SEGREDOS – CAPÍTULO XXV
“… Sentiu um zumbido fortíssimo
nos ouvidos; depois tudo escureceu à sua volta. Começou a cambalear. Foi
apoiada por Luís que a transportou em braços, desmaiada, para o sofá…”
SEGREDOS – CAPÍTULO XXVI
Momentos depois, voltando a
si, Nanda olhou para os rostos que a fixavam, ansiosos. Recompondo-se,
murmurou:
- Desculpem! Tive uma quebra
de tensão, com certeza. E acrescentou, com um sorriso: Que hora tão imprópria para
isto me acontecer!
Dirigindo-se a Giuliana
abraçou-a, com disfarçada emoção, dizendo:
- É um prazer muito
grande conhecer-te e receber-te na minha casa. Espero que te sintas cá bem…
Giuliana deu-lhe um sonoro
beijo abraçando-a com força.
- Tenho a certeza de que me vou sentir como se
estivesse na minha casa. Depois das coisas que o Miguel me contou não podia ser
doutra forma
– respondeu, reforçando o abraço. Ao estreitarem-se sentiam-se como se se
conhecessem há muito tempo.
Como que para aliviar o alvoroço que sentia
dentro de si, Nanda alvitrou:
- E se fossemos lanchar? A
comida que servem nos aviões não presta para nada.
Dirigiram-se à cozinha. Acompanhado por um odoroso chá
saborearam o bolo, que todos elogiaram, dizendo que estava uma delícia.
Luís falou, com mal disfarçado orgulho, do seu pequeno
rebento, ao mesmo tempo que justificava a ausência de Catarina:
– O Nani está ligeiramente constipado, e por esse motivo a
mãe ficou em casa cuidando dele. Por isso é que eu gostava que vocês fossem lá
jantar, para o conhecerem. E à Catarina também, claro.
Miguel pôs a mão sobre o ombro do irmão e desculpou-se:
- Não leves a mal, mano, mas, se não te importas, vamos
deixar isso para quando voltarmos do Porto. Só lá vamos passar uma semana, e
depois ficamos cá quase dois meses. Teremos muito tempo para nos encontrarmos.
E hoje estamos muito cansados, levantámo-nos muito cedo…
- Eu compreendo, mano. A minha ansiedade é que é muita… Vamos
guardar para quando vocês regressarem, sim.
À tardinha Luís despediu-se renovando a lembrança de que se reuniriam todos, incluindo a
Catarina e o bebé, quando o Miguel e Farida, regressassem do Norte.
Aproveitaram o dia seguinte, Sábado, para mostrarem a
Giuliana onde se situava a Torre do Tombo, que ela passaria a frequentar a
partir de Segunda-Feira. De seguida foram ao Centro Comercial, conheceram a
Ourivesaria onde Nanda trabalhava, e almoçaram num restaurante lá mesmo, no
Centro. De seguida voltaram para casa. Sentiam-se extenuados, a precisar de
repouso, até porque no dia seguinte, Domingo, logo de manhã, continuariam
viagem para o Norte.
E assim foi. Miguel e
Farida dirigiram-se à Gare do Oriente, onde apanharam o comboio para o Porto.
A viagem decorreu lindamente, e, após duas horas e quarenta
minutos encontravam-se na Estação de Campanhã, onde o amigo, André, os fora
esperar.
Depois dos cumprimentos da praxe Miguel pegou no telemóvel e ligou para a mãe.
Nanda, depois de se informar sobre como tinha decorrido a
viagem, disse:
- Meu filho, a tua vinda cá
foi talvez a melhor coisa que me aconteceu nos últimos tempos. Mas, a par de
toda a felicidade que senti, houve aquela minha quebra de tensão que parece ter
afectado o meu raciocínio…
- Que disparate, mãe! Porque
é que estás agora com essa conversa? Não te sentes bem? Se assim é voltamos já
para trás… na verdade tínhamos feito melhor ficando ao pé de ti…
- Nem penses tal coisa,
filho! Eu estou perfeitamente bem. Só que estava aqui a pensar que vocês não
tinham nenhuma necessidade de ir de comboio, estar sujeitos a horários e todas
essas maçadas… Podiam muito bem ter levado o meu carro. Afinal, ele está
enfiado na garagem, não o levo para o emprego, só o uso ao fim de semana para
ir às compras…
- Não, mãe, de maneira
nenhuma! Viemos perfeitamente bem …
- Eu sei que esses comboios
são muito confortáveis, mas, se tivesses levado o meu carro vocês tinham outra
independência. Só que… lá está, eu fiquei tão desmiolada que nem me lembrei de
falar nesse assunto…
- Olha, mãe, não penses mais
nisso. Agora tenho de desligar, que o André está à espera. Ligo-te mais tarde. Um
beijinho da Farida, e meus, muitos, muitos…
E, dizendo isto, desligou o telemóvel, pondo fim à conversa.
Embora fosse Domingo e, portanto, “dia de família”, Nanda desculpara-se junto de Catarina por não
ir lá almoçar, como habitualmente, porque achou que talvez a Giuliana não se
sentisse muito à vontade. Afinal, ela tinha acabado de chegar a um país
estranho e de a conhecer. E a verdade é que ainda havia muito tempo para ser
apresentada à restante família.
Depois que o filho e a nora se despediram Nanda ajudou
Giuliana a instalar-se no quarto onde dormira o casal, e depois foram ambas
descansar um pouco, pois era ainda bastante cedo.
Nanda perdia-se nos seus pensamentos.
Miguel nada lhe dissera acerca de Giuliana para além de que
era uma amiga muito querida, que andava sempre com ele e Farida, e se tinham
conhecido na Universidade onde todos trabalhavam no departamento de
investigação.
O resto ela própria teria de descobrir.
Passaram o dia juntas. Nanda conseguia aparentar uma calma
que na verdade não sentia, pois olhar para a sua nova amiga fazia-a retroceder
no tempo e voltar a sentir-se nos braços de Alessandro, tal era a semelhança
daqueles olhos profundamente azuis com os dele. Tinha de saber de “quem” ela os
herdara. Contudo, todo o cuidado seria pouco para não se denunciar. Havia, entre elas, uma
grande empatia, o que lhe provocava uma certa calma.
Felizmente o português de Silvana, que aprendera com o pai e
aperfeiçoara com Miguel e Farida, era bastante razoável. Entenderam-se
perfeitamente.
Rodeando as perguntas, Nanda ficou a saber que Giuliana
nascera na Itália, e aí estudara e crescera. Mais tarde, ao dedicar-se à
investigação, fora com um colega para a Bélgica, onde aprofundavam a História
relacionada com as viagens do tempo dos Descobrimentos.
- Agora estamos investigando Cristóvão Colombo, e, entre os
dois, fui eu a “sorteada” para vir a Portugal recolher os elementos necessários – disse com um grande
sorriso cúmplice. Está-se bem a ver que a rifa foi aldrabada… -
acrescentou com uma gargalhada.
- Então tu vives sozinha na Bélgica? E os teus pais ficaram
na Itália?
– aproveitou Nanda para perguntar.
- Não vivo sozinha; eu e o Lorenzo – o meu colega - alugámos um apartamento com dois quartos e
dividimos as despesas. Mas só isso – disse, com um
sorriso malicioso. O meu pai vive em Itália, mas a minha mãe
abandonou-nos há bastantes anos e foi para a América. Mais tarde
divorciaram-se. Nunca mais soubemos nada dela. Penso que é por isso que eu e o
meu pai somos tão agarrados um ao outro. O “mio caro Alessandro”, como eu gosto
de lhe chamar, para o mimar, quando estamos separados e ele sente muitas
saudades minhas.
Nanda sentiu um
sobressalto, que a custo conseguiu disfarçar. Estavam confirmadas as suas
suspeitas. Aqueles olhos não podiam vir de mais ninguém! Ela sabia! Giuliana
era filha do “seu” Alessandro, não podia ser de outro. Não com aqueles olhos!
Saber que ele vivia
sozinho causou-lhe uma estranha sensação de alegria. E, sem querer, o seu
pensamento retrocedeu trinta anos, até à sua juventude.
O coração
tumultuava-lhe no peito e ela fazia um esforço enorme para não denunciar os
seus sentimentos.
Sem se aperceber da
consternação de Nanda, Giuliana continuou a falar, dizendo como ela, Miguel e
Farida se tinham conhecido por acaso, à entrada da Universidade, e de como
tinham simpatizado logo os três uns com os outros.
- Eu tenho de
confessar, gosto muito da Farida, sou muito amiga dela, mas, na verdade, sinto
qualquer coisa muito especial pelo Miguel. E sei que ele sente o mesmo por mim.
Nanda, que novamente
prestava atenção à conversa, deve ter mostrado um tal ar de aflição que levou
Giuliana a acrescentar, rapidamente:
- Não fique preocupada, Nanda, nem a pensar “coisas” - riu-se ela. O que
sentimos um pelo outro – sim, porque
eu sei que o Miguel sente o mesmo que
eu – é como que um amor fraternal, qualquer coisa de muito profundo, como se
nos tivéssemos conhecido noutra vida – e riu de novo.
Nanda suspirou profundamente, o que provocou um sorriso em
Giuliana.
- Não leves a mal a
minha preocupação, querida – disfarçou Nanda. Mas… tu compreendes… o Miguel é
casado… e muito feliz…
- Ninguém melhor do que eu para o saber, Nanda. Afinal,
acompanho-os para todo o lado, assim como eles a mim. Quase parecemos três
irmãos siameses – respondeu
Giuliana, bem humorada.
Entre animadas conversas, ver fotos de Miguel quando era
bebé, e ir passear o Tejo, o dia voou.
Nanda, interiormente extenuada mas feliz, sugeriu não se
deitarem muito tarde dado que no dia seguinte ambas tinham deveres a cumprir.
O sentimento que as unia foi crescendo ao longo do dia de tal
modo que, ao despedirem-se, desejaram-se boas noites com um carinhoso beijo.
Já no quarto, preparada para se deitar, Nanda ouviu o toque
do telefone. Ao ver, no visor, o nome de Bela, ficou aborrecida consigo mesma:
durante todo o dia nem se lembrara da sua querida amiga.
Foi com certa ansiedade que atendeu:
- Olá, meu amor. Estava a acabar de me arranjar e ia já
ligar-te –
mentiu, talvez para aliviar a consciência. Sentia-se mal por estar tão feliz a
ponto de se esquecer da sua amiga, quando ela estava atravessando um período
tão triste.
- Resolvi ligar-te eu porque vou já deitar-me – respondeu Bela,
com voz desgostosa. Amanhã tenho de levantar-me cedo. O meu pai vai ser julgado,
e eu quero ir ao tribunal.
- Tem calma, meu anjo. O que tiver de ser… será. Nada podes
fazer para o evitar. E não te apresentes lá com um ar muito preocupado, para
não o afligires ainda mais…
- Vou tentar. Até amanhã, querida. Depois falamos.
Maria Caiano Azevedo