quinta-feira, 1 de abril de 2021

LIVRO EM CONSTRUÇÃO - SEGREDOS XXVIII

 SEGREDOS – CAPÍTULO XXVIII

 

 SEGREDOS – CAPÍTULO XXVII

 “… Miguel tocou à campainha e Sara veio abrir a porta. Ali mesmo lhe apresentou a mãe, após o que se dirigiram à sala, onde se encontravam a Farida, e o amigo, André.

A nora abraçou-a com ternura e voltou-se para lhe apresentar André.

Ao vê-lo Nanda sentiu-se desfalecer. Com uma enorme vertigem só a cadeira onde se apoiou impediu que  tombasse no chão…”

 

CAPÍTULO XXVIII

Aqueles olhos azuis, dum azul tão profundo como nunca vira outros! Perfeitamente iguais aos de Miguel e de Juliana…

Como num flash, rapidamente as imagens perpassam pela mente de Nanda

Alessandro a começar a sua estadia em Portugal passando um tempo no Porto, antes de se mudar para Lisboa, onde continuou o seu trabalho de investigação…  André dado para adopção à nascença… Agora entendia tudo!

Voltou a fitar André, pensando:

- Aqueles olhos azuis que nunca pude esquecer…

Avançando para ela rapidamente, Miguel impediu que Nanda caísse desamparada no chão.

Tentando recompor-se, pediu desculpas pelo incidente que, mais uma vez, atribuiu a uma quebra de tensão.

O filho, verdadeiramente preocupado, declarou:

- Desculpa, Mãe, mas já são quebras de tensão a mais. Tu tens de ser vista por um médico, urgentemente. O André, com certeza, conhece algum de confiança, e na segunda feira vais consultá-lo.

- Meu filho, acredita que a minha saúde está óptima Não preciso de médico nenhum. Para além de que, na segunda feira já temos de estar em Lisboa, eu e a Giuliana. Agora quero é falar com o teu amigo.

E voltando-se para André:

- Eu não queria vir incomodar com a nossa presença, mas o Miguel disse que ficarias aborrecido se fôssemos para um hotel… por isso aqui tens mais duas hóspedes – e dirigiu-lhe um sorriso luminoso.

- Pois o Miguel falou muito acertado! Eu não ia gostar nada de saber que a encantadora mãe do meu melhor amigo ia hospedar-se num hotel tendo aqui uma casa tão grande à sua disposição. – dizendo isto sentou-se junto de Nanda como se a conhecesse de há longo tempo.

- Até o charme e o tom de voz são iguais aos do Alessandro, apesar do seu ligeiro sotaque nortenho – pensou Nanda.

- E agora que as coisas estão esclarecidas vamos ao que interessa. O que é que a senhora quer para o jantar? Carne ou peixe?

- Antes de mais nada, por favor, manda embora a senhora – disse, rindo. Eu sou a Nanda, e é assim que quero que me trates.

- Pois que seja. A senhora que saia e que entre a Nanda! – respondeu André, bem disposto. Mas a empregada está à espera de saber o que fazer para o jantar…

- Queres saber a verdade? Geralmente, o meu jantar são umas torradas com um chá… por isso manda preparar o que os outros preferirem, pode ser?

Miguel interveio:

- Tu não sabes o que aí está, com a mania das dietas. Não pode sentir um grama a mais sobre este lindo corpinho…

- Pois não vejo que haja razão para preocupações. A Nanda tem um corpo perfeito, exactamente como a minha mãe. E olhe que ela só come alface, como eu lhe digo, por brincadeira.

- Ah! A tua mãe também tem cuidado com a alimentação? Pois faz ela muito bem!

- A Nanda nem imagina. Agora os meus pais foram passar um mês ao Algarve – como têm lá um apartamento vão todos os anos. Pois um mês antes de irem a minha mãe andou em dieta rigorosa “para poder caber no biquíni” – dizia ela – e deu uma sonora gargalhada.

Depois, em tom sério:

- A Nanda sabe que eu sou adoptado… o Miguel deve ter-lhe dito…

Nanda tartamudeou, sem saber bem como reagir:

- Sim, tenho uma vaga ideia de ele me ter dito qualquer coisa…

- Eu sempre soube, desde pequenino; os meus pais nunca me esconderam nada. Na verdade são uns pais maravilhosos, não poderiam ser melhores. De tal modo que não tenho, nem nunca tive, curiosidade em saber quem são os meus pais biológicos.

-É muito bom que te sintas assim; é sinal de que te deram muito amor.

- Ah sim, sempre se esforçaram para que eu não sentisse que não era do seu sangue. Vou-lhe dizer uma coisa que a minha mãe me contou e que, sempre que penso nisso, sinto por ela uma ternura indescritível.

Quando eles me receberam eu era um bebé de poucos dias, praticamente recém nascido. Como a Nanda certamente sabe a minha mãe é bióloga, trabalha num laboratório de análises clínicas. Pois ela meteu uma licença sem vencimento de seis meses, para poder estar em casa comigo 24 horas por dia. Durante o primeiro mês da minha vida, a minha mãe passava horas e horas deitada na cama comigo sobre o seu peito, aconchegando-me, como se quisesse fazer-me sentir que eu tinha vindo de dentro dela – parou, visivelmente emocionado.

Nanda não resistiu e segurou entre as suas a mão que ele tinha pousado no sofá, entre ambos. Sentiram como que uma força a uni-los. Depois André continuou:

- Penso que foi esse procedimento que criou entre nós uns laços tão fortes que nem mesmo a morte poderá quebrar. E creio que também contribuiu para que eu não queira outros pais. Os meus pais são os que me criaram e sempre amaram, e ninguém mais os pode substituir.

O momento era muito emotivo. Nanda sentia um nó na garganta, pensando que, na verdade, mãe é aquela que cria e dá amor, e não a que dá à luz. Não gostava de julgar ninguém, mas não pôde impedir-se de imaginar como fora possível a mãe do André abandoná-lo à nascença. Mas, de imediato, corrigiu o seu pensamento: “Quem sabe as razões que a obrigaram a tal procedimento? E a dor que terá sentido? Nanda – ralhou consigo própria – não faças juízos temerários! E, abanando imperceptivelmente a cabeça, procurou afastar esses pensamentos.

Quando se retiraram para os quartos Nanda telefonou a Bela, dando-lhe conta de como decorrera o seu dia. A amiga mostrava-se triste, inconsolável, e inconformada com a decisão do tribunal respeitante a seu pai. As palavras de Nanda para tentar consolá-la de pouco valiam:

- Minha querida, tu tens de compreender que o que o teu pai fez foi muito grave, não podias esperar que ele fosse absolvido.

- Eu sei tudo isso, e nem imaginas como me sinto cada vez que penso nas suas atitudes. Mas… que posso eu fazer? O sangue fala mais alto. E se, por um lado, eu entendo que ele merecia castigo, ao mesmo tempo sinto uma enorme revolta contra a minha mãe, que originou tudo isto.

- Desculpa, minha querida, mas não posso concordar contigo. A tua mãe não tem culpa nenhuma das más acções do teu pai. Mas não penses que não te compreendo… Tu sempre foste a “menina do papá”. Ele adorava-te e tu correspondias-lhe de igual forma. Já com a tua mãe as coisas eram diferentes.

- Concordo. A minha relação com o meu pai sempre foi muito mais forte do que com a minha mãe. Os nossos feitios eram muito diferentes, maneiras de pensar perfeitamente antagónicas, frequentemente entrávamos em conflito. Principalmente quando eu era solteira a vontade dela era soberana, punha e dispunha da minha vida como lhe aprazia. Ao contrário do meu pai, que me satisfazia todas as vontades. Talvez por isso me custe tanto aceitar a condição em que ele agora se encontra.

- Eu entendo-te perfeitamente – respondeu Nanda. Mas não podes esquecer que, até certo ponto, o juiz foi bastante benevolente. Com os crimes de que o teu pai era acusado a sentença podia ser muito pior. Ele teve em atenção a idade e a doença de coração de que o teu pai sofre e que, de um momento para o outro, pode pôr-lhe fim à existência.

- Eu sei, mas já viste o que é passar o resto da vida em prisão domiciliária? E logo o meu pai, que não parava em casa…

- É certo que não vai ser nada agradável, mas pior seria ver-se enfiado numa prisão – Nanda tentava aligeirar o assunto, ao mesmo tempo que não podia evitar sentir que “Deus não dorme”. Rematou:

- Olha, meu amor, vai descansar. Se for preciso toma qualquer coisa para ajudar-te a dormir. Em momentos assim não faz mal um comprimidinho. Dentro de dois dias já estou aí novamente e vamos almoçar juntas. Amo-te!

 

Foram de tal modo bons os dois dias que passaram no Porto que, mal se aperceberam, estava na hora de regressar.

Depois dos habituais abraços e  promessas de que em brave voltariam a ver-se, Nanda e Giuliana puseram-se a caminho, rumo a Lisboa. Na viagem de regresso ambas se sentiam bastante melancólicas, com pouca vontade de voltar à rotina habitual. 

Chegaram a casa bastante tarde já que tinham atrasado ao máximo a saída do Porto. Apetecia-lhes ficar por lá mais tempo, mas o dever chamava-as.

No dia seguinte voltaram à rotina normal: Giuliana à Torre do Tombo e Nanda à ourivesaria.

A meio da manhã Nanda telefonou a Bela. Combinaram almoçar juntas, lá mesmo no centro comercial, para não perderem muito tempo.

Bela foi pontualíssima. Nanda, saindo da loja, abraçou demoradamente a amiga, que se desfez em lágrimas. Desde que o pai tinha recebido a sentença elas ainda não se tinham encontrado.

Encaminharam-se para a zona da restauração e, depois de sentadas e feito o pedido, puderam iniciar a conversa.

- Olha, minha querida, tu tens de reagir. Sei que o momento que atravessas é extremamente doloroso, mas tens de pensar que a vida continua.

O teu pai pôde viver sempre como quis, e a verdade é que tudo lhe correu sempre de feição. A vida nunca lhe foi madrasta. Sempre ganhou muito dinheiro, o que lhe permitiu um nível de vida muito acima da média, proporcionando, tanto a ele como à família, todo o conforto que desejassem.

- Claro que sim. Na nossa casa não faltava nada, a minha mãe nunca soube o que eram dificuldades, nunca precisou de trabalhar, dedicava-se a obras de caridade, no que era acompanhada pela tua mãe, lembras-te?

- Sim, lembro-me muito bem – respondeu Nanda, ao mesmo tempo que pensava que não havia comparação possível entre as mordomias de que gozavam as duas famílias. O pai de Bela era dono de uma empresa muito rentável, e tinha uma fortuna considerável, enquanto o seu próprio pai tinha um excelente ordenado, sim, mas era apenas um funcionário superior de uma grande empresa, e não dono dela. E continuou: Elas eram bastante amigas, e lá faziam a sua caridade.

- Ora, a tua mãe sim, era genuinamente boa e caridosa; a minha andava naquelas andanças só por vaidade – Bela respondeu num tom mordaz.

- Talvez tenhas um bocadinho de razão, mas, no meio em que a tua mãe se movia, todas as senhoras se dedicavam à caridade – e acrescentou, com um sorriso: Pelo menos, aos chás de caridade.

Bela não pode deixar de sorrir com vontade com a observação da amiga, que retratava bem a realidade. Nanda continuou:

- E agora, o que tencionas fazer? Voltas para a empresa?

- Para já meti férias para poder pensar bem no assunto. Mas o mais certo é não voltar para lá, até porque a minha mão tenciona vender tudo. E, agora que está divorciada, quer fazer partilhas e ir viver com a irmã, a minha tia Clotilde, a que vive perto do Porto. Elas sempre se deram muito bem, é natural que queiram viver juntas.

- A mim parece-me uma excelente ideia. E até percebo que te custe voltar a trabalhar na empresa que era do teu pai, agora que ele não está lá. Por outro lado, se a tua mãe fizer as partilhas, tu certamente ficas com dinheiro suficiente para abrires uma empresa…

- De modo algum! – respondeu apressadamente Bela.

- Só falei nisto porque não estou a ver-te ficares sem fazer nada, armada em dondoca. Olha, e se tu viesses trabalhar aqui para o centro? Penso que não terias dificuldade em arranjar qualquer coisa, nem que fosse um part-time, só para te distraíres.

- Só a ideia de ficar perto de ti já me agrada – respondeu Bela, finalmente com um grande sorriso a iluminar-lhe o rosto.

- Vou pôr-me em campo, a ver se descubro alguma coisa – Nanda esboçou um sorriso misterioso.


Maria Caiano Azevedo