quarta-feira, 1 de abril de 2020

LIVRO EM CONSTRUÇÃO - SEGREDOS XIX

SEGREDOS – CAPÍTULO XVIII

"...- Ai, Tejo, Tejo, tu consegues imaginar o amor que sinto por ti? Só mesmo um amor muito grande me faria vir para o parque a estas horas da manhã…
Ao ouvir o seu nome o animal levantou a cabeça olhando para ela e, como se percebesse as suas palavras, abanou a cabeça como que em sinal de concordância..."

SEGREDOS – CAPÍTULO XIX
Rapidamente se passou um mês. Entre estar com a família e o seu emprego, Nanda nem se apercebeu de que o tempo corria veloz.
A inauguração da “Orvalho de Prata” fora um êxito. Empresário exímio, Araújo mandara fazer umas pequeninas rosas em prata que foram oferecidas, como presente de inauguração, aos clientes que efectuaram alguma compra. Todos os clientes saíram satisfeitos, tanto pela lembrança como pela simpatia das empregadas, duas senhoras já na casa dos quarenta anos, mas com uma apresentação impecável.
O dia a dia de Nanda era quase rotineiro. De manhã levava o Tejo a passear, o que repetia à noite, já tarde, pois que a loja fechava às 22 horas. À hora do almoço, muitas vezes aproveitava para ir ver o neto, e ao Domingo não dispensava o almoço em família. Nestes eventos era frequente a presença de Tó Zé, que se mostrava verdadeiramente apaixonado pelo neto. Isso levava a que Nanda, ao regressar a casa, sozinha no seu apartamento, infalivelmente recordasse o passado…
***
“…- Essa mania que vocês têm de comer porcarias, e ainda por cima à noite! Se calhar era melhor ires ao médico…
- Não é preciso, Mãe. É só eu fazer um pouco de dieta, e fico boa.
- Bem, vamos ver. Mas olha que com a saúde não se brinca…”
Dona Lucinda ficou com a pulga atrás da orelha e nos dias que se seguiram esteve ainda mais atenta ao estado da filha, que não mostrava qualquer melhoria. Antes pelo contrário, a cada dia que passava Nanda sentia mais náuseas e várias vezes teve de interromper o pequeno almoço para ir vomitar.
Um dia a mãe decidiu esclarecer o assunto duma vez por todas. Colocando no rosto um ar severo, logo a seguir ao pequeno almoço, interpelou a filha:
- Ora vamos lá falar como duas pessoas crescidas, minha menina. Sim, que tu já és bem crescidinha!
Nanda estremeceu. Todas as vezes que a mãe lhe chamava “minha menina” era sinal de que vinha por aí raspanete. E, com este tom tão rígido, tinha de se preparar para o pior.
Foi sentar-se em frente da mãe, dizendo com ar contrito:
- Sim, Mãe. Quer falar de quê?
- De ti, evidentemente. Essa tua suposta doença que se manifesta apenas por vómitos já dura há tempo suficiente para me deixar desconfiada.
Nanda, interiormente, tremia de medo antevendo o que viria a seguir, mas fazia os possíveis por aparentar uma calma que estava longe de sentir.
- Queres contar-me a verdadeira razão desse teu “mal estar” ou preferes que seja eu a adivinhar?
O tom de voz da mãe endurecia à medida que ela falava. Nanda sentia que não havia escapatória possível. Chegara a hora da verdade. E pensava, aflita – “Isto tinha de acontecer, mais tarde ou mais cedo. No fundo, até me parece que mais vale contar tudo de uma vez…”
A mãe insistia:
- Então? Queres falar ou não?
- Eu gostava de falar, sim, Mãe. Mas falta-me coragem….
A mãe respirou fundo como se precisasse de se acalmar. Quase a gritar, exclamou:
- Falta-te coragem? Mas para fazer o que fizeste não te faltou coragem!
Voltou a respirar fundo, e, num tom mais comedido, continuou:
- Vamos pôr as cartas na mesa. Tu estás grávida, não é verdade?
Nanda começou a chorar. As lágrimas deslizavam em silêncio pelo seu rosto. Não conseguia responder. A mãe continuou.
- Pelo teu silêncio já percebi que não estou errada. Pois muito bem, agora vais me dizer quem é o pai desse desgraçado que trazes no ventre.
Nessa altura Nanda conseguiu forças para dizer, em tom magoado:
- Não é nenhum desgraçado, é um bebé que está para nascer!
A mãe pareceu acalmar-se ligeiramente, mas continuou com tom muito duro:
- Pois que seja! Agora quero saber quem é o pai.
Nanda continuou a chorar em silêncio. Não conseguia articular uma palavra.
Mas a Dona Lucinda não lhe deu tréguas.
- Não penses que me comoves com essas lágrimas. E, para que saibas, essas são apenas o começo de muitas que ainda hás-de chorar. Queres ou não queres dizer-me quem é o pai dessa criança?
Novo silêncio e mais lágrimas no rosto de Nanda.
- Tu não queres dizer, mas eu posso bem adivinhar de quem se trata.
Ao ouvir estas palavras Nanda sentiu-se gelar, mas continuou silenciosa. “A mãe estaria a pensar no Alessandro?”
- Essas noitadas ao portão foi no que deram! E eu que confiava tanto naquele rapaz! Para mim era como se fosse teu irmão. E vê o resultado que deu a confiança que eu tinha nele! Ah! Mas ele vai ouvir-me das boas, não perde pela demora…
Interiormente, Nanda estava boquiaberta. Não era possível! A mãe estava a pensar no Tó Zé? Não sabia se se sentia aliviada se indignada. Tinha de falar urgentemente com o seu amigo, avisá-lo do que se estava a passar.
Fingindo uma nova náusea, levantou-se, ainda chorosa, e fez sinal de que precisava ir à casa de banho.
- Vai, vai, e escusas de voltar que a nossa conversa, por agora, está terminada. Mas isto não fica assim – disse, com voz gelada.
Quando regressou a mãe já tinha saído da sala. Nanda dirigiu-se ao seu quarto e ligou de imediato para o Tó Zé, que estava a trabalhar. Sem lhe dizer do que se tratava avisou-o que tinha muita urgência em falar com ele, mas só pessoalmente. Ele estava cheio de trabalho e não poderia vê-la a não ser à noite. “A não ser que queiras vir ter comigo e falamos por uns momentos”. Mas Nanda preferiu esperar pela noite.
Quando se encontraram depois de jantar Nanda abraçou-o com força e começou a soluçar. Tó Zé não sabia como reagir. Limitou-se a retribuir o forte abraço e a falar-lhe em tom suave, quase como se a embalasse.
- Então, então, mas o que é que se passa? Porquê esse choro assim tão descontrolado? Acalma-te, por favor, estás-me a pôr louco. Vá lá, tem calma e conta-me o que aconteceu. Eu quero ajudar-te, mas assim não posso…
Enquanto falava ia-lhe acariciando o rosto e enxugando-lhe as lágrimas que pareciam não ter fim. Aos poucos os soluços foram rareando, e Nanda conseguiu falar:
- Tu não vais acreditar no que aconteceu. A minha mãe descobriu tudo.
- Tudo, o quê?
- A gravidez, que mais querias que fosse?
- Olha, por um lado ainda bem que isso aconteceu. Afinal, tu não podias esconder para sempre… Eu acho que estar a guardar segredo não tinha grande sentido…
Continuava a abraçá-la, alisando-lhe os longos cabelos, na tentativa de que ela não voltasse a chorar. Nanda retomou a palavra, agora mais calma:
- Pois, só que tu não sabes quem é que ela pensa que é o pai do bebé.
- Então, não é o Alessandro? – perguntou Tó Zé.
- Não, muito longe disso. Ela pensa que és tu.
- Eu? – não podia haver maior espanto no rosto e na voz dele. Mas a que propósito é que ela pensou isso?
- Acha que aproveitámos – e pelos vistos muito bem - as noites que passámos aqui ao portão.
- Santo Deus! Não podia imaginar que ela fosse pensar tal coisa… Então e agora?
- Agora prepara-te porque ela prometeu dar-te um belo sermão…
- Isso não me preocupa nada. Nanda, sabes como gosto de ti, e chegou o momento de te dizer, com o coração nas mãos, que sempre fui apaixonado por ti. Perante esta situação, se te sentires mais confortável podemos fazer crer à tua mãe que ela está certa, que eu sou o pai do bebé, e, inclusivamente, que podemos casar, se ela assim o desejar, e se tu quiseres, claro. Talvez isso a acalme…
Foi a vez de Nanda ficar muda de espanto. Tinha por Tó Zé uma grande amizade, considerava-o o seu melhor amigo, e confiava nele cegamente. Mas daí a pensar que ele iria ter esta atitude… ia uma grande distância.
Encostou a cabeça no ombro dele e de novo as lágrimas assomaram aos seus olhos. Ele, limpando-lhe suavemente  o rosto, estranhou:
- Então fiz-te chorar? A minha intenção não era essa…
-Estas lágrimas não são de tristeza, são de comoção. Nunca pensei que fosses capaz de uma atitude tão nobre. Mas… não sei se devo aceitar. Tu estás a tomar essa atitude debaixo de uma grande tensão. Vamos fazer o seguinte – tu vais pensar bem no assunto, auscultas a tua família, e depois decides. Para todo o efeito eu não confirmei à minha mãe que és tu o pai do bebé…
- Não confirmaste mas também não desmentiste, não é verdade? Para além disso… sabes que a opinião da minha família não é importante. Tenho 19 anos mas sou de maior idade, como sabes, e há muito tempo que me oriento sozinho. O que me interessa verdadeiramente é o que tu sentes e pensas do assunto. Portanto… tu é que deves pensar… e confirmar, ou não, junto da tua mãe. Eu aceito o que tu decidires.
Despediram-se com o beijo habitual.
Nanda foi para dentro e, na sala, encontrou o pai sentado junto à mãe, nitidamente à sua espera.

Maria Caiano Azevedo