SEGREDOS –
CAPÍTULO XVI
SEGREDOS –
CAPÍTULO XV
“… O Verão estava a chegar ao fim, por isso não era de estranhar
que as manhãs fossem frescas – pensava ela enquanto caminhava, tentando afastar
aquela má impressão que lhe causara o arrepio à saída de casa.
“Será
que alguma coisa vai acontecer neste encontro”? … “
SEGREDOS –
CAPÍTULO XVI
Ao entrar no Café Estrela Nanda verificou que o
Araújo já lá estava. Isso não lhe agradou, pois poderia ser interpretado por
ele como “falta de pontualidade” embora faltassem uns minutos para a hora
marcada. Aliás, não tinham combinado uma hora certa, apenas tinham falado em “por
volta das dez”, e ainda não eram dez horas.
De qualquer modo, ela voltou a sentir um ligeiro
arrepio, sugestionada que estava pelo sonho estranho e o desconforto que
sentira ao sair de casa.
Compôs o sorriso que conseguiu arranjar ao dirigir-se
ao engenheiro:
- Ah! Já cá está! É imperdoável eu chegar depois de
si, morando aqui tão perto…
- Não se penitencie, que não há motivo para isso – respondeu ele, com um largo sorriso. O que
aconteceu é que, já que tinha que me levantar cedo – voltou a sorrir -
aproveitei para fazer o meu footing, como pode comprovar pelo meu traje…
De facto Araújo estava em fato de treino e não com o
habitual “fato e gravata” como Nanda sempre o vira, destoando completamente do
elegante tailleur que ela vestia. Começava a arrepender-se de se ter esmerado
tanto na aparência. Contudo, Araújo pô-la à vontade:
- Se você não se importasse eu levava-a já para o
Centro Comercial e deixava-a na Ourivesaria. E enquanto lia o contrato que
redigi, eu dava um saltinho a minha casa, que é muito perto, tomava um duche
rápido e depois ia ter consigo. Só não o fiz ainda, e preferi passar já por
aqui primeiro, apenas para que você não chegasse cá e ficasse à minha espera.
Como vê… o atrasado sou eu – acrescentou
com um sorriso.
Nanda começava a sentir-se mais descontraída. E
pensava: “Eu e os meus pessimismos!” “Vai correr tudo bem”.
Concordando com a proposta do Araújo ambos se
dirigiram ao carro e encaminharam-se para o Centro. Araújo acompanhou-a até à
Ourivesaria, abriu a porta e, entrando no escritório, pegou num pequeno molho
de chaves que estavam sobre a secretária e entregou-lhas, dizendo:
- Já mandei fazer chaves para si, o que significa que
não aceitarei um “não” à proposta que em breve lhe vou apresentar. Deixe-me só
ir pôr-me eu apresentável –
disse com um largo sorriso. E afastou-se.
A maioria das lojas começava a abrir as portas; Nanda
não se sentiu sozinha.
Seguindo a sugestão de Araújo começou a ler o
contrato que ele redigira. Eram três folhas dactilografadas onde constavam os
direitos e deveres de ambas as partes, empregado e empregador, (estas duas
alíneas por preencher), estipulando um período experimental de seis meses. Durante
esse tempo qualquer das partes o poderia rescindir, de comum acordo, sem
qualquer direito a indemnizações.
Pela parte que concerne às obrigações do empregado
Nanda verifica que lhe é atribuída uma grande responsabilidade. Para além de
ter de tratar de toda a contabilidade é ainda responsável pelas duas empregadas
que serão atendentes de balcão. Irá orientá-las em todos os aspectos: na forma
de atender os clientes, organizando-lhes os horários – já que a loja estará
aberta desde as dez da manhã até às dez da noite – períodos de férias, etc.
Nanda começa a temer que lhe esteja a ser exigido
demasiado, até porque nunca exerceu funções deste género; sempre foi
responsável apenas por si mesma e pelo seu próprio desempenho.
Leu e releu tudo, para se inteirar bem do que lhe
estava a ser proposto.
Araújo
regressou, vestido de fato e gravata como habitualmente. Em tom de brincadeira,
comentou:
- Agora já
posso estar ao pé de si sem me envergonhar!
Nanda
correspondeu ao sorriso, entrando no tom alegre:
- Foi rápido a
fazer a toalete. Olhe que eu demoro mais tempo…
- Claro! As
senhoras demoram tempos infindos para se arranjarem! Se vão a uma festa, então,
começam a preparar-se de véspera… E mesmo assim chegam atrasadas! – riu Araújo.
- Ai que grande
mentira! Eu arrumo-me num ápice!
- Posso
imaginar – troçou ele. Bom, mas vamos deixar-nos de piropos
e passemos aos negócios. Leu todo o “testamento”?
- Sim, li tudo,
e confesso que fiquei um pouco apreensiva…
- E porquê?
- Porque parece
que está a exigir de mim uma grande responsabilidade… Eu posso responder pelo
meu trabalho. Tenho consciência de que sou uma boa profissional, e em todos os empregos
onde estive sempre recebi um bom “feedback” acerca do meu desempenho…
- E acha que eu
não sei disso? – ripostou Araújo, com um sorriso. Eu tinha as minhas
razões para insistir tanto consigo para que viesse trabalhar comigo…
- Calculo que
tenha tirado informações a meu respeito, nem outra coisa seria de esperar… Mas,
eu nunca estive a orientar o trabalho de ninguém, nem fui responsável pelo
cumprimento da parte de terceiros. E isso assusta-me um pouco…
- Não há
qualquer razão para sustos. Tenho a certeza de que você se vai sair muito bem.
No fundo, as suas funções aqui serão como governar a sua casa. Quero que se
sinta como se fosse a dona deste negócio. Até porque não tenciono passar cá
muito tempo. A princípio até posso vir todos os dias, para lhe dar um certo
apoio, ver se sente alguma dificuldade, se posso ajudar nalguma coisa. Mas… eu
disse-lhe, tenho negócios no estrangeiro que me obrigarão a estar ausente
muitas vezes. Para além do mais eu avisei-a de que “pago bem mas sou muito
exigente” … lembra-se?
- Sim,
lembro-me, claro.
- Pois então…
falta-nos falar exactamente desse ponto – a remuneração. Veja se concorda com
este número – e estendeu-lhe um papel com um valor escrito.
Nanda segurou
no papel, leu uma vez e outra, engoliu em seco, e quase não acreditava nos seus
olhos. Não conseguiu pronunciar uma palavra.
Araújo
olhava-a, esperando uma reacção, que tardava…
- Claro que
essa é a minha proposta… disse, com certa preocupação. Mas se você
entender pode apresentar uma contraproposta… Não vai ser por causa da sua
remuneração que não vamos fechar o nosso contracto.
- Não, não é
isso, eu fiquei um pouco surpresa, apenas – gaguejou Nanda.
Acho que você tinha razão quando disse que “a um bom pagamento corresponderia
uma boa prestação de serviços” – não foi por estas palavras mas era isto que
queria dizer…
-
Efectivamente, assim é. Considero uma remuneração justa para o muito que estou
a exigir de si, mas, como lhe disse, podemos considerar um acerto… - contrapôs
Araújo.
- Não, não me
parece necessário qualquer acerto, até porque temos um período experimental de
seis meses, não é isso? – respondeu Nanda, já mais recomposta.
- Exactamente.
Como você sabe, os períodos experimentais não costumam ser tão prolongados, mas
a minha ideia é esta: se o negócio correr bem, e estivermos satisfeitos um com
o outro, continuaremos, e você passará a efectiva; se correr mal… trespasso a Orvalho
de Prata, e cada um segue o seu rumo, sem direito a indemnizações, de parte a
parte…
- Parece-me
justo – respondeu Nanda.
- Vamos então
formalizar esta papelada. Preciso de uns dados seus, como nome completo,
morada, identificação…
- Com certeza.
Depois de tudo
em ordem despediram-se, concordando que inaugurariam a ourivesaria no próximo
sábado. Araújo ofereceu-se para levá-la a casa, mas ela recusou: “A distância
não era assim tão grande, e aproveitava para fazer o que ele fizera logo pela
manhã – o seu footing”. “Amanhã lá estaria, como combinado, para tratar dos
preparativos para a inauguração”.
À saída Nanda
sentia-se leve como uma pluma. Parecia que os seus pés nem tocavam o chão, era
como se estivesse a voar…
Afinal, depois
de tantos maus presságios – via, agora, que tudo não passara de imaginação sua
– o dia começara duma forma excepcional. Ainda lhe custava a creditar na
proposta de vencimento que Araújo lhe fizera. Estava a léguas de distância de
tudo que ela pudesse imaginar. “É certo que vou ter uma responsabilidade
enorme. O ouro não está, propriamente, ao preço da chuva, e numa ourivesaria,
grande como a Orvalho de Prata, movimentam-se milhões. Estou a prever passar
muitas noites sem dormir, com a preocupação… Mas vai valer a pena!”
Telefonou a
Bela para combinar almoçarem juntas e contar-lhe as últimas novidades.
Apetecia-lhe
cantar, mas lembrou-se que estava na rua e, sorrindo, entoou para si mesma a
sua canção preferida – a primeira que dançara com Alessandro, no bar da praia,
no seu 18º. Aniversário…
E,
irresistivelmente, o seu pensamento voou… Aquela última noite…
***
"… Depois do telefonema puseram-se a caminho do
apartamento de Alessandro…"
Aquela noite jamais se apagou da memória de Nanda.
Amaram-se até à exaustão, com um frenesim incontrolável. Ambos tinham a
sensação de que esta era a última vez em que estariam juntos, e por isso não
podiam perder um só segundo. Entre espasmos de prazer e lágrimas doloridas,
faziam juras de amor eterno.
Sentiam-se únicos à face da Terra. A vida parara no tempo. Todos os relógios do mundo tinham suspendido a sua contagem.
Os corpos fundiam-se, em comunhão total. Murmuravam palavras inflamadas, que lhes provocavam arrepios de prazer.
Sentiam-se únicos à face da Terra. A vida parara no tempo. Todos os relógios do mundo tinham suspendido a sua contagem.
Os corpos fundiam-se, em comunhão total. Murmuravam palavras inflamadas, que lhes provocavam arrepios de prazer.
Desejavam que a noite jamais acabasse, que
desaparecesse tudo em redor, que ficassem assim, abraçados, para toda a
eternidade, quais estátuas de sal, petrificadas.
Mas o tempo não parava, por mais que eles o
desejassem. Os alvores matinais encontraram-nos acordados, desesperados pelo
aproximar da separação que os aguardava.
Entre lágrimas e suspiros abraçavam-se uma e outra
vez, querendo fugir ao inevitável.
Mas a realidade acabou por mostrar-lhes que era
chegada a hora de Alessandro ir para o aeroporto. Nanda queria acompanhá-lo, mas
ele conseguiu dissuadi-la, preferindo que se despedissem ali mesmo, sem
testemunhas.
A custo, separaram-se. A pedido de Alessandro Nanda
saiu, como se fossem encontrar-se mais tarde, talvez para almoçar…
Foi a última vez que se viram. O contacto, por
carta, manteve-se por largos meses, mas mesmo esse elo acabou por se quebrar.
Nanda ficou com uma recordação para toda a vida.
Maria Caiano Azevedo