A
mim e ao meu irmão mais novo cabia a tarefa de colher musgo para o presépio, o
que começávamos a fazer duas semanas antes da noite de Natal.
Munidos
de um pequeno cesto e uma faca velha, rombuda, lá íamos nós, quais pequenos
exploradores – eu com seis ou sete anos, o meu irmão dois anos mais novo – à
procura do musgo.
Quando
encontrávamos alguma pedra com o precioso fungo, eu enfiava a faca, cuidadosamente,
por debaixo da planta, e, com as suas pequenas mãozinhas, o meu irmão amparava
aquele delicado tapete verde, de pequena espessura, que, com o maior cuidado,
colocávamos dentro do cesto.
Quando
já tínhamos a quantidade suficiente para as nossas poucas forças, voltávamos
para casa.
Aí
o musgo era colocado sobre folhas de jornais velhos; todas as noites, sob a
supervisão da Mãe, borrifávamos as quantidades já recolhidas molhando as pontas
dos dedos, e lançando para o ar gotículas de água que iam manter fresco e
viçoso aquele tapete de veludo verde, até ao dia em que seria armado o
presépio.
Finalmente
chegava o dia da grande empreitada!
Todos
colaboravam nesta tarefa: os cinco irmãos,
e o Pai, cada um cumprindo o que lhe competia fazer; a Mãe… dando conselhos e opiniões.
O
Pai trazia para o local onde iria ficar montado o presépio uma armação em
madeira, que ele próprio fizera e guardava de uns anos para os outros.
Começava
a tarefa de cobrir aqueles espaços, em degraus irregulares formando socalcos,
com o tapete de musgo que, de onde em onde, salpicávamos com pequenas pedras
que tínhamos trazido do pinhal. Com areia que o Pai sempre trazia da praia, na
época balnear, fazíamos pequenos caminhos, que se destacavam pela brancura no
meio do verde tapete de musgo.
A
nossa tarefa, minha e do meu irmão, terminava aqui. Cabia agora aos mais velhos
comporem o resto.
Ao
fundo, na parte mais elevada, eles faziam, com pequenas pedras, uma espécie de
abrigo, onde colocavam as figuras principais do presépio – o Menino Jesus, A
Virgem Maria, São José, e, por último, a vaquinha e o burrinho. Na pedra mais
alta era colocada uma brilhante estrela de cartão recoberta de papel dourado.
As
restantes figuras eram espalhadas mais ou menos a esmo – aqui uma ovelhinha
branca de neve, ali um pastor, mais além um pato… Até cães e gatos por lá
apareciam.
Mais
ou menos a meio de um dos caminhitos eram colocados os três Reis Magos, com as
suas oferendas para o Menino Deus.
Todos
os anos, na feira de Verão, eram compradas duas ou três figuras que se iam
juntar às já existentes.
Nesse
dia, depois do presépio armado, o Pai ia ao pinhal cortar um pequeno pinheiro
dos muitos que nasciam por lá, devido aos pinhões que caíam ao chão.
Colocava-o
num vaso grande, com terra. O lugar do pinheiro era sempre ao fundo do
presépio.
Era
enfeitado com pequeninas velas colocadas numa espécie de minúsculos castiçais terminando
em pinças, que se prendiam aos ramos do pinheiro. Só se acendiam na noite de
Natal.
Depois
de tudo isto feito surgia outro “momento alto” da época do Natal. Era como que
um ritual.
O
Pai, acompanhado dos cinco filhos, dirigia-se ao pinhal, e aí todos procuravam
um tronco bem grosso – havia sempre muitos, resultantes dos pinheiros que se
cortavam para fazer lenha e carvão. Todos opinavam:
-
“Levamos este, papá”; “não, esse é muito fininho…”; olhe para este, papá, é
muito grosso!” – até que finalmente um tronco era escolhido e o Pai carregava-o
para casa, e colocava-o no canto da lareira.
Este
tronco era aceso na noite de Natal e conservava-se a arder lentamente até ao
último dia do ano. Chamava-se “Tição de Natal”.
(Depois
de apagado guardava-se para se acender quando havia trovoada. Este ritual
destinava-se a afastar as grandes trovoadas que podiam causar malefícios às
pessoas e animais).
Em
breve a casa começava a estar saturada do “cheirinho” dos doces que a Mãe ia
preparando para a ceia de Natal.
Começava
pelos “Bolinhos de Jerimu” que, de acordo com a receita e para grande desgosto
nosso, deviam ser feitos e guardados por uma semana para ficarem ainda mais
apetitosos.
Claro
que para nós, os filhos, seriam deliciosos se os comêssemos logo que eram
feitos, mas a Mãe mantinha-se irredutível: esperem pela noite de Natal!
(para
quem não sabe… jerimu é uma “abóbora menina”, e os bolinhos de jerimu – ou
jerimum, no dizer popular - são típicos da região norte de Portugal)
Nessa
noite a mesa cobria-se com o tradicional “Bacalhau da Consoada” com todas
aquelas coisas a que as crianças não ligavam a mínima importância, ansiando
pela chegada dos doces.
E
apareciam então as travessas das “filhós”, das “rabanadas”, da “aletria” e,
claro, dos “bolinhos de jerimu”.
Finda
a refeição eram colocados na chaminé 5 sapatos, um de cada filho, para que o
Menino Jesus viesse ali colocar uma prenda - na altura não havia, ainda, Pai
Natal: as prendas eram trazidas pelo Menino Jesus.
No
dia seguinte a casa enchia-se com os nossos gritos de alegria ao vermos as
prendas que o “Menino Jesus”, sorrateiramente, depositara nos nossos sapatos.
Éramos
todos tão felizes!
(Natal medieval)
Imagem da Net
FELIZ NATAL A TODOS!