SEGREDOS – CAPÍTULO XVII
SEGREDOS – CAPÍTULO XVI
“…A custo, separaram-se. A pedido de Alessandro Nanda saiu, como
se fossem encontrar-se mais tarde, talvez para almoçar…
Foi a última vez que se viram. O contacto, por
carta, manteve-se por largos meses, mas mesmo esse elo acabou por se quebrar.
Nanda ficou com uma recordação para toda a vida…”
SEGREDOS –
CAPÍTULO XVII
Imersa nos seus
pensamentos que, ao mesmo tempo que lhe causavam uma saudade enorme também a
tornavam, inexplicavelmente, feliz, percorreu o caminho até sua casa.
Depois de tomar
um banho para tentar acalmar toda a excitação que ainda a dominava, trocou a
elegante roupa que usara para o encontro com o Araújo por outra mais confortável
e levou o Tejo ao seu habitual passeio matinal. Ele já estava ansioso à sua
espera, o que a levou a pensar que teria de começar a levantar-se mais cedo para
o levar à rua antes de ir para o trabalho. O pobrezinho não podia estar à
espera de que ela voltasse para ir fazer as suas necessidades fisiológicas…
Eram já horas
de ir ao encontro de Bela, com quem combinara almoçar, para lhe contar as
novidades. Aliás,
já estava ligeiramente atrasada relativamente à hora que tinham marcado. Nanda pensou consigo mesma: “Parece que
hoje é o dia de eu chegar atrasada a todo o lado…”
Assim, quando chegou ao
“Caminho de Casa”, o restaurante onde habitualmente comiam, a amiga já a
aguardava na esplanada.
Abraçaram-se efusivamente e,
depois de se beijocarem, escolheram uma mesa e sentaram-se.
A conversa só foi
interrompida para encomendarem o almoço. Escolheram salada para ambas já que
andavam a tentar perder peso.
Nem uma nem outra precisava
disso, mas preocupavam-se com umas gordurinhas embirrantes que teimavam em alojar-se
“naquela zona da cintura”. Sonhavam voltar a ter as “cinturinhas de vespa” dos
seus vinte anos…
Falaram de tudo e de nada,
como se há muito tempo não se vissem.
Nem parecia que conversavam
todos os dias, faziam caminhada juntas, e de vez em quando encontravam-se para
almoçar. Mas nunca lhes faltava assunto.
Esgotadas todas as
banalidades, Bela quis saber como tinha decorrido a entrevista com o engenheiro
Araújo. Fez questão de acentuar o “engenheiro” como forma de o colocar à
distância. Nanda percebeu perfeitamente a intenção dela, mas fez-se
desentendida.
- Correu lindamente,
muito melhor do que eu poderia esperar.
E descreveu, em traços
largos, quais iriam ser as suas funções.
- Vou ficar com uma
responsabilidade bastante grande, o que, até certo ponto, me preocupa um pouco…
- Não vejo qualquer razão
para isso – atacou
Bela, de imediato. Tu és competentíssima; tenho a certeza de que é ele, o
engenheiro, quem mais fica a ganhar com o negócio – e emendou rapidamente –
quero dizer, com o facto de ires trabalhar com ele.
Havia um certo azedume na
sua expressão. Ainda lhe custava aceitar que Nanda não tivesse querido ir
trabalhar com o seu pai.
Nanda ignorou o tom da
amiga, e acrescentou:
- É claro que vou ser muito
bem paga, por isso não me posso queixar…
- Ai sim? E pode-se saber
qual é a fortuna que o engenheiro te vai pagar? – acentuou o “fortuna”, em tom
depreciativo e ao mesmo tempo duvidoso.
- Claro que tu podes saber,
mas não quero que se fale no assunto.
E acercando a boca do ouvido
da amiga murmurou a quantia, num tom em que só ela pudesse ouvir.
Bela arregalou os olhos,
ficou uns momentos sem dizer nada, e só depois como que gaguejou:
- Bem, isso nunca ganharias
na empresa do meu pai… É certo que a responsabilidade também seria muito menor…
Mas, à primeira vista, tenho de concordar
que o engenheiro é bastante generoso.
E, logo de seguida, olhando
Nanda nos olhos, acrescentou:
- Minha querida, tu já
ouviste dizer que “quando a esmola é grande o pobre desconfia”, certo? Pois eu
não posso deixar de te alertar para o que receio venha a verificar-se.
- E que é… - incentivou-a Nanda.
- Que pode haver outro
interesse por detrás de tudo isso…
- Mas que interesse queres
tu que haja? – Nanda
não estava mesmo a ver onde a amiga queria chegar.
- Ó meu amor, então tu
não tens espelhos em casa? Linda e elegante como tu és, com todo esse charme de
mulher que arrebata corações, não estás a perceber o que eu quero dizer? Eu
tenho muito medo de que ele tenha segundas intenções a teu respeito…
Nanda soltou uma sonora
gargalhada.
- Mas que ideia tão estapafúrdia!
Quando tu conheceres o Araújo mudas radicalmente de opinião. Ele é uma pessoa
correctíssima, educada, sem o mais leve indício de brejeirice. Não, minha
querida, quanto a isso estás completamente enganada.
- Até pode ser… mas alguma
coisa me diz que “anda mouro na costa” (*)
- Tu e as tuas ideias… - rematou Nanda. Mas agora,
minha querida, tenho de me ir embora. O Tó Zé ligou-me do Alentejo a dizer que
estavam mesmo a acabar de almoçar e logo de seguida punham-se a caminho, pois
já tinham arrumado na carrinha tudo o que é para trazer. No fundo… devem ser as
roupas deles e pouco mais, já que estavam a viver num anexo do pai da Catarina.
- Espero bem que agora
fiquem em melhores condições. Já viste o que o Tó Zé lhes arranjou?
- Sim, estive lá há dias e
confesso-te que diquei admirada. O espaço ficou muito jeitoso, bem melhor do
que eu podia imaginar. Desta vez o Tó Zé excedeu as minhas expectativas - acrescentou Nanda, sorrindo.
Despediram-se com abraços e
beijos efusivos como era habitual entre elas.
Enquanto caminhava Nanda ia
pensando em como era grande a amizade que as unia. Há tantos anos que eram
amigas e só muito raramente se zangavam. E a verdade é que as zangas entre elas
nunca duravam muito tempo. “Eu nem consigo imaginar a minha vida sem a amizade
de Bela. Muitas vezes penso que se fossemos irmãs não nos amaríamos mais” –
Nanda sorria a esta ideia. “É engraçado que, sempre que penso nisto, me acode a
sensação de que há um segredo qualquer na vida de Bela que ela nunca me contou.
Mas… se comigo acontece isso… tenho de aceitar que o mesmo se passe com ela…”
Acelerando o passo não
demorou muito tempo a chegar próximo do armazém onde Tó Zé preparara o
apartamento para o filho. Não vendo a carrinha nas proximidades foi sentar-se
na esplanada dum café próximo, a aguardar a chegada do seu ex-marido, que agora
lhe trazia uma carga preciosa – o seu neto.
O pensamento voou-lhe para o
passado…
***
“Depois
do terrível desgosto da separação, Nanda passava os dias ansiando pela chegada
do correio. Alessandro escrevia bastantes vezes, mas as suas cartas eram sempre
muito pequenas, e não chegavam a mitigar a saudade imensa de Nanda. Pedia-lhe
sempre desculpa por não se alongar tanto como seria seu desejo, mas o tempo de
que dispunha era muito pouco. O trabalho absorvia-o dia e noite; o laboratório estava
na eminência de uma descoberta muito importante, em que o seu papel era
fundamental.
-
Mia cara, mi dispiace, ma sto lavorando molto.
Quando
passar esta fase já poderei escrever mais e até, talvez, ir passar uns dias a
Lisboa, nem que seja só um fim de semana.
Ela
escrevia-lhe longas cartas apaixonadas, onde deixava transparecer as saudades
imensas e o desejo ardente de voltar a vê-lo em breve. Expressava-lhe a
esperança de que o acréscimo de trabalho no laboratório terminasse depressa e
ele pudesse voltar a Portugal, nem que fosse apenas por alguns dias.
Nanda
continuava a encontrar-se todos os dias com Tó Zé. Depois de jantar ia até ao
portão do jardim onde, normalmente, ele já se encontrava, esperando-a.
Nas
longas conversas que travavam ela confidenciava-lhe as grandes saudades que
sentia de Alessandro, a tristeza que a ia consumindo cada vez mais, à medida
que os dias passavam. Tó Zé confortava-a com o seu carinho, aparando-lhe as
lágrimas que se iam tornando cada vez mais frequentes.
Numa
dessa noites Nanda abraçou-o com muita força, murmurando baixinho:
-
Tó Zé, tenho um segredo para te contar, mas tens de me prometer que não dizes
nada a ninguém.
-
E achas que é preciso recomendares-me isso? Sou ou não sou o teu melhor amigo?
-
Claro que és. Sempre o foste e continuarás a ser. Mas é que se trata de uma
coisa muito grave, que até tenho medo de dizer em voz alta…
-
Pois então diz-me baixinho, ao ouvido – tentou ele brincar, para aliviar a enorme tensão que
sentia nela.
-
Não brinques, que o caso é muito sério – repreendeu-o Nanda.
-
Desculpa, não penses que não te levo a sério. Vá lá, podes falar que te ouvirei
com toda a atenção
– agora ele adoptara um tom contrito.
***
Ao
ouvir chamar, em voz bem alta e alvoroçada: Mãe!, o pensamento desviou-se imediatamente.
Olhando para o outro lado da rua viu Luís ao lado da carrinha. Tinham acabado
de chegar.
Imediatamente
correu para ele, abraçando-o fortemente. Sem querer, as lágrimas assomaram aos
seus olhas, mas não se deu ao trabalho de as reprimir.
Ao
lado de Luís, com o bebé ao colo, a nora esperava, sorrindo. Por fim, Nanda
voltou-se para ela dizendo:
-
Tu és a Catarina, é claro! – e envolveu ambos, nora e neto, num apertado
abraço. Depois, suavemente, tirou-lhe o bebé do colo, olhando-o com uma ternura
infinita.
Duas
senhoras que passavam, detiveram-se por momentos, olhando-os.
-
Que cena comovente
– comentou uma
-
Parece um daqueles quadros antigos representativos da maternidade –
respondeu a outra.
Na
verdade, o amor do olhar de Nanda, observando o bebé, mais parecia uma
expressão maternal do que “avóternal” … (**)
Tó
Zé, junto à carrinha, observava-a. Repentinamente acercou-se de Nanda e,
abraçando-a, juntamente com o neto, murmurou:
-
Há muito tempo que eu não via uma cena tão bela e comovente. Sinto--me tão
feliz ao ver-vos, minha querida! – e os olhos encheram-se-lhe de lágrimas, que
tentou disfarçar.
Nanda
sentiu um aperto no coração. Num flash muito rápido viu-se, com os seus filhos
recém-nascidos no colo, e o ex-marido junto dela, acarinhando-os.
Com
um imperceptível encolher de ombros afastou-se lentamente e não pronunciou uma
palavra. Não o conseguiria fazer sem denunciar a sua emoção.
(*) – “Anda
mouro na costa” tem dois sentidos:
a) Há indícios da iminência de algo
inesperado e muito
problemático.
b) Há hipótese de aparecer um
pretendente amoroso.
(**) – Esta
palavra não existe, evidentemente. Trata-se de uma
liberdade
linguística da autora.
Maria
Caiano Azevedo
NO PRÓXIMO DIA 14 HAVERÁ POSTAGEM EXTRA – É DIA DE ANIVERSÁRIO, 12
ANOS!