terça-feira, 1 de outubro de 2019

LIVRO EM CONSTRUÇÃO - SEGREDOS XIII

SEGREDOS – CAPÍTULO XIII
 
 SEGREDOS – CAPÍTULO XII
 “… Imersa nestes pensamentos Nanda nem se tinha apercebido de que chegara ao supermercado. Só quando a voz do “segurança” disse, alegremente: Bom dia, dona Nanda! – é que ela “desceu à terra” e apressou-se a ir fazer as compras.
Quando regressava, com um saco em cada mão, ouviu o telefone tocar. Como era complicado, com os sacos das compras, atender, deixou-o tocar, pensando: “Quando chegar a casa vejo quem ligou e retorno a chamada” …”

SEGREDOS – CAPÍTULO XIII
Liberta dos sacos das compras Nanda olhou para o visor do telemóvel verificando, com algum alvoroço, que fora Carvalho Araújo quem lhe ligara.
Depois de uns minutos em que tentou acalmar a ansiedade marcou o número e, passados poucos segundos ouviu a voz do “futuro patrão”:
- Nanda? Liguei-lhe há pouco…
- Sim, Araújo, eu sei, mas não pude atender, peço desculpa…
- Não tem importância. Eu gostava de falar consigo pessoalmente para acertarmos os últimos pormenores. Finalmente tudo está concluído e, neste momento posso dizer que a Ourivesaria Orvalho de Prata me pertence.
- Isso quer dizer que o dono aceitou vender-lhe só essa, separadamente da outra?...
- Exactamente! E ainda bem, sabe?, porque o outro negócio que eu tinha em vista para o caso de este falhar não me agradava tanto.
- Só por curiosidade – posso saber de que se tratava?
- Com certeza! Era ligado ao ramo da restauração.
- Ah! Ainda bem que não precisou recorrer a isso… - comentou Nanda.
- Por acaso eu também concordo… Mas a Nanda tem alguma coisa contra a restauração?
- Não exactamente… mas passei por uma pequena experiência pouco agradável, relacionada com farturas – respondeu Nanda, sorrindo levemente à lembrança do Chico das Farturas.
- Bom, se foi desagradável não vou pedir que me conte. Voltando ao nosso assunto, quando e onde poderemos encontrar-nos?
- Como hoje já é um pouco tarde… talvez amanhã de manhã, no Café Estrela, este que fica perto da minha casa…
- Perfeito! Encontramo-nos lá, então. Até amanhã.
- Até amanhã – respondeu Nanda, desligando o telemóvel.
Excitadíssima com a perspectiva de que muito brevemente começaria a trabalhar, ligou ao Tó Zé.
- Eu cá tenho as minhas razões para acalentar esperanças – ouviu-o dizer, em voz carinhosa.
- O quê? Não estou a perceber nada! Isso é alguma forma nova de atender o telefone?
- Sim, mas só quando fores tu a ligar, não é norma geral para toda a gente.
- Tu e as tuas conversas – replicou Nanda, que ainda não acalmara a sua excitação. Quando começas a falar por enigmas ninguém te endente…
- Não é nenhum enigma, só que, quando me ligas, renasce em mim a esperança de voltar a ter-te nos braços – respondeu Tó Zé com a voz carregada de mel.
Nanda ficou calada por uns momentos, em parte por não saber o que responder, mas especialmente para acalmar o coração que lhe saltava no peito. E pensou: “Eu estou mesmo carente! Porque é que este fulano agora mexe tanto comigo? Tenho que ser forte e não me deixar enredar.”
- Pois bem podes esperar sentado – conseguiu, por fim, responder. E, apressadamente acrescentou:
- Eu só te liguei para saber o que é que combinaste com o nosso filho sobre a vinda deles para cima. Ele hoje ainda não me ligou nem eu a ele, e tanto quanto sei havia a dúvida se tu ias buscá-los ou se era o sogro que os trazia…
- Tens razão, havia a hipótese de ser o pai da Catarina, a nossa nora, a trazê-los…
Nanda reparou no tom quase orgulhoso com que Tó Zé pronunciava “nossa nora”, como se fosse mais um elo a ligá-los.
- Entretanto – continuou o seu ex – ontem à noite falei com o Luís e combinámos ir eu buscá-los porque o sogro só podia vir daqui por uns dias. E, já que as acomodações para eles estão prontas… não vale a pena estar a atrasar a vinda, não concordas? Eu estou ansioso por conhecer o nosso neto, e penso que contigo se passa o mesmo…
Novamente aquele tom de voz acariciador, quase íntimo. Nanda sentia-se cada vez mais insegura, o que, ao mesmo tempo que lhe aquecia o coração, a irritava, pois não queria deixar-se envolver. Tó Zé pertencia ao passado e era lá que devia permanecer.
Foi, por isso, com voz firme que respondeu:
- Claro que se passa o mesmo. Tu deves saber que, para as avós, o nascimento de um neto é tanto ou mais importante do que o de um filho. Avó é mãe duas vezes!
- Vendo as coisas por esse prisma… avô também é pai duas vezes – rematou ele, esquecendo-se de que não fora um pai muito presente.
Nanda decidiu não pensar nisso, e terminou a conversa pedindo-lhe que fosse dando notícias quando iniciasse a viagem de regresso. 
Terminado o telefonema com o Tó Zé decidiu ir terminar a limpeza da casa que iniciara no dia anterior já que, no dia seguinte, iria encontrar-se com Carvalho Araújo e estava esperançada em começar a trabalhar muito em breve.
Foi buscar o material necessário e pôs-se ao trabalho. As mãos iam limpando o pó enquanto a cabeça lhe recordava a conversa que acabara de ter com o seu ex-marido.
Ficava sempre um pouco perturbada depois de falar com ele, o que atribuía ao facto de há cerca de um ano não ter um namorado para se distrair. Tinha urgentemente de combinar uma saída à noite com a Bela, pois os pretendentes não caíam do céu. “Tenho que ir à caça…” – e sorriu à ideia.
Sentia-se feliz. Parece que, finalmente, a sua vida estava a tomar um bom rumo.
As perspectivas de ir trabalhar com o Araújo faziam-lhe crer que iria ter um bom ordenado; o filho Luís estava prestes a vir morar para perto de si, e a lembrança de poder ter o netinho nos braças fazia-a sorrir de enlevo; o filho Miguel também lhe dissera que não tardava a vir de férias.  Tudo se conjugava para ela viver dias risonhos.
Assim pensando lembrou-se de novo de Tó Zé e de como ele estava diferente desde que soubera que ia ser avô.
A verdade é que ambos tinham vivido alguns anos felizes, e ela não podia esquecer que lhe devia muito. Não, Nanda não era ingrata, e sempre reconhecera que a atitude que ele tivera há trinta anos fora prova de grande nobreza de carácter – para além de lhe demonstrar que, de facto, a amava sem reservas.
Como era de esperar o seu pensamento voou para Alessandro, no fundo o grande responsável do seu casamento com Tó Zé…
***
No início do namoro Bela acompanhava-os, mas como depois teve de se ausentar com a mãe, eles passaram a andar sozinhos, o que lhes agradava muito mais.
 Os pais de Nanda davam-lhe liberdade para um namoro que imaginavam “à moda antiga”, em que os pares passeavam de mãos dadas, trocando juras de amor.
Ela saía todas as tardes para ir encontrar-se com o namorado, o que eles achavam perfeitamente normal visto Nanda já ter completado os 18 anos. Como sempre tinha sido uma menina entregue aos estudos, “com a cabeça no lugar” e sem pensar em namoricos como a maioria das jovens da sua idade, não lhe punham quaisquer restrições, confiando nela plenamente.
Como era tempo de férias Nanda dispunha de muito tempo, o que não se passava com Alessandro, que tinha de trabalhar na pesquisa para a qual fora enviado para Lisboa. Contudo, a necessidade de estar com Nanda era tão premente que algumas vezes descurava os seus afazeres, e só as chamadas de atenção de Milão o faziam descer à terra. Apercebendo-se do que se passava, e não querendo causar-lhe problemas, Nanda tomou a iniciativa de criar regras para os encontros, que passaram a ocorrer só a partir das cinco da tarde, quando ele encerrava o trabalho do dia.
Como resultado da restrição de tempo em que estavam juntos, o amor eclodiu como um vulcão. Cada vez a ligação entre eles era mais forte, criando laços muito apertadas, difíceis de desatar.
Jovens, viviam uma paixão sem algemas, tão forte que às vezes parecia irreal. Queriam abarcar o mundo que lhes parecia só seu.
Depois do primeiro beijo no bar da praia no dia do aniversário de Nanda, tímido e como que a medo, procuravam agora os lugares mais solitários para se beijarem com sofreguidão. Neste clima que cada vez se tornava mais intenso, sentiam crescer em si o desejo de se entregarem um ao outro, de satisfazerem o que começava a tornar-se insuportável.
Na cidade universitária, logo que Alessandro saía do trabalho e estando Nanda à sua espera no passeio em frente, procuravam os recantos mais isolados e aí se entregavam às suas manifestações amorosas que a cada dia se tornavam mais ousadas. Os beijos arrebatadores já não os satisfaziam, os corpos, jovens e sedentos, exigiam algo mais.
Naquele dia Nanda avisara a Mãe de que iam ao cinema, à sessão das seis e meia, e depois iriam comer qualquer coisa, pelo que chegaria um pouco mais tarde e não jantaria em casa. Sentia-se portanto perfeitamente à vontade, sem a pressão das horas para regressar.
Nas várias deambulações que todos os dias faziam à procura do “melhor lugar” acabaram por encontrar um local verdadeiramente isolado, longe de todos os olhares indiscretos, e onde se sentiam totalmente tranquilos.
É sábado, a universidade sem qualquer movimento, o dia chegando ao fim. Já se vêem no céu os tons avermelhados do anoitecer. Nanda e Alessandro sem qualquer vontade de se separar, continuam acariciando-se mutuamente, murmurando palavras quase sem nexo, apenas com o intuito de continuarem juntos.
Alessandro ousa um gesto mais íntimo e Nanda retrai-se. A severa educação que recebeu não a deixa desinibir-se por completo. O assédio de que fora vítima também a condicionava um pouco.
Com palavras em que tenta dissimular a excitação Alessandro murmura na sua voz doce, que o sotaque italiano torna ainda mais sedutora:
- Porque me afastas, amore mio? Eu penso em ti a todos os momentos, e isto faz-me sentir tão bem! Quero que sejas muito feliz.
Nanda encostou o seu corpo ao dele, e Alessandro pode sentir como ela tinha a pele arrepiada, no seu top de alcinhas. Rapidamente, num gesto de carinho, tapou-a com o blazer que colocara sobre os seus ombros quando saíra do trabalho. Ao mesmo tempo, segurando-a fortemente contra si, fê-la recostar-se de modo a ficar com as costas sobre as folhas caídas sobre a relva. Nanda deixou de oferecer resistência.
 A noite ia baixando. Já toda a gente tinha abandonado as proximidades. Encontravam-se sozinhos. Subitamente, puxando-a para si beijou-a sofregamente.
O jogo amoroso iniciava-se. Os sentimentos de ambos, tanto tempo recalcados, extravasaram. Entravam numa espiral sem retorno.
Lentamente, Alessandro foi lhe descendo as alças do top, acariciando os seios que, jovens e firmes, se lhe ofereciam como num altar. Como que em “slow motion” foram retirando as roupas um ao outro, entregando-se assim, sem reservas, àquela paixão que os enlouquecia.
O desejo de ambos passou a ser incontrolável e no chão, ao lado da roupa retirada dos corpos, consumaram, numa loucura frenética, a paixão que tinham acumulada.
Parecia-lhes ouvir ao longe uma música suave, embalando-os e transportando-os para outro universo.
Exaustos pela força com que se amaram, repousam agora, felizes.
Os corpos nus, transpirados, são percorridos por um leve arrepio. Apesar da temperatura anormalmente elevada daquele dia - o Verão estava a chegar ao fim - a noite refrescara um pouco.
Recompuseram-se a custo. Os corpos suados pareciam não querer separar-se. Mas o tempo não pára, e Nanda tinha de regressar rapidamente para evitar alguma reprimenda ou, na pior das hipóteses, alguma proibição de sair tantas vezes de casa.
A partir desse dia a vontade de se encontrarem a sós cresceu assustadoramente.
Depois do arrebatamento da primeira vez, já mais calmos, compreenderam o risco que corriam ao exporem-se num local público, por muito recatado e longe de olhares indiscreto que ele fosse.
Alessandro propôs, e Nanda imediatamente aceitou, que passassem a encontrar-se no T1 que ele alugara à chegada a Lisboa. E assim passou a ser.
Passaram então a viver dias de perfeita loucura. Completamente à vontade, entregavam-se àquele amor que os enlouquecia como se não houvesse amanhã.
Alessandro não se cansava de acariciar a curvatura do pescoço de Nanda, a macieza da sua pele, a beleza dos seios que ele beijava ao de leve, demorando-se em cada gesto como se quisesse eternizá-lo.
Nanda, de olhos fechados, sentia a leveza das suas mão a acariciá-la, num enlevo que a transportava como se viajasse num veleiro para outros mundos, onde a felicidade não tinha fim.
Uma vez por outra, de mãos dadas, passeavam à beira rio, vagarosamente, aspirando o ar de fim de Verão, serenos e felizes. Beijando-se meiga e suavemente, apreciavam os veleiros do Tejo com as velas brancas enfunadas, deslisando sobre as águas, levados pela leve brisa do anoitecer.
Os olhos de ambos apenas viam o lado belo da vida.  Riam de tudo e de nada, só por estarem juntos e se sentirem felizes.
E assim decorreram três semanas que, a seus olhos, pareciam minutos.
Por norma, Alessandro não telefonava durante as horas de trabalho. Um dia, inesperadamente, Nanda olha para o visor do telemóvel que começara a tocar e vê que quem lhe estava ligando era o seu namorado.
Sem saber explicar porquê sentiu um arrepio…
  
Maria Caiano Azevedo