SEGREDOS – CAPÍTULO XXVIII
A nora abraçou-a com ternura e voltou-se para lhe apresentar
André.
Ao vê-lo Nanda sentiu-se desfalecer. Com uma enorme vertigem
só a cadeira onde se apoiou impediu que tombasse
no chão…”
CAPÍTULO XXVIII
Aqueles olhos azuis, dum azul tão profundo como nunca vira
outros! Perfeitamente iguais aos de Miguel e de Juliana…
Como num flash, rapidamente as imagens perpassam pela mente
de Nanda
Alessandro a começar a sua estadia em Portugal passando um
tempo no Porto, antes de se mudar para Lisboa, onde continuou o seu trabalho de
investigação… André dado para adopção à
nascença… Agora entendia tudo!
Voltou a fitar André, pensando:
- Aqueles olhos azuis que nunca pude
esquecer…
Avançando para ela rapidamente, Miguel impediu que Nanda
caísse desamparada no chão.
Tentando recompor-se, pediu desculpas pelo incidente que,
mais uma vez, atribuiu a uma quebra de tensão.
O filho, verdadeiramente preocupado, declarou:
- Desculpa, Mãe, mas já são quebras de tensão a mais. Tu tens
de ser vista por um médico, urgentemente. O André, com certeza, conhece algum
de confiança, e na segunda feira vais consultá-lo.
- Meu filho, acredita que a minha saúde está óptima Não
preciso de médico nenhum. Para além de que, na segunda feira já temos de estar
em Lisboa, eu e a Giuliana. Agora quero é falar com o teu amigo.
E voltando-se para André:
- Eu não queria vir incomodar com a nossa presença, mas o
Miguel disse que ficarias aborrecido se fôssemos para um hotel… por isso aqui
tens mais duas hóspedes – e
dirigiu-lhe um sorriso luminoso.
- Pois o Miguel falou muito acertado! Eu não ia gostar nada
de saber que a encantadora mãe do meu melhor amigo ia hospedar-se num hotel
tendo aqui uma casa tão grande à sua disposição. – dizendo isto sentou-se junto de Nanda
como se a conhecesse de há longo tempo.
- Até o charme e o tom de voz são iguais aos do Alessandro,
apesar do seu ligeiro sotaque nortenho – pensou Nanda.
- E agora que as coisas estão esclarecidas vamos ao que
interessa. O que é que a senhora quer para o jantar? Carne ou peixe?
- Antes de mais nada, por favor, manda embora a senhora – disse, rindo. Eu sou a Nanda, e é
assim que quero que me trates.
- Pois que seja. A senhora que saia e que entre a Nanda! – respondeu André, bem disposto. Mas
a empregada está à espera de saber o que fazer para o jantar…
- Queres saber a verdade? Geralmente, o meu jantar são umas
torradas com um chá… por isso manda preparar o que os outros preferirem, pode
ser?
Miguel interveio:
- Tu não sabes o que aí está, com a mania das dietas. Não
pode sentir um grama a mais sobre este lindo corpinho…
- Pois não vejo que haja razão para preocupações. A Nanda tem
um corpo perfeito, exactamente como a minha mãe. E olhe que ela só come alface,
como eu lhe digo, por brincadeira.
- Ah! A tua mãe também tem cuidado com a alimentação? Pois
faz ela muito bem!
- A Nanda nem imagina. Agora os meus pais foram passar um mês
ao Algarve – como têm lá um apartamento vão todos os anos. Pois um mês antes de
irem a minha mãe andou em dieta rigorosa “para poder caber no biquíni” – dizia
ela – e deu uma
sonora gargalhada.
Depois, em tom sério:
- A Nanda sabe que eu sou adoptado… o Miguel deve ter-lhe
dito…
Nanda tartamudeou, sem saber bem como reagir:
- Sim, tenho uma vaga ideia de ele me ter dito qualquer coisa…
- Eu sempre soube, desde pequenino; os meus pais nunca me
esconderam nada. Na verdade são uns pais maravilhosos, não poderiam ser
melhores. De tal modo que não tenho, nem nunca tive, curiosidade em saber quem
são os meus pais biológicos.
-É muito bom que te sintas assim; é sinal de que te deram
muito amor.
- Ah sim, sempre se esforçaram para que eu não sentisse que
não era do seu sangue. Vou-lhe dizer uma coisa que a minha mãe me contou e que,
sempre que penso nisso, sinto por ela uma ternura indescritível.
Quando eles me receberam eu era um bebé de poucos dias,
praticamente recém nascido. Como a Nanda certamente sabe a minha mãe é bióloga,
trabalha num laboratório de análises clínicas. Pois ela meteu uma licença sem
vencimento de seis meses, para poder estar em casa comigo 24 horas por dia.
Durante o primeiro mês da minha vida, a minha mãe passava horas e horas deitada
na cama comigo sobre o seu peito, aconchegando-me, como se quisesse fazer-me
sentir que eu tinha vindo de dentro dela – parou, visivelmente emocionado.
Nanda não resistiu e segurou entre as suas a mão que ele
tinha pousado no sofá, entre ambos. Sentiram como que uma força a uni-los.
Depois André continuou:
- Penso que foi esse procedimento que criou entre nós uns
laços tão fortes que nem mesmo a morte poderá quebrar. E creio que também
contribuiu para que eu não queira outros pais. Os meus pais são os que me criaram e sempre amaram, e ninguém
mais os pode substituir.
O momento era muito emotivo. Nanda sentia um nó na garganta,
pensando que, na verdade, mãe é aquela que cria e dá amor, e não a que dá à
luz. Não gostava de julgar ninguém, mas não pôde impedir-se de imaginar como
fora possível a mãe do André abandoná-lo à nascença. Mas, de imediato, corrigiu
o seu pensamento: “Quem sabe as razões que a obrigaram a tal procedimento? E
a dor que terá sentido? Nanda – ralhou consigo própria – não faças
juízos temerários! E, abanando imperceptivelmente a cabeça, procurou
afastar esses pensamentos.
Quando se retiraram para os quartos Nanda telefonou a Bela,
dando-lhe conta de como decorrera o seu dia. A amiga mostrava-se triste,
inconsolável, e inconformada com a decisão do tribunal respeitante a seu pai.
As palavras de Nanda para tentar consolá-la de pouco valiam:
- Minha querida, tu tens de compreender que o que o teu pai
fez foi muito grave, não podias esperar que ele fosse absolvido.
- Eu sei tudo isso, e nem imaginas como me sinto cada vez que
penso nas suas atitudes. Mas… que posso eu fazer? O sangue fala mais alto. E
se, por um lado, eu entendo que ele merecia castigo, ao mesmo tempo sinto uma enorme
revolta contra a minha mãe, que originou tudo isto.
- Desculpa, minha querida, mas não posso concordar contigo. A
tua mãe não tem culpa nenhuma das más acções do teu pai. Mas não penses que não
te compreendo… Tu sempre foste a “menina do papá”. Ele adorava-te e tu
correspondias-lhe de igual forma. Já com a tua mãe as coisas eram diferentes.
- Concordo. A minha relação com o meu pai sempre foi muito
mais forte do que com a minha mãe. Os nossos feitios eram muito diferentes,
maneiras de pensar perfeitamente antagónicas, frequentemente entrávamos em
conflito. Principalmente quando eu era solteira a vontade dela era soberana,
punha e dispunha da minha vida como lhe aprazia. Ao contrário do meu pai, que
me satisfazia todas as vontades. Talvez por isso me custe tanto aceitar a
condição em que ele agora se encontra.
- Eu entendo-te perfeitamente – respondeu Nanda. Mas não podes
esquecer que, até certo ponto, o juiz foi bastante benevolente. Com os crimes
de que o teu pai era acusado a sentença podia ser muito pior. Ele teve em
atenção a idade e a doença de coração de que o teu pai sofre e que, de um
momento para o outro, pode pôr-lhe fim à existência.
- Eu sei, mas já viste o que é passar o resto da vida em
prisão domiciliária? E logo o meu pai, que não parava em casa…
- É certo que não vai ser nada agradável, mas pior seria
ver-se enfiado numa prisão – Nanda tentava aligeirar o assunto, ao mesmo tempo que não
podia evitar sentir que “Deus não dorme”. Rematou:
- Olha, meu amor, vai descansar. Se for preciso toma qualquer
coisa para ajudar-te a dormir. Em momentos assim não faz mal um comprimidinho.
Dentro de dois dias já estou aí novamente e vamos almoçar juntas. Amo-te!
Foram de tal modo bons os dois dias que passaram no Porto
que, mal se aperceberam, estava na hora de regressar.
Depois dos habituais abraços e promessas de que em brave voltariam a ver-se,
Nanda e Giuliana puseram-se a caminho, rumo a Lisboa. Na viagem de regresso
ambas se sentiam bastante melancólicas, com pouca vontade de voltar à rotina
habitual.
Chegaram a casa bastante tarde já que tinham atrasado ao
máximo a saída do Porto. Apetecia-lhes ficar por lá mais tempo, mas o dever
chamava-as.
No dia seguinte voltaram à rotina normal: Giuliana à Torre do
Tombo e Nanda à ourivesaria.
A meio da manhã Nanda telefonou a Bela. Combinaram almoçar
juntas, lá mesmo no centro comercial, para não perderem muito tempo.
Bela foi pontualíssima. Nanda, saindo da loja, abraçou
demoradamente a amiga, que se desfez em lágrimas. Desde que o pai tinha
recebido a sentença elas ainda não se tinham encontrado.
Encaminharam-se para a zona da restauração e, depois de
sentadas e feito o pedido, puderam iniciar a conversa.
- Olha, minha querida, tu tens de reagir. Sei que o momento
que atravessas é extremamente doloroso, mas tens de pensar que a vida continua.
O teu pai pôde viver sempre como quis, e a verdade é que tudo
lhe correu sempre de feição. A vida nunca lhe foi madrasta. Sempre ganhou muito
dinheiro, o que lhe permitiu um nível de vida muito acima da média,
proporcionando, tanto a ele como à família, todo o conforto que desejassem.
- Claro que sim. Na nossa casa não faltava nada, a minha mãe
nunca soube o que eram dificuldades, nunca precisou de trabalhar, dedicava-se a
obras de caridade, no que era acompanhada pela tua mãe, lembras-te?
- Sim, lembro-me muito bem – respondeu Nanda, ao mesmo tempo que pensava que não
havia comparação possível entre as mordomias de que gozavam as duas famílias. O
pai de Bela era dono de uma empresa muito rentável, e tinha uma fortuna
considerável, enquanto o seu próprio pai tinha um excelente ordenado, sim, mas
era apenas um funcionário superior de uma grande empresa, e não dono dela. E
continuou: Elas eram bastante amigas, e lá faziam a sua caridade.
- Ora, a tua mãe sim, era genuinamente boa e caridosa; a
minha andava naquelas andanças só por vaidade – Bela respondeu num tom mordaz.
- Talvez tenhas um bocadinho de razão, mas, no meio em que a
tua mãe se movia, todas as senhoras se dedicavam à caridade – e acrescentou, com um sorriso: Pelo
menos, aos chás de caridade.
Bela não pode deixar de sorrir com vontade com a observação
da amiga, que retratava bem a realidade. Nanda continuou:
- E agora, o que tencionas fazer? Voltas para a empresa?
- Para já meti férias para poder pensar bem no assunto. Mas o
mais certo é não voltar para lá, até porque a minha mão tenciona vender tudo.
E, agora que está divorciada, quer fazer partilhas e ir viver com a irmã, a
minha tia Clotilde, a que vive perto do Porto. Elas sempre se deram muito bem,
é natural que queiram viver juntas.
- A mim parece-me uma excelente ideia. E até percebo que te
custe voltar a trabalhar na empresa que era do teu pai, agora que ele não está
lá. Por outro lado, se a tua mãe fizer as partilhas, tu certamente ficas com
dinheiro suficiente para abrires uma empresa…
- De modo algum! – respondeu apressadamente Bela.
- Só a ideia de ficar perto de ti já
me agrada – respondeu Bela, finalmente com um
grande sorriso a iluminar-lhe o rosto.
- Vou pôr-me em campo, a ver se
descubro alguma coisa – Nanda esboçou um sorriso misterioso.
Maria Caiano Azevedo