CHEGADA À “LUA”
… e três meses depois da chegada ao Continente,
regressados de Moçambique, embarcamos rumo a Cabo Verde.
Após uma viagem num “mar de azeite”, como dizem os
marinheiros,
aproximamo-nos do nosso destino.
Ao longe, apenas se vislumbravam umas sombras
esfumadas no horizonte.
Agora, que estamos relativamente perto, a paisagem
torna-se nítida – montes escalvados, de cor avermelhada, sem vestígios de
vegetação… uma verdadeira paisagem lunar.
Temos
a sensação de que estamos a chegar à lua!
Depois das manobras habituais, que nos parecem
infindáveis, o navio encosta ao cais.
Com a bagagem de camarote há muito preparada e as
três crianças controladas, apressamo-nos a descer o portaló.
O cais fervilha de gente, na sua maioria naturais da
terra, táxis buzinando, um burburinho tremendo.
Finalmente pomos pé em terra.
Após beijos e abraços efusivos - que as saudades já
eram muitas – aguardamos o carro que nos transportará para casa.
Ao meu lado um autóctone vê, de repente, um carro
passar muito perto, chegando mesmo a roçar-lhe o corpo. Recuando de um salto,
com receio de que o pneu lhe passe por cima do pé descalço, grita, assustado:- Ai nha pé!
Este é o meu primeiro contacto com a linguagem
local, o crioulo cabo-verdiano.
O “nha”, que
significa meu ou minha (nha pai, nha mãe) irá fazer parte do meu dia-a-dia
durante os próximos dois anos.
Vamos então p’ra nha casa!
Situada num ponto elevado, a moradia, acompanhada à
esquerda e à direita por outras casas igualmente independentes, tem na parte da
frente um arremedo de jardim, com uma ou outra planta enfezada, que, durante os
dois anos da minha permanência aqui, irei, teimosamente, tentar recuperar.
Luta inglória! O ar é extremamente seco, com ventos
fortes nove meses por ano, a falta de água é enorme; mesmo regando-a todos os
dias, a terra absorve completamente a água muito para além de onde as raízes a
possam alcançar.
Apesar de todos os esforços, o meu jardim nunca
deixará de ter este aspecto desértico.
Mas, por agora, há que nos instalarmos na que vai
ser a nossa moradia durante os próximos dois anos.
Não se trata de nenhum palácio, mas, depois de
arrumada a nosso gosto, ornamentada com alguns objectos que nos acompanharam,
torna-se bastante confortável.
Da porta de casa, à qual se acede subindo três
degraus de pedra, depois de atravessar o “jardim”, avista-se, não muito ao
longe, o mar, vindo do qual se pode sentir, em certos dias, o cheiro a maresia.
Em frente, do lado de lá da estrada, há um vasto espaço
coberto de terra vermelha, que termina num declive em direcção ao mar.
Algum tempo depois de aqui estar irei assistir a
verdadeiras batalhas campais travadas entre grupos de cães, provavelmente
inimigos, nesse espaço existente em frente à casa.
Sem qualquer aviso prévio, uns chegam da direita,
outros aproximam-se pela esquerda, acabando por encontrar-se frente a frente,
no centro do terreno.
Entre ladridos e rosnares, engalfinham-se
ferozmente, levantando incríveis nuvens de poeira vermelha que chega a
escurecer o céu.
Depois de alguns minutos de luta abandonam o campo
de batalha, retrocedendo cada grupo pelo mesmo caminho por onde chegara.
Da refrega, felizmente, não resultam mortos; apenas
alguns ferimentos se revelam nas pernas que vão manquitando no regresso ao lar.
Nunca conseguirei descobrir por que razão, de tempos
a tempos, se envolvem em contenda.
Certo é que, chegará o dia em que também eu
regressarei ao local de partida, sem que eles tenham resolvido os seus
diferendos.
Nada faz prever que
aqui se venha a desenvolver alguma guerra, tão pouco qualquer convulsão social.
Tudo leva a crer
que os dois anos que vamos permanecer por cá serão passados em perfeita e
serena paz, perspectiva por demais atraente para quem viveu os últimos cinco
anos em Angola e Moçambique, em clima de guerra, num constante sobressalto, que
não nos deixava prever o dia de amanhã.
Temos esperança de
que a permanência nestas terras crioulas nos traga a tranquilidade de espírito
de que tanto necessitamos.
(Excerto do primeiro
capítulo da terceira parte do livro que estou escrevendo.)