Regressei de férias
ontem e um dos meus primeiros contactos foi com a Nanda.
Achei-a bastante
melancólica, o que não me causou estranheza, pois regressar de férias provoca
sempre uma certa nostalgia.
Comentando isso mesmo
com ela respondeu-me que não ia a pensar em férias, mas sim a lembrar-se do seu
passado e eu interrompera-a.
Murmurei uma desculpa
rápida, e mais rápido ainda, afastei-me, deixando-a entregue às suas
recordações…
CAPÍTULO XI
“… Nanda
olhou para o visor onde estava a indicação de “número desconhecido”. Pensou:
“Será ele? Ou algum daqueles chatos a fazer
publicidade que não interessa a ninguém?”
Decidiu atender. O seu coração teve um
sobressalto quando reconheceu a voz do desconhecido dessa manhã.
- Alô! – ouviu do outro lado. Como estás, cara mia?
Nanda ficou tão emocionada que nem conseguia
falar. Afinal, ele tinha ligado…”
CAPÍTULO XII
Depois de vários “alôs” do outro lado Nanda conseguiu
acalmar-se e, tentando não deixar transparecer a sua perturbação, respondeu,
com uma inocente mentira:
- Alô! Desculpa a demora em atender, mas estava tão
absorvida pelos estudos, que demorei um pouco a desligar do que estava a ler.
- Não tem importância – a voz de
Alessandro denotava grande alívio. E
continuou: Avevo solo paura che non mi avresti parlato – e acrescentou
rapidamente – Oh, scusa, eu quis dizer que apenas estava com medo de que não
quisesses falar comigo.
Nanda continuava muito agitada.
Ela que, normalmente, “tinha a resposta na ponta da
língua”, agora não lhe ocorria
nada para dizer. Por sorte ele continuou a conversar, dispensando-a de ter de
responder.
Contou-lhe que desde o encontro
dessa manhã não deixara de pensar nela, que tinha absoluta necessidade de
voltar a vê-la, que se isso não acontecesse ele iria … “perdi la testa,
entendes, perder a cabeça, enlouquecer, como vocês dizem…”.
E continuou verbalizando, no
seu português um tanto arrevesado, a atracção irresistível que sentia por ela.
Nanda limitava-se a ouvir, pensando que com ela se estava passando o mesmo, o
que a deixava desorientada.
“Eu sou uma pessoa com os pés
bem assentes na terra, não me deixo influenciar facilmente, não sou dada a
namoricos como a maior parte das raparigas da minha idade… não compreendo o que me está a acontecer…”
Acabou cedendo àquela voz que
tanto a transtornava, dizendo-lhe que amanhã o informaria da sua disponibilidade. “O final do ano
está à porta e todo o tempo é pouco para estudar. Mas vou arranjar um tempinho
para ti” – e rematou assim a conversa.
A mãe já viera duas vezes
perguntar-lhe se queria um chá e umas bolachas, e vira que ela estava a
conversar ao telemóvel. Não podia prolongar muito mais tempo o telefonema sem
correr o risco de ter de dar explicações à Mãe – o que ela não queria, de modo
algum, fazer.
Teve grande dificuldade em
voltar a concentrar-se nos livros. Só a sua enorme força de vontade e o pensar
que dos bons resultados escolares dependia a sua festa de anos a ajudou.
Depois de uma noite
agitadíssima, em que acordou imensas vezes e sempre com os olhos no relógio, a
madrugada acabou por chegar. Rapidamente se preparou para sair, mal tocando no
pequeno almoço. Foi bastante difícil, nas aulas, não deixar o pensamento voar
para Alessandro, com quem combinara almoçar. Como chegou bastante cedo à escola
teve tempo para lhe mandar uma mensagem marcando o encontro num “snack” não
muito perto, para não correr o risco de ser vista por Bela ou qualquer outra
colega.
Esse primeiro encontro não foi
exactamente como eles esperavam. Ambos estavam bastante tensos; parecia que
nenhum tinha nada para dizer, mas quando Nanda ia falar Alessandro começava
também a pronunciar uma palavra, atropelando-se um ao outro, acabando a rir
nervosamente.
Ele ainda conseguiu dizer-lhe que
se encontrava em Lisboa a colher elementos para uma investigação que se estava
a realizar num laboratório situado nos arredores de Milão, na qual ele
colaborava. Com a mesma finalidade fora
inicialmente para o Porto, onde se mantivera por cerca de um ano, e donde
regressara havia apenas duas semanas.
De pouco mais conversaram, até
porque não dispunham de muito tempo. Talvez por isso - mas não só - a vontade
de voltarem a ver-se apresentava-se premente, urgente, como algo que os
subjugava.
Nanda tinha noção de que não
podia perder tempo, todos os minutos contavam para os seus estudos, agora que
se encontrava na recta final; Alessandro não podia descurar o seu trabalho,
pois o seu director, lá de Itália, não lhe dava tréguas.
Apesar disso… passaram a
encontrar-se todos os dias. Como seria de esperar aquela ligação ia criando
laços muito fortes que, a cada dia que passava, mais os uniam.
Bela estranhava que a amiga,
ultimamente, andasse sempre ocupada, com “n” afazeres nos intervalos das aulas,
e que sempre que a interrogava, Nanda arranjasse desculpas esfarrapadas,
assumindo um ar comprometido. Até que um dia acabou por confessar que conhecera
“alguém” que a atraía mas, não querendo precipitar-se, preferia manter segredo
até ter formado uma opinião.
Bela mostrou-se felicíssima com
a notícia, mas não deixou de lhe fazer sentir que lamentava que não tivesse
confiado nela.
- Afinal, parece que não sou
a tua melhor amiga – murmurou, fazendo beicinho.
- Não sejas parva!
Quantas vezes preciso repetir que és, sim, a minha melhor amiga? Só que, neste
caso, como não tenho ainda certezas de nada, achei preferível aguardar…
- Tu e a tua eterna
prudência! Alguma vez irás “atirar-te de olhos fechados” seja para o que for?
Vive o amor, minha querida, as consequências não podem ser assim tão más…
- Eu com a minha
prudência – que tu consideras excessiva – e tu com a tua alegre leviandade – respondeu Nanda, a rir.
- Os extremos
tocam-se – Bela entrou na brincadeira,
bem-disposta, já esquecido o amuo anterior. A tua prudência e a minha
leviandade complementam-se, e é por isso que nos damos tão bem… Mas… não podes
dar-me só uma dica acerca dele?
- A única coisa que
posso dizer-te é que se trata daquele rapaz que quase me deitou ao chão no dia
em que fomos falar sobre a minha festa de anos – disse Nanda, querendo pôr um ponto final no assunto.
- O tal dos olhos incandescentes? – brincou Bela. Eu sabia que ele tinha mexido
contigo…Ah! mas tens de mo apresentar…
- Claro que sim, se
tudo der certo. Por enquanto estamos apenas a conhecer-nos. Depois, estou a
pensar convidá-lo para o meu aniversário…
- Ah! Assim está
bem, não vou ter de esperar muito. Na próxima semana acabam as aulas, e logo de
seguida é a tua festa de anos.
Desde o final do ano e a
perspectiva da entrada na Faculdade até o aniversário decorreram apenas três
semanas, que as duas amigas dedicaram à preparação da festa de anos.
Finalmente chegou o grande dia!
No meio de toda aquela agitação Nanda foi apresentando Alessandro como o seu
mais recente amigo. Quando chegou a vez de o apresentar à sua amiga Bela, esta mal
pode olhá-lo e pronunciar um rápido “olá, tudo bem?”, pois foi imediatamente
arrebatada pelo seu último admirador, que não queria perder um minuto da sua
atenção.
Quando, por fim, terminou a
parte “obrigatória” de festejar com a família e puderam seguir para a praia
onde o dono de um bar conhecido de Bela reservara o espaço para a festa, Nanda
sentia-se nas nuvens. Finalmente podia estar bem perto de Alessandro, com os
corpos colados a pretexto de dançarem.
Foi uma noite inolvidável que
terminou com o primeiro beijo. Até aí, embora muitas vezes o desejo de o fazer
fosse quase incontrolável, tinham conseguido evitar grandes intimidades. Nanda
não era de facilitar as coisas…
Os tempos que se seguiram foram
de verdadeira euforia. Nanda, com boas perspectivas de entrar na Faculdade,
dado os bons resultados que obtivera na escola, de férias e já com os seus 18
anos completos, sentia da parte dos pais uma grande complacência.
Tinham conhecido Alessandro, na
festa de aniversário, como amigo. Agora Nanda achou que era altura de lhes
confessar que eram namorados. Saíam juntos, iam à praia, ao cinema, enfim,
viviam intensamente o seu amor.
Com esta necessidade quase
obsessiva de se encontrarem Alessandro estava descurando um pouco a
investigação para a qual tinha sido destacado, o que lhe estava a valer algumas
chamadas de atenção por parte da sede, em Milão.
No início do namoro Bela
acompanhava-os; mas cerca de três semanas depois teve de partir com os pais
para a quinta, onde se demorou muito mais tempo do que o habitual.
Nanda lembrava-se que, na
altura, Bela alegara uma qualquer doença da mãe, qualquer coisa a nível
psicológico, e que ela tinha de a acompanhar. Pelo que conseguia recordar –
“mas já passaram tantos anos que a memória pode estar a atraiçoar-me… “-
teria havido problemas entre o casal e a mãe achara melhor estarem um tempo
afastados, pelo que foram, mãe e filha, para o estrangeiro.
***
Imersa nestes pensamentos Nanda
nem se tinha apercebido de que já chegara ao supermercado. Só quando a voz do “segurança” disse,
alegremente – Bom dia, dona Nanda! – é que ela “desceu à terra” e apressou-se a
ir fazer as compras.
Quando regressava, com um saco
em cada mão, ouviu o telefone tocar. Como era complicado, com os sacos das
compras, atender, deixou-o tocar, pensando:
- “Quando chegar a casa vejo
quem ligou e retorno a chamada”.
Maria Caiano Azevedo