SEGREDOS – CAPÍTULO XIV
SEGREDOS – CAPÍTULO XIII
“…Um dia, inesperadamente, já que, durante o dia,
Alessandro não telefonava, Nanda olha para o visor do telemóvel que começara a
tocar e vê, algo apreensiva, que quem lhe estava ligando era o seu namorado…”
SEGREDOS –
CAPÍTULO XIV
Falando apressadamente Alessandro pediu-lhe que
fosse ter com ele à porta da Faculdade de Ciências, onde ele trabalhava, pois
precisava falar com ela urgentemente.
Nanda, com o coração apertado, dirigiu-se o mais
depressa que pôde para o local indicado. Ele já a esperava, e mal a viu
apertou-a com uma força inabitual.
- Amore mio, tenho uma notícia muito triste para te
dar… - pronunciou
estas palavras em voz entrecortada, mantendo-a apertada nos braços.
Nanda afastou-o suavemente e com voz trémula
perguntou:
- O que se passa? Estás a deixar-me nervosa.
- Amore, ligaram-me de Milão. Tenho de lá ir
imediatamente. Não percebi muito bem… mas parece que acabaram de fazer uma
descoberta relacionada com a minha investigação aqui… e precisam que eu vá ver
e colaborar na continuação dos trabalhos.
- E sabes, ao menos, por quanto tempo vais lá estar?
– Nanda
gaguejou a pergunta.
- Também não sei, amore mio, mas quando lá chegar e
souber, informo-te imediatamente – havia lágrimas escondidas na voz de Alessandro.
Nanda encostou-se de novo ao corpo do namorado e
deixou as lágrimas correrem-lhe pela face. Não conseguia pronunciar uma
palavra. Estava em choque. Como poderia continuar a viver sem as tardes que
passavam juntos, quer no Ap. quer passeando à beira rio? Rapidamente pensou na hipótese de ir com ele. Mas
imediatamente pôs a ideia de parte. As
aulas tinham começado há duas semanas, não podia ausentar-se agora. Se ainda
estivesse de férias… arranjaria uma mentirinha qualquer para dizer aos pais…
Alessandro interrompeu-lhe os pensamentos:
- Amore mio, o que vais fazer agora?
- Ainda tenho uma aula hoje…
- E tens mesmo de ir? Não queres ajudar-me a fazer a
mala? O avião é amanhã de manhã, e já arrumei tudo no trabalho…
Nanda não hesitou um segundo:
- É claro que te vou ajudar! As aulas estão no
início, praticamente não damos matéria. Vou contigo, sim. E depois, se
quiseres, podemos ir jantar a qualquer lado – insinuou.
- É uma ideia excelente! É o nosso jantar de
despedida –
acrescentou ele, com voz triste.
- Deixa-me só avisar a minha Mãe de que vou chegar mais
tarde.
Nanda ligou à mãe e, para além de lhe dizer que não
chegaria a horas do jantar porque ia para casa duma colega passar a limpo
apontamentos das aulas, ainda acrescentou que, se acabassem muito tarde,
dormiria lá. A mãe não se opôs minimamente.
Depois do telefonema puseram-se a caminho do
apartamento de Alessandro…
***
O dia ia declinando e aproximando-se da noite. A
casa estava limpa. Havia que tratar do Tejo. Pôs-lhe a coleira e saiu para o habitual
passeio daquela hora, o último do dia.
- Aproveita para fazer o chichi todo, que só amanhã
voltas à rua –
disse, dirigindo-se ao cachorro. Ele pareceu entender as palavras da dona e alçou
a perna mais uma vez.
Ao regressar encontrou no hall de entrada a amiga
Amélia, a vizinha do 1º. andar esquerdo, que tinha acabado de levar à rua a sua
cadelinha Diana, a namorada do Tejo. Estava à conversa com Carla, que fora
buscar os gémeos ao infantário. Nanda juntou-se-lhes para dois dedos de conversa,
enquanto Diana e Tejo aproveitavam para matar saudades, lambendo-se mutuamente.
- Estava aqui a dizer à doutora Carla que o meu
vizinho de cima, o António, está cada vez pior – comentou Amélia.
- Ai, ai, ai que me vou zangar, Amélia – atalhou Carla. Quantas
vezes tenho de lhe dizer que não quero que me trate por doutora? Somos ou não
somos vizinhas e, espero que também amigas…? E, para além disso, eu agora nem
estou a exercer, sou uma simples dona de casa e mãe de dois gémeos –
acrescentou com um sorriso.
- Não leve a mal, doutô… desculpe, Carla! É falta de
hábito… por a termos cá há pouco tempo… Voltando-se para Nanda, acrescentou:
- Mas é como estava dizendo à… Carla – sorriu. O António está
cada vez mais insuportável. Parece que está à espreita a ver quando eu chego
para me vir atezanar a cabeça.
Nanda deu uma gargalhada.
- Ó Amélia, será que não consegue perceber o que se
passa? Estou farta de lhe dizer! Aquilo é amor recolhido! – e continuava a rir.
Carla olhava para ambas com um meio sorriso, sem
entender o que motivava tal galhofa.
Nanda tentou esclarecê-la:
- O vizinho do 2º. Direito, o António, tem uma
paixão assolapada pela Amélia, mas como ela não lhe dá trela… passa a vida a
chamar-lhe a atenção.
- Qual paixão qual quê? – respondeu Amélia. Se
isso fosse verdade eu até nem me importava, porque jeitoso é ele – e deu
uma gargalhada.
Mas não, Nanda, não é nada disso. É mesmo um velho
rezingão, é o que ele é.
- Mas afinal o que é que ele faz, para a deixar assim
irritada? –
perguntou Carla.
- Faz-me a vida num inferno, se quer saber. Sempre a
refilar contra o barulho que eu faço em casa. Onde é que se viu no andar de
cima ouvir-se o barulho do andar de baixo? O contrário é que é verdade… Por
exemplo, a Nanda, que mora por baixo de mim é que podia queixar-se…
- Podia – respondeu Nanda – mas não tenho razão para
isso. O pouco rumor que ouço não me incomoda nada. Afinal… na sua casa não
funciona nenhuma escola… Tem quantas alunas? Duas…três…? Que barulho é que podem
fazer tão poucas pessoas? Na verdade não me incomodam nada.
- Ah! A Adélia tem alunas? -perguntou Carla. E dá
aulas em casa? Então somos colegas… Não fazia ideia…
Amélia olhou para Nanda como que a pedir socorro, e
respondeu, meio constrangida:
- Bem, não é exactamente a mesma coisa. A Carla é
professora de alemão… eu ensino dança no varão…
- Ah! Mas que interessante – atalhou Carla - Não
fazia a mínima ideia… Desculpe, Amélia, mas tem que me deixar assistir. E… se
não se importar… eu até gostava de experimentar, e se vir que tenho jeito… até
me faço sua aluna. Se concordar, é claro!
Quase se pôde ouvir um suspiro de alívio de Amélia
ao ver a reacção de Carla. Sentia-se pouco à vontade sempre que se falava na
dança do varão, pois receava que as pessoas a julgassem erradamente.
Aprendera a dançar no varão num período da sua vida
em que atravessou grandes dificuldades económicas e teve que suplementar o
mísero ordenado que ganhava como caixa numa loja, com o trabalho num bar, frequentado
pela “alta finança” – o que lhe valia gordas gratificações, normalmente
acompanhadas de convites para “um particular”.
Amélia aceitava as gorjetas, agradecia, e declinava
os convites. Limitava-se a fazer o seu número de dança e ia-se embora.
O gerente, seu amigo, persuadia os clientes a não
insistirem. “Afinal, ela não era a única dançarina lá no bar. Embora fosse a
melhor, as outras também eram bastante boas…" E assim convencia os clientes.
Logo que arranjou emprego como recepcionista num
consultório médico, largou o bar. Conseguia conciliar o novo trabalho com o de
caixa na loja, e assim a sua situação económica melhorou substancialmente.
Perante a reacção de Carla ao saber da sua ocupação
ficou radiante e de imediato respondeu que teria nisso o maior prazer.
- Quando a Carla quiser… é só dizer. De momento
tenho só duas alunas. Costumo ter três, mas uma, estudante, foi fazer um
estágio ao estrangeiro e só regressa daqui por alguns meses.
- Fica combinado. Vou falar com o meu marido. Tenho
a certeza que ele não se vai opor, mas preciso que esteja cedo em casa para
ficar com os gémeos enquanto eu for à escola de dança – disse, sorrindo
alegremente.
Nanda resolveu espicaçar Amélia:
- Parece-me que toda essa conversa acerca da
dança foi só pretexto para desviar o assunto dos amores de António e Amélia
– riram todas.
- Ai, Nanda, que se o amor é isto o que não será o
ódio –
respondeu Amélia, aderindo à brincadeira.
- Minha amiga, não se esqueça que o amor e o ódio
andam muito perto um do outro, de tal modo que, às vezes, até se confundem…
Carla interveio:
- Vocês não imaginam a curiosidade que me
despertaram. Eu preciso conhecer esse apaixonado da Amélia!
- A Carla já o deve ter visto – respondeu Nanda. É
um homem muito bem parecido, gentil e simpático. Menos para a Amélia – acrescentou, em tom de
brincadeira.
- É mesmo isso! Muito boa figura, alto, e, apesar
dos seus 60 anos, (é mais ou menos essa a idade que ele aparenta) não se lhe
nota uma gordurinha fora do sítio – respondeu Amélia, em tom sério. E,
segundo consta, até tem uma boa situação financeira. Só é pena aquele feitio
azedo… Mas eu sei que é só comigo, porque já o tenho observado sem ele ver, e é
todo salamaleques com as outras pessoas…
- Acredite no que lhe digo, Amélia. Aquela é a forma
que ele arranjou para disfarçar o amor que sente por si. Eu bem vejo a maneira
como ele olha para si nas reuniões de condóminos, quando pensa que ninguém o
está a observar – respondeu
Nanda, em tom sério.
- Não brinque comigo! Se isso fosse verdade – e olhe
que eu até nem desgostava da ideia – para que é que ele anda sempre a embirrar
comigo?
- É como eu lhe disse, o homem é tímido, tem receio
de mostrar os seus sentimentos e não ser correspondido…
- Ai é? Querem ver que eu tenho de lhe tirar a
timidez? – riu Amélia.
- Parece-me que é o melhor que tem a fazer! Quanto a
si, Carla, na próxima reunião de condóminos apresento-lho. É um homem muito educado.
E agora, minhas queridas amigas, vou entrar e tentar
descansar porque amanhã é um dia grande para mim – rematou, com um ar feliz.
- Dia grande? - perguntaram Amélia e Carla, quase em uníssono.
E pode-se saber porquê?
- Claro que sim. Amanhã vou ter a última entrevista
com o engenheiro Carvalho Araújo, meu futuro patrão. Por isso vou fazer o meu
sono de beleza, e depois arrumar uma roupa bem bonita, para me apresentar toda
charmosa – respondeu,
tentando disfarçar o nervosismo que, na realidade, sentia. Sabia que aquele
emprego era muito importante para a sua vida, e precisava dar tudo por tudo
para conseguir chegar a acordo com o engenheiro.
- Sono de beleza? Roupa bonita? – Amélia
falava num tom duvidoso. Como se fosse preciso… Linda e elegante como a
Nanda é, não precisa desses sonos… e qualquer trapinho lhe fica bem.
- Concordo com a Amélia – acrescentou Carla.
- Vocês são muito simpáticas, agradeço muito, mas
prefiro tomar as minhas providências. Vamos, Tejo!
Nanda abriu a porta da sua casa e despediu-se com um
“até amanhã”.