SEGREDOS –
CAPÍTULO XVIII
SEGREDOS – CAPÍTULO XVII
“…
Nanda sentiu um aperto no coração. Num flash muito rápido viu-se, com os seus
filhos recém-nascidos no colo, e o ex-marido junto dela, acarinhando-os.
Com um imperceptível encolher de ombros afastou-se lentamente e
não pronunciou uma palavra. Não o conseguiria fazer sem denunciar a sua
emoção…”
SEGREDOS –
CAPÍTULO XVIII
Encaminharam-se
todos para o apartamento que Tó Zé tinha preparado.
Foi notório o
espanto e admiração do casal. Luís mal conseguia falar, com tanto contentamento.
Por fim, recomposto, voltando-se para o pai, disse, com voz perturbada:
- Pai, eu não
imaginava que conseguisses fazer este palácio! Não tenho palavras para te
agradecer, e o mesmo se passa com a Catarina, tenho a certeza. Não é, amor? – acrescentou
voltando-se para a mulher.
- Eu também
estou como tu. O meu sogro merece todo o nosso reconhecimento. Acho que nunca
vivi numa casa tão linda… - Catarina estava deveras
emocionada.
Nanda resolveu
intervir, tentando desanuviar o clima tenso que ela própria sentia.
- Pois, os
louros são todos para o pai… Mas ninguém agradece à mãe o trabalhão que teve
com a decoração…
Catarina
abraçou-a carinhosamente, com o cuidado necessário para não apertar o bebé, que
continuava no colo da avó.
- Vocês, meus
sogros, são as pessoas mais maravilhosas que já conheci.
Nunca poderemos
agradecer tudo o que estão fazendo por nós.
O ambiente
estava a tornar-se pesado. Nanda resolveu mudar de assunto. Dirigiu-se à
mesinha da pequena sala, onde depositara umas caixas com bolos e sandes, e
pediu ao Tó Zé que trouxesse os refrigerantes do frigorífico. Sentou-se,
aconselhando todos a fazerem o mesmo.
- Ora então
vamos lá saber. Já registaram este menino?
- Ainda não.
Como temos trinta dias para o fazer… preferimos esperar e registá-lo cá – respondeu
Luís.
- Boa ideia!
E qual vai ser o nome do meu neto? – perguntou Nanda.
- TEU neto?
Então ele não é também meu? – interveio Tó Zé, que até aí se
mostrara pouco falador, mas apenas porque não queria denunciar a emoção que lhe
causava ver a família reunida.
- Claro que
sim! – apressou-se Nanda a responder. Desculpa, não tive qualquer
intenção de te pôr de fora… Mas, voltando ao nome, já pensaram como se vai
chamar o nosso principezinho?
- Sim, já pensámos
e vamos chamar-lhe Fernando António.
- Fernando António?
Como se lembraram de tal nome – Nanda e Tó Zé perguntaram quase
ao mesmo tempo.
- Então não
estão a ver? É uma homenagem aos avós paternos: Fernando, da avó – não podia
ser Fernanda – e António do avô – esclareceu Luís.
- Ah! Estou tão
habituada a ser tratada por Nanda que nem me lembro que o meu verdadeiro nome é
Fernanda. Quanto ao teu pai… sempre foi e continua a ser Tó Zé – respondeu
Nanda, com um sorriso. Nem me lembro que o primeiro nome dele é António. Mas
gosto do nome que vocês escolheram! Que achas, Tó Zé?
- Eu acho
bonito, e pode-se arranjar um diminutivo engraçado…
- Como, por
exemplo… incitou-o Nanda.
- Nani – a
primeira sílaba de Nanda e a última de António.
- Já sabia que
tens uma imaginação muito fértil – riu Nanda. Mas até que não
está nada mal… Gosto, sim senhor.
- Então não se mexe
mais – riu, por sua vez, Tó Zé.
Todos comeram e
beberam, pois o almoço tinha sido há bastantes horas. Nanda achou que era tempo
de o filho e a nora ficarem a sós.
- Vou vos
deixar descansar. Como já não é nada cedo, falamos amanhã. Tratem de pôr o
vosso ninho ao vosso gosto, e amanhã combinamos alguma coisa.
Tó Zé aproveitou
para também sair, acompanhando-a até à porta. À despedida, comentou:
- Acabei de
viver os momentos mais felizes dos últimos tempos. Espero que os nossos filhos
se sintam bem na sua nova casa.
Deu um beijo na
testa de Nanda, e, ainda emocionado, murmurou:
- Até breve,
minha querida.
Nanda
afastou-se, com o coração aos saltos. Tudo o que acabara de vivenciar
trouxera-lhe à lembrança tempos passados, em que Tó Zé tivera um papel muito
importante…
***
“… - Não brinques, que o caso é muito sério – repreendeu-o Nanda.
- Desculpa, não penses que não te levo a sério. Vá lá, podes
falar que te ouvirei com toda a atenção – agora ele adoptara um tom
contrito…”
- Desconfio que estou grávida – atirou ela, de chofre.
Tó
Zé ficou mudo. Não sabia o que responder. Com os seus 19 anos não tinha ainda a
experiência necessária para saber como reagir numa situação assim tão grave.
Mantiveram
o silêncio por largos minutos até, que, finalmente, ele perguntou:
- O pai é o Alessandro?
- Quem querias tu que fosse? – respondeu Nanda, num tom
meio ofendido.
- Desculpa. Claro que só podia ser ele. Tu nunca tiveste outro namorado.
Mas… ainda não tens a certeza?
- A certeza, certeza, não tenho, mas é quase como se tivesse.
- O melhor é tu ires ao médico. Se quiseres posso falar com a
minha irmã para marcar uma consulta para o ginecologista dela. Digo-lhe que é
para uma amiga minha, sem dizer o teu nome. Isto, é claro, partindo do
princípio de que não queres pedir isso à tua mãe…
- Nem pensar em dizer à minha mãe! Mal consigo imaginar a
reacção dela quando tiver mesmo de lhe contar…
- Então fica combinado. Chegando a casa já falo com a minha
irmã. Mas, por favor, acalma-te. Não podes estar nesse estado de ansiedade. Só
te faz mal, e além disso, a tua mãe pode desconfiar. E até, quem sabe? Pode ser
que estejas enganada – Tó Zé tentava confortar a amiga, por quem tinha verdadeira
adoração.
- Era bom que tivesses razão, mas, infelizmente, não acredito.
Despediram-se
com um abraço mais apertado do que habitualmente. Ele seguiu a caminho de casa
num estado de grande preocupação.
Tó
Zé vivia eternamente apaixonado por Nanda. Ainda na escola primária, onde se
tinham conhecido, já ele se declarava namorado da Nanda. Andava sempre perto
dela, defendia-a quando os outros miúdos queriam pregar alguma partida, e
sentia-se frustrado todas as vezes que Bela se lhes vinha juntar. Também era amigo
de Bela, mas preferia vê-la longe deles, apesar de andarem muitas vezes os três
juntos.
Depois
da escola primária separaram-se, já que Tó Zé não seguiu o liceu, preferindo o
curso industrial. Contudo, ele e Nanda continuaram a encontrar-se frequentemente,
pois moravam relativamente perto um do outro. Viam-se quase todos os dias. Bela
morava um pouco mais afastada por isso convivia menos com ele.
A
paixão de Tó Zé não esmoreceu quando apareceu Alessandro. Continuou a amá-la em
silêncio, não tendo, nunca, a coragem de lhe confessar os seus
sentimentos. Contudo, no fundo,
acalentava a esperança de que ela acabasse por se cansar do italiano.
Agora,
com a hipótese de gravidez e a ausência do namorado, renascia em Tó Zé a
esperança de que Nanda viesse a ser sua. Sentia-se mal, ao pensar nisso,
achava-se egoísta e indigno, mas não conseguia evitar tais pensamentos.
A
ida ao médico veio confirmar as suspeitas – Nanda estava grávida!
Entrou
num estado de grande aflição. Não saía de casa, excepto à noite para se
encontrar com Tó Zé. Comia pouquíssimo, com grande esforço.
Fechava-se
no quarto, a dormir – sentia-se sempre com sono – esforçando-se por esconder da
mãe as náuseas que por vezes a acometiam , mas que, por sorte, eram pouco frequentes.
Nem
sequer podia desabafar com a sua melhor amiga, a Bela, que andava com a mãe não
se sabia bem por onde.
O
único conforto que recebia era do seu amigo Tó Zé, que a rodeava do maior
carinho, consolando-a o melhor que podia.
Um
dia ele perguntou-lhe:
- Já disseste alguma coisa ao Alessandro?
- Não, nem lhe vou dizer por carta. Se ele conseguir vir cá,
como me tem prometido, nessa altura conto-lhe.
- Mas imagina que o trabalho não lhe permite vir tão depressa… Vais-lhe
dar a novidade só depois de o bebé nascer?
- Não me fales nisso! Não quero pensar nesse assunto. Tenho
muitas preocupações e problemas bem mais urgentes para resolver e nem sei que
volta lhes dar…
E
lágrimas começaram a rolar-lhe pela face. Tó Zé não insistiu mais no assunto.
Abraçou-a carinhosamente, tentando confortá-la, dizendo que tudo se haveria de
resolver
As férias de Verão estavam a acabar, as aulas
na Faculdade quase a começar, e Nanda sentia-se apavorada.
Um dia, inesperadamente, Dona Lucinda perguntou:
- Nanda, o que se passa contigo?
Tenho vindo a reparar que, nos últimos dias mal tocas no pequeno almoço. E já
te ouvi vomitar algumas vezes…
- Não se passa nada, Mãe – apressou-se
ela a responder. Há uns dias fui com o Tó Zé comer uma pizza que não me caiu
nada bem… E ainda não me recompus completamente, por isso às vezes tenho
náuseas.
- Essa mania que vocês têm de comer
porcarias, e ainda por cima à noite! Se calhar era melhor ires ao médico…
- Não é preciso, Mãe. É só eu fazer
um pouco de dieta, e fico boa.
- Bem, vamos ver. Mas olha que com a
saúde não se brinca…
***
No dia seguinte Nanda levantou-se com um certo esforço.
Apetecia-lhe continuar na cama, mas não podia fazer a vontade ao corpo.
Tinha de ir levar o Tejo à rua e depois arranjar-se para ir à Ourivesaria. Não
tinha combinado nenhuma hora com o engenheiro, mas não queria que ele pensasse
que ela era uma irresponsável. Afinal… Araújo dera a entender que o contrato de
trabalho começaria a funcionar a partir do momento em que o haviam assinado, o
que a levava a pensar que ele lhe pagaria desde essa data.
Assim sendo, e embora pouco houvesse a fazer na loja
enquanto esta não fosse inaugurada, ela achava de bom tom aparecer lá cedo.
Fazendo das tripas coração… levantou-se, pôs um fato
de treino e, com a trela do Tejo na mão, saiu.
- Ai, Tejo, Tejo, tu consegues imaginar o amor que
sinto por ti? Só mesmo um amor muito grande me faria vir para o parque a estas
horas da manhã…
Ao ouvir o seu nome o animal levantou a cabeça olhando
para ela e, como se percebesse as suas palavras, abanou a cabeça como que em
sinal de concordância.
Maria Caiano Azevedo