O PINHEIRO
- Com tantos anos de vida ainda não consegui perceber porque me
apelidaram de “manso” - Pinheiro Manso – murmurou o frondoso Pinheiro, voltando as verdes e
finas agulhas na direcção de uma raquítica árvore que se encontrava a pequena distância.
- Ora, porquê! – respondeu a enfezada. Já
tivemos esta conversa tantas vezes! Está muito bom de ver. Deram-te esse nome
porque não tens a braveza dos teus primos, esses altivos pinheiros bravos, que
não se dão com os mansos, os baixotes, só querem viver nas alturas…
- Acho essa explicação demasiado simplista…
- Sabes qual é o teu problema? – continuou a enfezadita – é quereres
sempre saber a razão de tudo. As coisas são porque são, e pronto. Senão,
repara:
- Sempre vivi aqui ao teu lado, respirando o mesmo ar puro que
respiras, sugando o mesmo alimento puro com que te sustentas, recebendo o mesmo
sol radioso que te ilumina…
Entretanto…põe os olhos em mim e responde:
- És capaz de me dizer porque é que eu sou assim tão raquítica?
Não és, pois não? Eu também não sei, e vê lá se me preocupo…
- Xiu! – advertiu o
Pinheiro. Aproximam-se pessoas. A conversa tem que
ficar para mais logo. Agora cala-te, que eu faço o mesmo.
E
ficaram em silêncio.
Um
grupo de jovens caminhava alegremente em direcção ao Pinheiro.
Um
deles, o mais alto, loiro e de olhos da cor do céu, aparentando ser o líder,
abriu os braços ao alto e exclamou:
- Eu não vos dizia? Este Pinheiro não é
um espectáculo?
- Sim – responderam em uníssono os outros jovens. Tu és o maior!
- Claro que sou. Por isso sou o chefe. E
é como chefe que vos digo:
- Abram os braços, respirem fundo este
ar puro, aspirem este delicioso cheiro a pinheiro…
E
falando assim ele próprio executava os movimentos que convidava as companheiras
e companheiros a fazerem.
Por
breves momentos só se ouvia o seu respirar profundo. Mas logo de seguida
recomeçou a algazarra, rindo e falando muito alto, como se todos fossem surdos.
Um
dos rapazes tinha levado um “Tablet” e em breve o silêncio da mata se encheu com
os sons, em tom altíssimo, de uma canção em voga. A maior parte deles
acompanhou a música em altos berros. Até os insectos fugiam espavoridos.
Pouco
depois o líder disse:
- E se tratássemos das barriguinhas? A
minha já está a roncar…
- Excelente ideia! – responderam em coro.
E
todos, rapazes e raparigas, abriram as mochilas e retiraram de lá comida, copos
de plástico, garrafas de refrigerantes e até uma toalha de papel, que estenderam
cuidadosamente no chão e nela colocaram o lanche.
Sentaram-se
todos em círculo debaixo da copa densa, arredondada, em forma de guarda-sol, do
Pinheiro, e iniciaram o lanche alegremente.
Eram
já cinco horas da tarde, tinham feito uma grande caminhada para lá chegar, e o
almoço há muito tempo tinha sido digerido. Todos comeram com grande apetite.
Como
estava muito calor e a sede era muita, rapidamente esvaziaram
as garrafas dos refrigerantes.
Saciados
o apetite e a sede, colocaram junto ao tronco do Pinheiro as garrafas vazias,
copos, guardanapos… e até restos de sandes mordiscadas. Estenderam-se no chão,
à sombra. Uns conversando outros dormitando nem deram pelo tempo passar, de tal
modo se sentiam satisfeitos.
O
sol começava a esconder-se quando o líder exclamou:
- Ei, malta! Temos que nos pôr a milhas!
Não se esqueçam que nos espera uma boa caminhada. Já vamos chegar a casa de
noite…
Puseram-se
todos de pé e, sem mais demoras, iniciaram a descida. Ninguém se lembrou de
recolher o lixo que tinham colocado junto ao Pinheiro.
Ouviu-se
um profundo suspiro. O Pinheiro murmurou, tristemente:
- Já viste, vizinha? Respiraram o nosso ar puro, sorveram o
nosso belo aroma, aproveitaram a minha sombra, nem sequer respeitaram a paz e o
silêncio de todos estes seres que aqui vivem e, como agradecimento, foram-se
todos embora deixando para trás o lixo que trouxeram com eles…
- Já devias estar habituado, Pinheiro. É sempre assim…
Algum
tempo depois podiam ver-se numerosas gotas transparentes pendendo das agulhas, agora
escuras.
- Orvalho – dizia quem passava.
Não,
não era orvalho, eram lágrimas de tristeza.
Lágrimas,
sim, que as árvores também têm sentimentos.
Mariazita