“… Imersa
nestes pensamentos Nanda nem se tinha apercebido de que chegara ao
supermercado. Só quando a voz do “segurança” disse, alegremente: Bom dia, dona
Nanda! – é que ela “desceu à terra” e apressou-se a ir fazer as compras.
Quando regressava, com um saco em cada mão, ouviu o
telefone tocar. Como era complicado, com os sacos das compras, atender,
deixou-o tocar, pensando: “Quando chegar a casa vejo quem ligou e retorno a
chamada” …”
SEGREDOS – CAPÍTULO XIII
Liberta dos sacos das compras Nanda olhou para o visor
do telemóvel verificando, com algum alvoroço, que fora Carvalho Araújo quem lhe
ligara.
Depois de uns minutos em que tentou acalmar a
ansiedade marcou o número e, passados poucos segundos ouviu a voz do “futuro
patrão”:
- Nanda? Liguei-lhe há pouco…
- Sim, Araújo, eu sei, mas não pude atender, peço
desculpa…
- Não tem importância. Eu gostava de falar consigo
pessoalmente para acertarmos os últimos pormenores. Finalmente tudo está
concluído e, neste momento posso dizer que a Ourivesaria Orvalho de Prata me
pertence.
- Isso quer dizer que o dono aceitou vender-lhe só
essa, separadamente da outra?...
- Exactamente! E ainda bem, sabe?, porque o outro
negócio que eu tinha em vista para o caso de este falhar não me agradava tanto.
- Só por curiosidade – posso saber de que se tratava?
- Com certeza! Era ligado ao ramo da restauração.
- Ah! Ainda bem que não precisou recorrer a isso… -
comentou Nanda.
- Por acaso eu também concordo… Mas a Nanda tem alguma
coisa contra a restauração?
- Não exactamente… mas passei por uma pequena experiência
pouco agradável, relacionada com farturas – respondeu Nanda, sorrindo levemente
à lembrança do Chico das Farturas.
- Bom, se foi desagradável não vou pedir que me conte.
Voltando ao nosso assunto, quando e onde poderemos encontrar-nos?
- Como hoje já é um pouco tarde… talvez amanhã de
manhã, no Café Estrela, este que fica perto da minha casa…
- Perfeito! Encontramo-nos lá, então. Até amanhã.
- Até amanhã – respondeu Nanda, desligando o
telemóvel.
Excitadíssima com a perspectiva de que muito brevemente
começaria a trabalhar, ligou ao Tó Zé.
- Eu cá tenho as minhas razões para acalentar
esperanças – ouviu-o dizer, em voz carinhosa.
- O quê? Não estou a perceber nada! Isso é alguma
forma nova de atender o telefone?
- Sim, mas só quando fores tu a ligar, não é norma
geral para toda a gente.
- Tu e as tuas conversas – replicou Nanda, que ainda
não acalmara a sua excitação. Quando começas a falar por enigmas ninguém te
endente…
- Não é nenhum enigma, só que, quando me ligas,
renasce em mim a esperança de voltar a ter-te nos braços – respondeu Tó Zé com
a voz carregada de mel.
Nanda ficou calada por uns momentos, em parte por não
saber o que responder, mas especialmente para acalmar o coração que lhe saltava
no peito. E pensou: “Eu estou mesmo carente! Porque é que este fulano agora
mexe tanto comigo? Tenho que ser forte e não me deixar enredar.”
- Pois bem podes esperar sentado – conseguiu, por fim,
responder. E, apressadamente acrescentou:
- Eu só te liguei para saber o que é que combinaste
com o nosso filho sobre a vinda deles para cima. Ele hoje ainda não me ligou
nem eu a ele, e tanto quanto sei havia a dúvida se tu ias buscá-los ou se era o
sogro que os trazia…
- Tens razão, havia a hipótese de ser o pai da
Catarina, a nossa nora, a trazê-los…
Nanda reparou no tom quase orgulhoso com que Tó Zé
pronunciava “nossa nora”, como se fosse mais um elo a ligá-los.
- Entretanto – continuou o seu ex – ontem à noite
falei com o Luís e combinámos ir eu buscá-los porque o sogro só podia vir daqui
por uns dias. E, já que as acomodações para eles estão prontas… não vale a pena
estar a atrasar a vinda, não concordas? Eu estou ansioso por conhecer o nosso
neto, e penso que contigo se passa o mesmo…
Novamente aquele tom de voz acariciador, quase íntimo.
Nanda sentia-se cada vez mais insegura, o que, ao mesmo tempo que lhe aquecia o
coração, a irritava, pois não queria deixar-se envolver. Tó Zé pertencia ao
passado e era lá que devia permanecer.
Foi, por isso, com voz firme que respondeu:
- Claro que se passa o mesmo. Tu deves saber que, para
as avós, o nascimento de um neto é tanto ou mais importante do que o de um
filho. Avó é mãe duas vezes!
- Vendo as coisas por esse prisma… avô também é pai
duas vezes – rematou ele, esquecendo-se de que não fora um pai muito presente.
Nanda decidiu não pensar nisso, e terminou a conversa
pedindo-lhe que fosse dando notícias quando iniciasse a viagem de
regresso.
Terminado o telefonema
com o Tó Zé decidiu ir terminar a limpeza da casa que iniciara no dia anterior
já que, no dia seguinte, iria encontrar-se com Carvalho Araújo e estava
esperançada em começar a trabalhar muito em breve.
Foi buscar o
material necessário e pôs-se ao trabalho. As mãos iam limpando o pó enquanto a
cabeça lhe recordava a conversa que acabara de ter com o seu ex-marido.
Ficava sempre
um pouco perturbada depois de falar com ele, o que atribuía ao facto de há
cerca de um ano não ter um namorado para se distrair. Tinha urgentemente de
combinar uma saída à noite com a Bela, pois os pretendentes não caíam do céu.
“Tenho que ir à caça…” – e sorriu à ideia.
Sentia-se
feliz. Parece que, finalmente, a sua vida estava a tomar um bom rumo.
As perspectivas
de ir trabalhar com o Araújo faziam-lhe crer que iria ter um bom ordenado; o
filho Luís estava prestes a vir morar para perto de si, e a lembrança de poder
ter o netinho nos braças fazia-a sorrir de enlevo; o filho Miguel também lhe
dissera que não tardava a vir de férias. Tudo se conjugava para ela viver dias
risonhos.
Assim pensando
lembrou-se de novo de Tó Zé e de como ele estava diferente desde que soubera que
ia ser avô.
A verdade é que
ambos tinham vivido alguns anos felizes, e ela não podia esquecer que lhe devia
muito. Não, Nanda não era ingrata, e sempre reconhecera que a atitude que ele
tivera há trinta anos fora prova de grande nobreza de carácter – para além de
lhe demonstrar que, de facto, a amava sem reservas.
Como era de
esperar o seu pensamento voou para Alessandro, no fundo o grande responsável do
seu casamento com Tó Zé…
***
No
início do namoro Bela acompanhava-os, mas como depois teve de se ausentar com a
mãe, eles passaram a andar sozinhos, o que lhes agradava muito mais.
Os pais de Nanda davam-lhe liberdade para um
namoro que imaginavam “à moda antiga”, em que os pares passeavam de mãos dadas,
trocando juras de amor.
Ela
saía todas as tardes para ir encontrar-se com o namorado, o que eles achavam
perfeitamente normal visto Nanda já ter completado os 18 anos. Como sempre
tinha sido uma menina entregue aos estudos, “com a cabeça no lugar” e sem
pensar em namoricos como a maioria das jovens da sua idade, não lhe punham
quaisquer restrições, confiando nela plenamente.
Como
era tempo de férias Nanda dispunha de muito tempo, o que não se passava com
Alessandro, que tinha de trabalhar na pesquisa para a qual fora enviado para
Lisboa. Contudo, a necessidade de estar com Nanda era tão premente que algumas
vezes descurava os seus afazeres, e só as chamadas de atenção de Milão o faziam
descer à terra. Apercebendo-se do que se passava, e não querendo causar-lhe
problemas, Nanda tomou a iniciativa de criar regras para os encontros, que
passaram a ocorrer só a partir das cinco da tarde, quando ele encerrava o
trabalho do dia.
Como
resultado da restrição de tempo em que estavam juntos, o amor eclodiu como um
vulcão. Cada vez a ligação entre eles era mais forte, criando laços muito
apertadas, difíceis de desatar.
Jovens,
viviam uma paixão sem algemas, tão forte que às vezes parecia irreal. Queriam
abarcar o mundo que lhes parecia só seu.
Depois do primeiro beijo no bar da praia no dia do
aniversário de Nanda, tímido e como que a medo, procuravam agora os lugares
mais solitários para se beijarem com sofreguidão. Neste clima que cada vez se
tornava mais intenso, sentiam crescer em si o desejo de se entregarem um ao
outro, de satisfazerem o que começava a tornar-se insuportável.
Na
cidade universitária, logo que Alessandro saía do trabalho e estando Nanda à
sua espera no passeio em frente, procuravam os recantos mais isolados e aí se
entregavam às suas manifestações amorosas que a cada dia se tornavam mais
ousadas. Os beijos arrebatadores já não os satisfaziam, os corpos, jovens e
sedentos, exigiam algo mais.
Naquele
dia Nanda avisara a Mãe de que iam ao cinema, à sessão das seis e meia, e
depois iriam comer qualquer coisa, pelo que chegaria um pouco mais tarde e não
jantaria em casa. Sentia-se portanto perfeitamente à vontade, sem a pressão das
horas para regressar.
Nas
várias deambulações que todos os dias faziam à procura do “melhor lugar”
acabaram por encontrar um local verdadeiramente isolado, longe de todos os
olhares indiscretos, e onde se sentiam totalmente tranquilos.
É
sábado, a universidade sem qualquer movimento, o dia chegando ao fim. Já se
vêem no céu os tons avermelhados do anoitecer. Nanda e Alessandro sem qualquer
vontade de se separar, continuam acariciando-se mutuamente, murmurando palavras
quase sem nexo, apenas com o intuito de continuarem juntos.
Alessandro
ousa um gesto mais íntimo e Nanda retrai-se. A severa educação que recebeu não
a deixa desinibir-se por completo. O assédio de que fora vítima também a
condicionava um pouco.
Com
palavras em que tenta dissimular a excitação Alessandro murmura na sua voz
doce, que o sotaque italiano torna ainda mais sedutora:
-
Porque me afastas, amore mio? Eu penso em ti a todos os momentos, e isto faz-me
sentir tão bem! Quero que sejas muito feliz.
Nanda
encostou o seu corpo ao dele, e Alessandro pode sentir como ela tinha a pele
arrepiada, no seu top de alcinhas. Rapidamente, num gesto de carinho, tapou-a
com o blazer que colocara sobre os seus ombros quando saíra do trabalho. Ao
mesmo tempo, segurando-a fortemente contra si, fê-la recostar-se de modo a
ficar com as costas sobre as folhas caídas sobre a relva. Nanda deixou de
oferecer resistência.
A noite ia
baixando. Já toda a gente tinha abandonado as proximidades. Encontravam-se
sozinhos. Subitamente, puxando-a para si beijou-a sofregamente.
O jogo amoroso iniciava-se. Os sentimentos de ambos,
tanto tempo recalcados, extravasaram. Entravam numa espiral sem retorno.
Lentamente,
Alessandro foi lhe descendo as alças do top, acariciando os seios que, jovens e
firmes, se lhe ofereciam como num altar. Como que em “slow motion” foram
retirando as roupas um ao outro, entregando-se assim, sem reservas, àquela
paixão que os enlouquecia.
O
desejo de ambos passou a ser incontrolável e no chão, ao lado da roupa retirada
dos corpos, consumaram, numa loucura frenética, a paixão que tinham acumulada.
Parecia-lhes
ouvir ao longe uma música suave, embalando-os e transportando-os para outro
universo.
Exaustos pela força com que se amaram, repousam
agora, felizes.
Os corpos nus, transpirados, são percorridos por um
leve arrepio. Apesar da temperatura anormalmente elevada daquele dia - o Verão
estava a chegar ao fim - a noite refrescara um pouco.
Recompuseram-se a custo. Os corpos suados pareciam
não querer separar-se. Mas o tempo não pára, e Nanda tinha de regressar
rapidamente para evitar alguma reprimenda ou, na pior das hipóteses, alguma
proibição de sair tantas vezes de casa.
A partir desse dia a vontade de se encontrarem a sós
cresceu assustadoramente.
Depois do arrebatamento da primeira vez, já mais
calmos, compreenderam o risco que corriam ao exporem-se num local público, por
muito recatado e longe de olhares indiscreto que ele fosse.
Alessandro propôs, e Nanda imediatamente aceitou,
que passassem a encontrar-se no T1 que ele alugara à chegada a Lisboa. E assim
passou a ser.
Passaram então a viver dias de perfeita loucura.
Completamente à vontade, entregavam-se àquele amor que os enlouquecia como se
não houvesse amanhã.
Alessandro não se cansava de acariciar a curvatura
do pescoço de Nanda, a macieza da sua pele, a beleza dos seios que ele beijava
ao de leve, demorando-se em cada gesto como se quisesse eternizá-lo.
Nanda, de olhos fechados, sentia a leveza das suas
mão a acariciá-la, num enlevo que a transportava como se viajasse num veleiro
para outros mundos, onde a felicidade não tinha fim.
Uma vez por outra, de mãos dadas, passeavam à beira
rio, vagarosamente, aspirando o ar de fim de Verão, serenos e felizes.
Beijando-se meiga e suavemente, apreciavam os veleiros do Tejo com as velas
brancas enfunadas, deslisando sobre as águas, levados pela leve brisa do
anoitecer.
Os olhos de ambos apenas viam o lado belo da
vida. Riam de tudo e de nada, só por estarem
juntos e se sentirem felizes.
E assim decorreram três semanas que, a seus olhos,
pareciam minutos.
Por norma, Alessandro não telefonava durante as
horas de trabalho. Um dia, inesperadamente, Nanda olha para o visor do
telemóvel que começara a tocar e vê que quem lhe estava ligando era o seu namorado.
Sem saber explicar porquê sentiu um arrepio…
Maria Caiano Azevedo