(Ficção baseada em factos reais)
…
Pelo Arnaldo eu tive uma paixoneta de juventude, que na altura se revestiu com a capa do Amor. Éramos ambos muito jovens, sentíamo-nos apaixonados – e talvez existisse mesmo paixão, uma paixão juvenil. Mas não era Amor. Se fosse ter-se-ia reacendido quando nos reencontramos.
FIM DO EPISÓDIO XLV
EPISÓDIO XLVIPelo teu Pai senti, quando fiquei grávida da Eduarda, uma gratidão muito grande que, com o tempo se transformou em amizade e, na sua doença, sei que o tratei com o Amor que dedicamos ao nosso próximo.
Finalmente, pelo padre João senti uma grande paixão, sem dúvida.
Porque estava atravessando um período de grande carência? Talvez… Lembro-me que nessa altura me sentia como que vazia, sem um rumo válido na vida… Apareceu o projecto da creche que nos obrigou a uma aproximação muito grande, e…surgiu o que me parecia Amor.
Entreguei-me a esse sentimento de alma e coração, e de toda essa loucura restou apenas uma coisa muito boa – a Eduarda. É através dela que me sinto redimida do mau passo que dei. Por ela, e só por ela, consigo perdoar-me…
- Não deves falar assim, Anita. Não há motivo para sentires que devas perdoar-te. Tenho a certeza que viveste esse relacionamento com toda a pureza da tua alma…- Na verdade, o que agora me parece uma grande leviandade, na altura parecia-me perfeitamente natural. Qualquer Amor tinha direito a existir, inclusive aquele que não era aceite por Deus nem pelos homens.
Hoje de manhã, ao ouvir-te, fui, ao mesmo tempo, revendo toda a minha vida, uma soma de inutilidades sem sentido, apenas porque fui, ainda bastante jovem, atacada por uma cegueira que me impediu de ver o que estava ao alcance dos meus olhos.
Tendo-te repudiado a princípio, especialmente porque o teu Pai me tinha prometido que não estarias lá em casa quando regressássemos da lua-de-mel, muito em breve me habituei à tua presença.
E comecei a sentir por ti qualquer coisa que não sabia bem o que era, nem me dava ao trabalho de tentar analisar. Sentia-te como se fizesses parte de mim mesma, como um braço ou uma perna. Uma parte sem a qual não se pode viver, ou, pelo menos, não se vive muito bem.
Quando partiste, a primeira vez, para a Inglaterra, pensei que não iria suportar tanta dor. E todas as outras nossas despedidas me foram sempre muito dolorosas.
Anita fez uma longa pausa. Humberto mal conseguia esconder a sua emoção. Pigarreou e disse:
- Minha querida, estás a cansar-te demais. É melhor descansares um pouco. Temos muito tempo para conversar…
- Engano teu. Não temos assim tanto tempo… E, receando que ele percebesse o verdadeiro sentido das suas palavras, rapidamente acrescentou:
- Quero dizer-te tudo antes que Eduarda regresse. Como sabes, nós somos, mais do que Mãe e filha, duas excelentes amigas. O único segredo que tenho para com Eduarda é relativo ao seu Pai. Bom…a partir de agora, vai haver mais este, pois não gostaria que Eduarda soubesse que, exactamente agora, nestas circunstâncias, eu descobri que te amo…
- Anita! Tu amas-me, meu amor!... interrompeu Humberto, com o coração a saltar-lhe no peito.
- Sim, eu amo-te, meu amor. Deixa-me tratar-te assim enquanto estamos a sós.
Sei agora que sempre te amei. Tudo o resto passou pela minha vida sem deixar rasto.
Sabes? Eu nunca deixei de sentir a tua falta, até mesmo nos momentos em que me julguei mais feliz. Pensava, tolamente, que gostaria que estivesses presente para partilhar contigo essa suposta felicidade.
Agora eu entendo que apenas tinha necessidade de ti, de te ter junto de mim, de sentir o teu amor, que eu não me apercebia que existia, mas que me fazia muito bem.
Calou-se, por momentos, para logo acrescentar:
- É muito triste constatar que se passou uma vida inteira com umas palas nos olhos. E agora… agora… tão tardiamente, descubro, enfim, a verdade!
- Anita, meu amor, se soubesses como é importante para mim descobrires que me amas… Teria sido muito melhor se tivesses percebido o meu amor há muito mais tempo, mas…nós não somos nenhuns velhos… ainda faremos muita inveja a quem nos vir passear de mãos dados, como jovens enamorados – respondeu Humberto, esboçando um sorriso forçado.
Um leve tamborilar de dedos na porta advertiu-os da chegada de Eduarda.
Humberto notou que, apesar do banho, ela continuava com aspecto de grande cansaço, os olhos pisados de quem chorara longamente, e o sorriso que afivelara no rosto não conseguia disfarçar a sua grande preocupação.
Dando um beijo na Mãe, puxou a cadeira para junto da cama e disse a Humberto:
- Já estou pronta para passar cá a noite. Agora podes ir tu tomar banho e fazer o tal telefonema. Eu faço companhia à Mãe.
Humberto depositou um beijo na testa de Anita, e com um “até já”, retirou-se.
FIM DO EPISÓDIO XLVI