No palco encontram-se, ao fundo, à esquerda, Maria e José,
admirando seu filho.


Em primeiro plano o pastor está conversando em voz baixa com as
ovelhas,
quando vê aproximarem-se a vaca e o burro.
Dirige-lhes a palavra:
- Pastor -
Ouve lá, ó vaquinha, o que estás aqui a fazer?
- Vaca - Vim esticar as pernas. Há tanto tempo naquela posição já
quase não as sinto…
- Pastor -
E tu, burrinho, porque estás aqui?
- Burro – Vim acompanhar a vaquinha. Nesta noite tão escura o
perigo espreita a cada canto… E uma presença masculina sempre impõe um certo
respeito! (levanta a cabeça, altivo)
- Pastor –
Sendo assim, sentem-se junto a nós, e ouçam a história que eu estava a começar
a contar às ovelhas.
A vaca e o burro sentam-se junto ao pastor.
- Ovelha A - De que nos vais falar hoje, pastor?
- Pastor –
Do Natal…
- Ovelha B – Outra vez? Nesta altura do ano não falas doutra
coisa…
- Ovelha C – Ela tem razão, pastor. Quando aparece aquela estrela
brilhante só falas de Natal…
- Pastor –
E qual é o problema? Vocês não gostam do que eu vos conto?
- Ovelha B – Não é isso, pastor! Não é que não gostemos… mas o
Natal é sempre igual…
- Pastor –
Engano vosso! O natal é sempre igual, mas sempre diferente.
- Ovelha A – Como assim? Como é que pode ser igual e diferente ao
mesmo tempo?
- Pastor –
É muito simples: é sempre igual porque a história, no fundo, é sempre a mesma;
e é diferente porque os intervenientes variam, e cada um tem uma atitude e
maneira de sentir e actuar diferentes…
- Ovelha C – Tudo bem, mas não vamos ficar aqui a noite toda a
discutir… Portanto, pastor, conta lá a tua história…
- Pastor –
Muito bem. Então prestem atenção. Vou contar-vos a história de um rei mago.
- Ovelhas (todas) – Oh! Não, outra vez os reis magos? Já ouvimos
essa história centenas de vezes…
- Pastor –
Penso que vocês estão enganadas. O que vou contar hoje é novo, ainda não vos
falei em nada disto…
- Vaca – E se vocês se calassem e ouvissem o pastor? Muito gostam
vocês de fazer barulho…
- Ovelhas – Méeééééééééééé´……
- Burro (em tom autoritário) – Calem-se, ovelhas, e deixem ouvir o
pastor.
- Ovelhas, vaca e burro – Xiuuuuuuuuuuuuuuuu!
- Pastor –
Ora vamos lá então. Vocês já ouviram muitas vezes falar nos três reis magos,
certo?
- Animais em coro – Certo!!!!!!!!!!!!!!!!!!
- Pastor -
E no quarto rei mago, ouviram falar?
- Todos – Não, nunca!
- Pastor –
Pois este quarto rei mago chamava-se Artaban.
- Ovelha A - E ele também foi visitar o Menino?
- Pastor –
Na verdade, não. Tal
como aconteceu com os conhecidos três Reis Magos, também Artaban viu a estrela
que anunciava o nascimento do Menino Deus.
- Vaca –
Nesse caso, porque não seguiu o seu rasto?
- Pastor - Vários acontecimentos o impediram. Além
de mago Artaban era astrónomo e médico, natural da Pérsia, e um homem muito
rico que vivia num palacete rodeado de belos jardins de árvores exóticas e
flores raras.
- Burro –
Já estou mesmo a ver… Com tanta riqueza à sua volta que lhe importava uma
estrela com um brilho diferente?
- Pastor – Estás completamente enganado! Na
verdade, ao ver a estrela brilhante, Artaban desfez-se de parte dos seus
haveres e, preparando o seu melhor cavalo, partiu de madrugada para, no dia
marcado, se encontrar com os seus amigos Gaspar, Melchior e Baltazar, que, de
acordo com o combinado, já se encontravam a caminho.
Levava consigo três jóias para oferecer ao Messias:
uma pérola, um rubi e uma safira.
Precisava cavalgar sem parar – já estava
escurecendo e ainda faltavam mais ou menos três horas de viagem para chegar ao
local do encontro. Teria que estar lá antes da meia-noite, pois a partir dessa
hora os três Reis Magos não esperariam mais por ele.
De súbito, numa curva da estrada, o cavalo
assustou-se com algo que viu sob o reflexo da lua: era um homem que já
apresentava o frio da morte.
Artaban, depois de o examinar, deu-o como morto, e,
com o coração triste, voltou-se para partir. Mas, ao levantar-se, sentiu a mão
do homem prendendo-lhe o manto.
- Os
animais, em coro – Deve ter apanhado um grande susto…
- O pastor – Naturalmente que sim. Mas, apesar de
já se fazer tarde para o encontro com os seus amigos – era preciso seguir a
estrela! – decidiu socorrer o hebreu, tratando-o por várias horas, até ele se
recuperar.
Por fim, deixando com ele as suas provisões e
curativos, retomou o seu caminho.
Quando
chegou ao lugar combinado, não encontrou mais os seus companheiros. Nem sinal
da caravana de camelos. Então, num monte de pedras, ele achou um pergaminho com
a seguinte mensagem:
“Artaban,
não pudemos aguardar-te mais; prosseguimos ao encontro do Messias. Esperamos
que nos sigas através do deserto.”
Artaban
entrou em desespero... Como poderia atravessar o hostil deserto sem ter o que
comer e com um cavalo cansado? Assim, regressou à Babilónia, vendeu a sua pedra
de safira, e comprou camelos e provisões suficientes para a longa viagem.
- Ovelha A – Coitado! Depois teve que
viajar sozinho, não foi, pastor?
-
Pastor – Sim, é verdade, mas a sua vontade de encontrar o Messias era muito
grande. Por isso continuou a sua jornada pelo deserto e finalmente chegou a
Belém, mas deparou-se com a vila deserta.
Pela
porta entreaberta duma humilde casa ouviu a voz duma mulher que cantava
suavemente. Entrou e encontrou uma jovem mãe acalentando o seu filhinho, que
lhe falou nos três reis magos que haviam passado pela vila e tinham seguido,
guiados por uma estrela, para o lugar onde encontrariam José de Nazaré, sua
esposa Maria e o bebé Jesus.
O bebé daquela mulher olhou para Artaban,
sorriu e estendeu os bracinhos para ele. Foi quando se ouviram gritos e grande
correria lá fora, nas ruas.
Os soldados de Herodes estavam matando as
criancinhas.
- Os
animais, em coro – Que horror! Que homens tão maus!
- Pastor – Tendes toda a razão. Mas deixai-me
continuar…A jovem mãe, branca de terror, escondeu-se no canto mais escuro da
casa, cobrindo o menino com o seu manto para que ele não chorasse e fosse
descoberto pelos soldados.
Artaban colocou-se no vão da porta, impedindo a
entrada dos soldados. Um oficial aproximou-se para afastá-lo; o mago,
aparentada uma falsa calma, disse-lhe que estava sozinho, esperando a oportunidade
para oferecer uma jóia àquele que deixasse a casa em paz; e, dizendo isto,
mostrou-lhe o rubi brilhando na palma da mão.
Com os olhos ardendo de cobiça o oficial arrebatou
a jóia, gritando para os soldados que ali não havia nenhuma criança. Artaban,
olhando para o céu, pediu que lhe fosse perdoado o seu pecado, já que dissera
uma mentira.
- Vaca –
Com certeza que lhe foi perdoado, e nem sequer era pecado, só mentiu para
salvar o bebé… não achas, pastor?
- Pastor – Claro que sim, vaquinha. Artaban mentiu
para salvar uma vida.
Mas, continuemos. Assim, das três dádivas que
trouxera para oferecer ao Messias, já se desfizera de duas. Começava a achar-se
indigno de algum dia contemplar a face do Menino Deus.
Mas continuou a sua jornada. Passou por lugares
onde a fome era grande; cidades onde os enfermos morriam na miséria; visitou
oprimidos nas cadeias, e escravos nos mercados. Num mundo cheio de angústia e
sofrimento não encontrou ninguém para adorar, mas muitos desgraçados para
ajudar.
E os anos passaram, 33 anos… Os cabelos de Artaban
já estavam brancos. Velho, cansado, e pronto para morrer, ele ainda continuava
à procura do Rei de Israel.
Estava de novo em Jerusalém, por onde havia passado
muitas vezes na esperança de encontrar a Sagrada Família.
A população estava reunida na cidade santa para a
festa da Páscoa do Senhor.
Vendo uma grande agitação, Artaban perguntou, a um
grupo de pessoas, o que se passava e para onde se dirigiam.
- Vamos para
o Gólgota. Dois ladrões vão ser crucificados e com eles um homem chamado Jesus
de Nazaré, que dizem ter feito coisas maravilhosas entre o povo; mas os
sacerdotes acusam-no de ter dito ser o Filho de Deus, e condenaram-no à morte.
Artaban achou que era chegada a altura de oferecer
a sua pérola para salvar Jesus da morte.
Ao seguir a multidão viu um grupo de soldados
arrastando uma jovem toda ensanguentada que, conseguindo libertar-se, se
ajoelhou perante ele, implorando auxílio. Disse-lhe que seu pai era mercador na
Pérsia, mas falecera cheio de dívidas, e que agora aqueles homens iam vendê-la
como escrava para saldar os débitos de seu pai.
Artaban tremeu perante o conflito entre a Fé, a
Esperança e o impulso do Amor. Só lhe restava a preciosa pérola. O que fazer?
Tirou a pérola do seu alforge e colocou-a na mão da jovem, dizendo-lhe que
pagasse aos seus algozes. Assim ela foi libertada.
Logo o dia se transformou em noite profunda e um
forte tremor de terra abalou a cidade.
Artaban, na companhia da jovem libertada, foi
atingido na cabeça por uma pedra.
Com
o sangue a escorrer do ferimento, descansou a cabeça no colo da jovem;
preparando-se para morrer pediu perdão por não adorar o Messias e lhe ofertar o
presente que trouxera de tão longe. Durante 33 anos ele havia procurado Jesus,
mas nunca vira a face Dele!
Então ouviu uma suave voz vinda dos céus:
“Artaban!
Sempre que viste um enfermo, prestaste-lhe socorro; quando avistaste alguém com
fome, deste-lhe de comer; sempre que encontraste alguém com sede, deste-lhe de
beber; sempre que viste alguém acusado injustamente, deste-lhe a liberdade. Em verdade,
quando fizeste tudo isso, foi a Mim que o fizeste!”
Uma alegria enorme iluminou o seu rosto. Com um
profundo suspiro, terminou a sua longa viagem de 33 anos.
O quarto mago, finalmente, encontrara o seu Rei!
Olhando em
redor o pastor notou, comovido, que todos os animais tinham os olhos marejados
de lágrimas.
E
disfarçando a sua própria comoção, perguntou:
- Pastor - Então, gostaram da história de Artaban?
- Todos os
animais - Sim! - responderam em coro. Foi a história mais bonita que alguma vez
nos contaste.
- Pastor - Ainda bem que gostaram. E acrescentou, com a voz entrecortada de emoção:
Mas agora já se faz tarde. Vaquinha e burrinho, vão
já para junto do Menino, que deve estar enregelado. E vós, ovelhas, todas atrás
de mim, rápido, que o redil está longe!
Texto de Mariazita