antes que chegasse carta de Humberto, sucedeu o que seria de esperar.

FIM DO EPISÓDIO XXI
EPISÓDIO XXII

Era uma sexta-feira. Anita encontrava-se na sala, rodeada de crianças, a quem, pacientemente, ensinava uma nova lengalenga.
Eulália apareceu à porta da sala, e imediatamente Tiaguinho correu para os seus braços. E foi logo perguntando:
- É hoje, vó? É hoje que vou dormir na tua casa?
Apertando-o nos braços, e olhando de lado para Anita, respondeu:
- É hoje, sim, meu amor, é hoje. Não é, Mamã? – continuou, dirigindo-se a Anita.

Anita compreendeu que não podia continuar a recusar o pedido de avó e neto. Ainda tentou falar na falta de roupa de Tiaguinho, tendo perfeita noção de que era apenas uma desculpa, já que o filho tinha algumas roupas na casa dos avós.
Acabou por concordar, não sem que pelos seus olhos perpassasse uma ligeira nuvem de tristeza.
E, como que para se habituar à ideia, insistiu para que Tiaguinho ficasse até à hora normal da saída.

Quando o padre chegou notou que Anita estava um pouco tensa, e perguntou se havia algum problema especial.
- Não, não há problema algum; apenas uma mãe que, pela primeira vez, se separa do filho, e que não imaginava como isso pode ser doloroso.
- Quem foi a mãe que se separou do filho?
- Eu mesma, que autorizei o Tiaguinho a dormir em casa dos avós.
- Mas…por favor! Isso não é uma separação. São apenas algumas horas…
- Eu sei, e não é propriamente ficar sem o meu filho por umas horas que me preocupa, mas o que isso significa: ele está a ganhar asas, e em breve poderá voar sozinho. É isso que dói.
- Mas essa é a ordem natural da vida. As crianças crescem, e aos pais compete acompanhá-los no seu voo, não cortar-lhes as asas para que não voem…
- Eu seu que é assim que tem que ser. Mas o saber isso não me ajuda a não ficar triste com a ideia.

Entretanto todos se tinham retirado com desejos de bom fim-de-semana. De súbito aperceberam-se de que estavam sozinhos.
O padre João estendeu as mãos segurando as de Anita, que tremiam ligeiramente. Desde o primeiro beijo nunca mais tinham estado a sós. Havia um certo constrangimento entre eles.
Sem largar as mãos de Anita, o padre falou:
- Sinto que estás muito nervosa, Anita. Vamos até à minha casa, bebemos um refresco, tu acalmas-te, e podemos, se quiseres, continuar a conversa que estávamos tendo, sobre a educação a dar aos filhos…
Anita sentiu uma tentação enorme de o acompanhar, de prolongar um pouco mais a sua companhia, de não ter que ir enfrentar a solidão da sua casa, onde nem Tiaguinho estaria para a distrair.
Contudo, hesitou:
- E se alguém nos vê, o que irá pensar?
- E quem poderá ver-nos? É só atravessar este caminhito, e estamos lá. E ainda que vissem, que mal é que tem? Recebo em minha casa muitas paroquianas e paroquianos…
Anita anuiu, dirigindo-se à porta.

No momento seguinte encontravam-se na casa paroquial, que Anita já conhecia, de ter lá ido muitas vezes nos tempos do pároco velho, que falecera.
Mas, ao contrário do que acontecera de todas as outras vezes, agora não se sentia à vontade.
Para disfarçar o seu nervosismo começou a falar das mudanças que notava na casa., mas o padre João interrompeu-a com um beijo.
Anita rendeu-se. Só quando, alguns momentos depois ele a encaminhava para o quarto, ela objectou:

- João, tens a certeza que não é errado o que vamos fazer?

- Deus, pela boca de Seu amado Filho, pregou o Amor, e não lhe impôs limites nem condições. “Amai-vos uns aos outros” foram as Suas palavras. O Amor nunca pode ser um erro. E eu amo-te muito, Anita; tanto que, ainda que tu não sentisses nada por mim, só o meu Amor chegaria para nós dois.

FIM DO EPISÓDIO XXII

domingo, 3 de maio de 2009

DIA DA MÃE

DIA DA MÃE EM PORTUGAL

ALGUÉM DISSE

Alguém disse que um filho está no ventre durante nove meses.
Esse alguém não sabe que um filho está no coração por toda a vida.

Alguém disse que seis semanas depois de se dar à luz se volta à normalidade.
Esse alguém não sabe que depois de se dar à luz não existe normalidade.

Alguém disse que se aprende a ser mãe instintivamente.
Esse alguém nunca foi às compras com uma criança de três anos.

Alguém disse que “bons pais” fazem “bons filhos”.
Esse alguém pensa que as crianças vêm com manual de instruções e garantia.

Alguém disse que as “boas” mães nunca gritam.
Esse alguém nunca viu o filho a partir a janela do vizinho com a bola.

Alguém disse que não é necessário uma boa educação para se ser mãe.
Esse alguém nunca ajudou o filho a estudar matemática.

Alguém disse que não se pode amar o quarto filho como o primeiro.
Esse alguém não teve quatro filhos.


Alguém disse que não se pode encontrar nos livros todas as respostas às perguntas sobre como criar filhos.
Esse alguém nunca teve um filho que meteu um feijão no nariz.

Alguém disse que o mais difícil de se ser mãe é o parto.
Esse alguém nunca deixou o filho no primeiro dia de creche.

Alguém disse que uma mãe pode fazer o seu trabalho com os olhos fechados e uma mão atada atrás das costas.
Esse alguém nunca organizou uma festa de aniversário para a sua filha.

Alguém disse que uma mãe pode deixar de se preocupar com os filhos quando se casam.
Esse alguém não sabe que o casamento agrega genros e noras ao coração de uma mãe.

Alguém disse que o trabalho de uma mãe termina quando o último filho sai de casa.
Esse alguém não tem netos.

Alguém disse que uma mãe não necessita da compreensão e do “eu gosto muito de ti” de um filho.
Esse alguém não é filho.


Caminhava com a minha filha de 4 anos, quando ela apanhou qualquer coisa do chão e ia pô-la na boca.
Ralhei com ela e disse-lhe para nunca fazer isso.
- Mas porquê? - perguntou ela.
Respondi que se estava no chão estava sujo e cheio de micróbios.
Nesse momento, a minha filha olhou-me com admiração e perguntou:
- Mamã, como sabes tudo isso? És tão inteligente!
Rapidamente reflecti, e respondi-lhe:
- Todas as mães sabem estas coisas. Quando alguém quer ser mãe, tem que fazer um teste e tem que saber todas estas coisas, senão, não pode
ser mãe.
Caminhamos em silêncio cerca de 2, 3 minutos. Vi que ela pensava ainda sobre o assunto, e de repente disse:
- Ah, já entendi. Se não passasses no teste, tu eras o pai!
- Exactamente – respondi com um enorme sorriso...

E agora, quando você parar de rir, conte isto a todas as outras mães…
E também aos pais que tenham humor.

FELIZ DIA DA MÃE