domingo, 20 de dezembro de 2020

EM TEMPO DE NATAL

 POR FALAR EM NATAL…


Ao virar da esquina dou de caras com a Nanda.

Ao virar da esquina? Mas qual esquina, se eu não saio de casa? Há aqui qualquer coisa que não bate certo…

Com um ar prazenteiro, ao ver-me, o seu rosto iluminou-se num enorme sorriso – muito sorri e ri esta mulher!!!

Até aqui tudo bem… A Nanda é mesmo assim – muito risonha. O melhor que tenho a fazer é ficar na minha. Aguardar.

Aproximando-se rapidamente apertou-me num forte abraço.

Afasto-me apressadamente, repreendendo-a:

- Estás a esquecer-te da Covid? Onde está o respeito pela distância social?

Em resposta deu uma forte gargalhada:

- És mesmo pateta! Então não vês que é um abraço virtual? Desses podes dar e abusar!

Fiquei sem fala. Como é que eu não me tinha lembrado disso? Pois é. Abraços, beijos, toda a espécie de carinhos, desde que sejam virtuais, não contagiam ninguém.

Resolvo entrar na brincadeira. Afinal, que tenho eu a perder? Se tudo isto é virtual, não corro nenhum risco, mesmo que saia de casa. Virtualmente claro!

Esta Nanda tem uma grande cabeça!

Depois de acalmar o riso ela continuou:

- Ainda bem que te encontro. Queria muito falar contigo sobre um assunto que me preocupa.

Fico feliz. Afinal, falo com ela apenas uma vez por mês. Qualquer conversinha extra é sempre bem-vinda.

- Pois se te preocupa diz já. Sabes bem que estou sempre pronta a ouvir-te.

- Sim, eu sei. É assim: Eu ando muito cansada!

Foi então que reparei bem no seu aspecto e vi que, de facto, não aparentava aquele ar fresco que lhe é habitual. À primeira vista eu não tinha notado. Nanda costuma andar sempre tão bem arranjada como se tivesse acabado de sair do instituto de beleza.

Foi, pois, com a maior compreensão que a incentivei a desabafar.

- E a que se deve todo esse teu cansaço?

- Às gravações. Têm de acabar! Já duram há mais de um ano. Por isso… vamos apressar o fim. Não faças esse ar… Eu sei que há muitas coisas que se poderiam ainda contar… Mas eu já não aguento mais.

- Ah! Então tu queixas-te de cansaço por falares para o microfone. E eu, que tenho de ouvir e escrever tudo o que tu dizes, não tenho motivos para estar cansada?

- Cada um sabe de si, minha querida Mariazita. Se quiseres acrescentar alguma coisa da tua autoria… é contigo. Tu conheces a minha história tão bem como eu. Por mim, já decidi: vou esquecer tudo o que ainda poderia dizer sobre o pai da Bela, sobre a minha vizinha Carla (que também tem os seus segredos); e sobre o Araújo (que não é o santinho que parece… mais um segredo). Tudo isso… esquece!  Enfim, prepara-te para os “finalmentes”.

- Tudo bem, minha querida, tu é que sabes, a história é tua.  Acaba-la quando e como quiseres. Os “finalmente” vão ser muito demorados?

- Penso que em dois ou três capítulos conseguimos chegar ao fim.  E tu, meu anjo, não ficas zangada comigo?

- É claro que não!

- Então posso pedir-te um favor?

- Evidentemente que sim!

- Gostava de desejar MUITO BOAS FESTAS aos teus visitantes, comentadores ou não, e agradecer-lhes a paciência que tiveram para ouvir a história da minha vida. 

 

 

Fico a olhar para o ecrã à minha frente e assalta-me uma dúvida:

- A Nanda esteve mesmo aqui a falar comigo? Ou tudo não passou de um sonho?

Seja como for… e já que aqui estou... aproveito para vos desejar

UM NATAL MUITO FELIZ, COM MUITA PAZ, MUITA SAÚDE E ESPERANÇA NUM ANO MELHOR

 

Maria Caiano Azevedo

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

LIVRO EM CONSTRUÇÃO - SEGREDOS XXVI

 SEGREDOS – CAPÍTULO XXV

“… Sentiu um zumbido fortíssimo nos ouvidos; depois tudo escureceu à sua volta. Começou a cambalear. Foi apoiada por Luís que a transportou em braços, desmaiada, para o sofá…”


 SEGREDOS – CAPÍTULO XXVI

Momentos depois, voltando a si, Nanda olhou para os rostos que a fixavam, ansiosos. Recompondo-se, murmurou:

- Desculpem! Tive uma quebra de tensão, com certeza. E acrescentou, com um sorriso: Que hora tão imprópria para isto me acontecer!

Dirigindo-se a Giuliana abraçou-a, com disfarçada emoção, dizendo:

- É um prazer muito grande conhecer-te e receber-te na minha casa. Espero que te sintas cá bem…

Giuliana deu-lhe um sonoro beijo abraçando-a com força.

- Tenho a  certeza de que me vou sentir como se estivesse na minha casa. Depois das coisas que o Miguel me contou não podia ser doutra forma – respondeu, reforçando o abraço. Ao estreitarem-se sentiam-se como se se conhecessem há muito tempo.

 Como que para aliviar o alvoroço que sentia dentro de si, Nanda alvitrou:

- E se fossemos lanchar? A comida que servem nos aviões não presta para nada.

Dirigiram-se à cozinha. Acompanhado por um odoroso chá saborearam o bolo, que todos elogiaram, dizendo que estava uma delícia.

Luís falou, com mal disfarçado orgulho, do seu pequeno rebento, ao mesmo tempo que justificava a ausência de Catarina:

– O Nani está ligeiramente constipado, e por esse motivo a mãe ficou em casa cuidando dele. Por isso é que eu gostava que vocês fossem lá jantar, para o conhecerem. E à Catarina também, claro.

Miguel pôs a mão sobre o ombro do irmão e desculpou-se:

- Não leves a mal, mano, mas, se não te importas, vamos deixar isso para quando voltarmos do Porto. Só lá vamos passar uma semana, e depois ficamos cá quase dois meses. Teremos muito tempo para nos encontrarmos. E hoje estamos muito cansados, levantámo-nos muito cedo…

- Eu compreendo, mano. A minha ansiedade é que é muita… Vamos guardar para quando vocês regressarem, sim.

À tardinha Luís despediu-se renovando a lembrança  de que se reuniriam todos, incluindo a Catarina e o bebé, quando o Miguel e Farida, regressassem do Norte.

Aproveitaram o dia seguinte, Sábado, para mostrarem a Giuliana onde se situava a Torre do Tombo, que ela passaria a frequentar a partir de Segunda-Feira. De seguida foram ao Centro Comercial, conheceram a Ourivesaria onde Nanda trabalhava, e almoçaram num restaurante lá mesmo, no Centro. De seguida voltaram para casa. Sentiam-se extenuados, a precisar de repouso, até porque no dia seguinte, Domingo, logo de manhã, continuariam viagem para o Norte.

E assim foi. Miguel  e Farida dirigiram-se à Gare do Oriente, onde apanharam o comboio para o Porto.

A viagem decorreu lindamente, e, após duas horas e quarenta minutos encontravam-se na Estação de Campanhã, onde o amigo, André, os fora esperar.

Depois dos cumprimentos da praxe Miguel  pegou no telemóvel e ligou para a mãe.

Nanda, depois de se informar sobre como tinha decorrido a viagem, disse:

- Meu filho, a tua vinda cá foi talvez a melhor coisa que me aconteceu nos últimos tempos. Mas, a par de toda a felicidade que senti, houve aquela minha quebra de tensão que parece ter afectado o meu raciocínio…

- Que disparate, mãe! Porque é que estás agora com essa conversa? Não te sentes bem? Se assim é voltamos já para trás… na verdade tínhamos feito melhor ficando ao pé de ti…

- Nem penses tal coisa, filho! Eu estou perfeitamente bem. Só que estava aqui a pensar que vocês não tinham nenhuma necessidade de ir de comboio, estar sujeitos a horários e todas essas maçadas… Podiam muito bem ter levado o meu carro. Afinal, ele está enfiado na garagem, não o levo para o emprego, só o uso ao fim de semana para ir às compras…

- Não, mãe, de maneira nenhuma! Viemos perfeitamente bem …

- Eu sei que esses comboios são muito confortáveis, mas, se tivesses levado o meu carro vocês tinham outra independência. Só que… lá está, eu fiquei tão desmiolada que nem me lembrei de falar nesse assunto…

- Olha, mãe, não penses mais nisso. Agora tenho de desligar, que o André está à espera. Ligo-te mais tarde. Um beijinho da Farida, e meus, muitos, muitos…

E, dizendo isto, desligou o telemóvel, pondo fim à conversa.

 

Embora fosse Domingo e, portanto, “dia de família”,  Nanda desculpara-se junto de Catarina por não ir lá almoçar, como habitualmente, porque achou que talvez a Giuliana não se sentisse muito à vontade. Afinal, ela tinha acabado de chegar a um país estranho e de a conhecer. E a verdade é que ainda havia muito tempo para ser apresentada à restante família.

Depois que o filho e a nora se despediram Nanda ajudou Giuliana a instalar-se no quarto onde dormira o casal, e depois foram ambas descansar um pouco, pois era ainda bastante cedo.

Nanda perdia-se nos seus pensamentos.

Miguel nada lhe dissera acerca de Giuliana para além de que era uma amiga muito querida, que andava sempre com ele e Farida, e se tinham conhecido na Universidade onde todos trabalhavam no departamento de investigação.

O resto ela própria teria de descobrir.

Passaram o dia juntas. Nanda conseguia aparentar uma calma que na verdade não sentia, pois olhar para a sua nova amiga fazia-a retroceder no tempo e voltar a sentir-se nos braços de Alessandro, tal era a semelhança daqueles olhos profundamente azuis com os dele. Tinha de saber de “quem” ela os herdara. Contudo, todo o cuidado seria pouco  para não se denunciar. Havia, entre elas, uma grande empatia, o que lhe provocava uma certa calma.

Felizmente o português de Silvana, que aprendera com o pai e aperfeiçoara com Miguel e Farida, era bastante razoável. Entenderam-se perfeitamente.

Rodeando as perguntas, Nanda ficou a saber que Giuliana nascera na Itália, e aí estudara e crescera. Mais tarde, ao dedicar-se à investigação, fora com um colega para a Bélgica, onde aprofundavam a História relacionada com as viagens do tempo dos Descobrimentos.

- Agora estamos investigando Cristóvão Colombo, e, entre os dois, fui eu a “sorteada” para vir a Portugal recolher os elementos necessários – disse com um grande sorriso cúmplice. Está-se bem a ver que a rifa foi aldrabada… - acrescentou com uma gargalhada.

- Então tu vives sozinha na Bélgica? E os teus pais ficaram na Itália? – aproveitou Nanda para perguntar.

- Não vivo sozinha; eu e o Lorenzo – o meu colega -  alugámos um apartamento com dois quartos e dividimos as despesas. Mas só isso – disse, com um sorriso malicioso. O meu pai vive em Itália, mas a minha mãe abandonou-nos há bastantes anos e foi para a América. Mais tarde divorciaram-se. Nunca mais soubemos nada dela. Penso que é por isso que eu e o meu pai somos tão agarrados um ao outro. O “mio caro Alessandro”, como eu gosto de lhe chamar, para o mimar, quando estamos separados e ele sente muitas saudades minhas.

Nanda sentiu um sobressalto, que a custo conseguiu disfarçar. Estavam confirmadas as suas suspeitas. Aqueles olhos não podiam vir de mais ninguém! Ela sabia! Giuliana era filha do “seu” Alessandro, não podia ser de outro. Não com aqueles olhos!

Saber que ele vivia sozinho causou-lhe uma estranha sensação de alegria. E, sem querer, o seu pensamento retrocedeu trinta anos, até à sua juventude.

O coração tumultuava-lhe no peito e ela fazia um esforço enorme para não denunciar os seus sentimentos.

Sem se aperceber da consternação de Nanda, Giuliana continuou a falar, dizendo como ela, Miguel e Farida se tinham conhecido por acaso, à entrada da Universidade, e de como tinham simpatizado logo os três uns com os outros.

- Eu tenho de confessar, gosto muito da Farida, sou muito amiga dela, mas, na verdade, sinto qualquer coisa muito especial pelo Miguel. E sei que ele sente o mesmo por mim.

Nanda, que novamente prestava atenção à conversa, deve ter mostrado um tal ar de aflição que levou Giuliana a acrescentar, rapidamente:

- Não fique preocupada, Nanda, nem a pensar “coisas” - riu-se ela.  O que sentimos um pelo outrosim, porque eu sei que o Miguel sente o mesmo que eu – é como que um amor fraternal, qualquer coisa de muito profundo, como se nos tivéssemos conhecido noutra vida – e riu de novo.

Nanda suspirou profundamente, o que provocou um sorriso em Giuliana.

- Não leves a mal a  minha preocupação, querida – disfarçou Nanda. Mas… tu compreendes… o Miguel é casado… e muito feliz…

- Ninguém melhor do que eu para o saber, Nanda. Afinal, acompanho-os para todo o lado, assim como eles a mim. Quase parecemos três irmãos siameses – respondeu Giuliana, bem humorada.

Entre animadas conversas, ver fotos de Miguel quando era bebé, e ir passear o Tejo, o dia voou.

Nanda, interiormente extenuada mas feliz, sugeriu não se deitarem muito tarde dado que no dia seguinte ambas tinham deveres a cumprir.

O sentimento que as unia foi crescendo ao longo do dia de tal modo que, ao despedirem-se, desejaram-se boas noites com um carinhoso beijo.

Já no quarto, preparada para se deitar, Nanda ouviu o toque do telefone. Ao ver, no visor, o nome de Bela, ficou aborrecida consigo mesma: durante todo o dia nem se lembrara da sua querida amiga.

Foi com certa ansiedade que atendeu:

- Olá, meu amor. Estava a acabar de me arranjar e ia já ligar-te – mentiu, talvez para aliviar a consciência. Sentia-se mal por estar tão feliz a ponto de se esquecer da sua amiga, quando ela estava atravessando um período tão triste.

- Resolvi ligar-te eu porque vou já deitar-me – respondeu Bela, com voz desgostosa. Amanhã tenho de levantar-me cedo. O meu pai vai ser julgado, e eu quero ir ao tribunal.

- Tem calma, meu anjo. O que tiver de ser… será. Nada podes fazer para o evitar. E não te apresentes lá com um ar muito preocupado, para não o afligires ainda mais…

- Vou tentar. Até amanhã, querida. Depois falamos.

 

Maria Caiano Azevedo

domingo, 1 de novembro de 2020

LIVRO EM CONSTRUÇÃO - SEGREDOS XXV

 SEGREDOS – CAPÍTULO XXIV

“… Agora somos apenas bons amigos…

- Sim, bons amigos unidos por dois filhos e um neto… Digo-te uma coisa, eu estive a reparar na maneira como ele olha para ti. Ainda há ali muito amor… E, por falar em amor, nunca mais soubeste nada do Alessandro? …”


SEGREDOS – CAPÍTULO XXV

Nanda encolheu os ombros e, simulando indiferença, respondeu:

- E como querias tu que eu soubesse? Nem faço a mínima ideia donde ele se encontra, presentemente. Tal como tu, apenas soube que foi para Itália, para dar andamento à tal investigação, e nada mais. Escreveu-me algumas vezes mas… tu sabes… longe da vista longe do coração. Quem sabe se não foi melhor assim? Cada um orientou a sua vida e seguiu o seu destino.

- Tens razão, mas ao mesmo tempo faz uma certa impressão pensar como pode morrer uma paixão assim tão grande, como era a vossa.

- Minha querida, como tudo, a paixão não vive sem alimento. E uma ou outra carta, de vez em quando, por muito inflamada que seja não é o suficiente para manter acesa a chama… É preciso muito mais do que isso…

- Mais uma vez tens razão, mas faz-me pena, sabes?

- Isso é porque hoje estás muito lamechas – Nanda riu alegremente. Passado é passado, não vale a pena chorar sobre leite derramado. Olha, vou fazer umas torradinhas e um chá – também tenho ali daquelas bolachinhas de canela que tu adoras… - vamos jantar e em seguida vou levar-te a casa.

Depois de deixar Bela com a recomendação de que tomasse “qualquer coisa” para a ajudar a descansar – “amanhã é dia de trabalho, não te esqueças, precisas de dormir” – Nanda regressou a tempo de levar o Tejo à rua, que já se contorcia com as suas necessidades fisiológicas.

Anoitecia. E, como sempre acontecia, esta hora do dia tornava-a nostálgica, trazendo-lhe à lembrança as recordações do passado que, normalmente, fazia por esquecer. “Como é que Bela se fora lembrar de Alessandro? Não se tinha passado nada durante o dia que a levasse a isso… Seria o facto de ter estado com Tó Zé, ao almoço? Mas isso não tinha muita lógica… Só ela própria e o ex marido é que sabiam que Miguel, o filho mais velho, era filho do Alessandro…” E continuou nos seus pensamentos…

 

“Sem dúvida, Tó Zé foi um verdadeiro cavalheiro! Passados quase trinta anos nunca revelou aquele segredo que me prometeu guardar. Nem mesmo naqueles momentos bem difíceis, depois de nascer o segundo filho, em que ele me acusava de não sentir por este o mesmo amor que sentia pelo mais velho – “isso acontece porque o Miguel é fruto  da tua grande paixão” – acusava Tó Zé. 

Ele dizia estas coisas, acusava-me, mas sempre e só de portas para dentro, nunca deixou transparecer a mágoa que, no fundo, sentia, por não ser o pai de Miguel.

Pensando bem… foi a partir do nascimento do Luís que o nosso casamento começou a tremelicar… Meteu-se-lhe na cabeça que eu dava mais mimo ao Miguel e, casmurro, ninguém o convencia do contrário. Como se uma mãe pudesse amar mais um filho do que outro! Ideias destas só mesmo na cabeça de um homem, que não sabe o que é o amor maternal.

A verdade é que foi pena as coisas começarem a descambar. Podíamos ainda hoje estar casados e felizes…

Depois começou a dar atenção àquelas galdérias que iam lá à loja, todas derretidas para cima dele. Umas ordinárias é o que elas eram! Sabiam muito bem que ele era casado mas não se importavam nada com isso. Bem,  o que é certo é que elas também não queriam casar com ele, só queriam “dar umas cambalhotas” e seguir em frente. E eu não posso esquecer que o Tó Zé era um rapaz bastante atraente, e, quando queria, sabia ser irresistível.

Já nem me lembro quando foi a primeira noite que ele não dormiu em casa! Com a desculpa esfarrapada de que tinha de ir levar uma encomenda grande não sei onde… só apareceu em casa no dia seguinte.

Mas teve azar porque eu, de parva, nunca tive nada… e ele também foi descuidado e deixou no bolso das calças a conta do hotel para duas pessoas, que eu encontrei quando pus as calças para lavar.  Era só somar dois mais dois… e o mistério foi desvendado.

A partir daí as coisas entortaram de vez. Ainda nos aguentámos uns tempos mas depois decidimos, de comum acordo, que o melhor era separarmo-nos. Este “comum acordo” foi relativo, porque ele preferia continuar casado… e a ter outras mulheres por fora.

Mas enfim, o destino tem de ser cumprido, e o meu era acabar sozinha, como agora estou. Bom, sozinha é um modo de dizer, tenho junto de mim um filho e um neto que amo muito. E uma nora, é claro. Ela é muito boazinha, e faz o meu Luís muito feliz. E ainda tenho o Miguel, aquele filho tão querido de quem tenho já tantas saudades!”

 

Como se quisesse vir ao encontro dos seus pensamentos o telemóvel tocou. Com grande alegria viu tratar-se de Miguel. Foi com voz em alvoroço que atendeu:

- Miguel, meu querido filho, estava agora mesmo a pensar em ti!

- Agora mesmo? Então tu não andas sempre comigo no pensamento? – riu Miguel.

- Sabes bem que sim, mas num cantinho muito especial, só teu, , deixando espaço para que eu possa pensar noutras coisas – Nanda alinhou na brincadeira.

- Eu entendo. Olha, Mãezita, adivinha o motivo deste telefonema.

Quando o filho a tratava por Mãezita era sinal de que estava particularmente bem disposto.

- Prefiro não me pôr a adivinhar – Nanda não queria criar falsas esperanças.

- Tu e as tuas superstições! Mas podes adivinhar à vontade. Aliás… evidentemente que já sabes do que se trata. Vamos aí de férias! Pronto, já está dito!

Embora desconfiasse que fosse isso mesmo, Nanda sentiu uma alegria enorme.

- Que bom, meu filho. Estava a ver que nunca mais chegava esse dia. Há quase dois anos que não vens cá…

- Que exagerada, Mãe. Mas olha, tenho um grande favor a pedir-te.

- Sim. Diz. Já sabes que podes contar sempre comigo…

- Eu sei. É o seguinte: Nós temos uma amiga - muito amiga, é quase como se fosse da família – que trabalha também em investigação, embora num ramo diferente do nosso. Ela tem de ir a Portugal fazer umas consultas na Torre do Tombo. Está a compilar documentos para, em conjunto com um colega, escreverem um tratado sobre Cristóvão Colombo, o “genovês”.

Parece que querem tirar a limpo se ele era português ou italiano – riu  Miguel, continuando:

Ela vai ter que ficar aí algum tempo, e lembrei-me que talvez tu não te importasses que ela ficasse aí em casa…

Nanda, apanhada totalmente de surpresa, ainda tentou reagir:

- Mas, meu filho, ter em casa uma pessoa que não conheço, sinceramente não me agrada muito…

- Mãe, tu só dizes isso porque não a conheces. Confia em mim. Ela é uma doçura de miúda, tenho a certeza de que te vais apaixonar quando a conheceres…

- Sendo assim… O que é que posso recusar-te?

- Nada, Mãezita, nada! – riu Miguel.

De repente, Nanda lembrou-se:

- Mas… estás a esquecer-te de uma coisa. Eu só tenho dois quartos – o meu e o quarto de hóspedes, que é onde tu dormes com a Farida, quando cá vêm. Onde vamos deitar a tua amiga?

- Quanto a isso não há problema, está tudo pensado. Quando aí chegarmos ela dorme no sofá, na sala.

- No sofá, Miguel? Mas que disparate! Queres deitar uma hóspede num sofá, na sala? – Nanda mostrava-se entre admirada e indignada.

- Parece que não ouviste o que eu te disse da Giuliana – é o nome dela… A Giuliana é como uma irmã para nós. Se te faz impressão ela dormir na sala, até pode dormir num colchão no nosso quarto… - riu Miguel.

- Credo, meu filho, nem que eu tivesse que lhe ceder o meu quarto… - indignou-se Nanda. Mas pronto, se tu achas que pode ser assim, enfim, não é que me agrade muito, mas paciência.

- Sossega, Mãezita, quando conheceres a Giuliana vais te sentir como se a tivesses conhecido desde que nasceu – rematou Miguel, alegremente.

Não cabendo em si de contente Nanda ligou logo para Luís a fim de lhe dar a novidade. Como seria de esperar o filho ficou radiante:

- Que bom, Mãe! Já tenho tantas saudades do meu irmão! E, finalmente, ele vai conhecer o mais novo membro da família, o nosso Nani.

Essa semana passou a voar. Nanda não cabia em si de contente. E, apesar de ter uma empregada exemplar, que lhe mantinha a casa impecavelmente limpa, as horas que passava em casa eram ocupadas a fiscalizar tudo, a descobrir pó onde ele não existia, a mudar de sítio os bibelots porque lhe parecia que não ficavam muito bem onde estavam… enfim, não tinha um minuto de descanso. É que não lhe saía da cabeça a ideia de que ia receber em sua casa uma desconhecida, e não queria que ela tivesse nada a apontar-lhe. Apesar de tudo o que Miguel lhe dissera acerca da amiga, a tal Giuliana, não se sentia muito confortável com a ideia.

Na véspera da chegada do filho Nanda falou com Araújo explicando a situação e informando-o de que não iria tralhar no dia seguinte.

O engenheiro respondeu-lhe com um sorriso:

- E quando é que a Nanda pensa em meter férias? Há dois anos que aqui trabalha e só faltou um dia por outro. Não quer agora ficar uns dias com o seu filho?

- Obrigada, mas agora não vale a pena. Quando ele chegar só fica cá um dia e vai logo para o Porto, passar uns dias com um amigo que se vai ausentar. Quando ele regressar talvez aceite a sua oferta – respondeu Nanda, sorrindo.

- Olhe que não me vou esquecer – fingiu ameaçar Araújo.

Levantou-se “com as galinhas”. Depois de passar algumas horas sem quase conseguir dormir, saltou da cama e foi para a cozinha fazer um bolo e uns scones para o lanche. Miguel e Farida chegariam cerca das três horas, e queria estar totalmente liberta para os receber sem qualquer preocupação. Tinha convidado o seu filho Luís para almoçar e, com ela, aguardar a chegada do irmão.

Tinha sugerido ao Miguel ir esperá-los ao aeroporto mas ele dissuadiu-a de imediato. Ele sabia que a mãe não gostava muito de conduzir, especialmente por locais que não conhecia bem. O carro estava a maior parte do tempo dentro da garagem. Nanda conduzia por necessidade e não por prazer. Por isso, quando chegassem ao aeroporto, tomariam um táxi que os traria até ela.

 

Luís correu para a porta mal ouviu o toque da campainha. Nanda, com o coração aos saltos, de ansiedade, aguardou. Queria manter-se abraçada ao filho todo o tempo que lhe apetecesse.

O abraço que envolveu os dois irmãos continha muitas saudades acumuladas ao longo do tempo em que tinham estado sem se verem, e um grande, enorme, amor fraternal.

Em crianças brigavam muito um com o outro, entrando até, por vezes, na agressão física, ainda que sem gravidade. Tinham maneiras de ser muito diferentes.

Mas, à medida que foram crescendo e talvez por tomarem consciência de que estavam a ser criados e educados apenas pela Mãe, o que para ela representava um grande sacrifício e responsabilidade, adoçaram a sua convivência e, sem mesmo se aperceberem, foram-se tornando grandes amigos que, depois de jovens adultos, eram inseparáveis.

Por isso aquele abraço, após uma tão longa ausência, foi comovido para ambos, e comovedor para a mãe, que os observava em silêncio, enlevada.

Finalmente afastaram-se e Nanda pôde dar vazão aos sentimentos contidos, sem se preocupar com as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto.

Num gesto de imenso carinho Miguel enxugava-lhas, suavemente, murmurando baixinho:

- Então, Mãezita, ficas assim tão triste por me veres? Volto já para a Bélgica!

Nanda apertou-o com mais força, respondendo, com voz entrecortada:

- Só se me levares contigo…

Lentamente afastaram-se dando lugar a Farida, que os olhava sorrindo. Também ela gostava muito da sogra.

Depois de acalmadas as emoções e todas as manifestações de carinho Miguel afastou-se para o lado deixando à vista a amiga que se mantinha silenciosa, encoberta pelo casal, e disse:

- Mãe, esta é a amiga de quem te falei. Chama-se Giuliana.

Nanda desviou, finalmente, a atenção dos recém-chegados, voltando-se para Giuliana.

Como que assombrada, não conseguia afastar o olhar dos lindos olhos azuis que a fitavam sorrindo, ao mesmo tempo que uns braços se lhe dirigiam com a intenção de a abraçar.

Sentiu um zumbido fortíssimo nos ouvidos; depois tudo escureceu à sua volta. Começou a cambalear. Foi apoiada por Luís que a transportou em braços, desmaiada, para o sofá.

 Maria Caiano Azevedo 

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

LIVRO EM CONSTRUÇÃO - SEGREDOS XXIV

SEGREDOS – CAPÍTULO XXIII

“… E, a pensar no Miguel e em como deveria estar prestes a vir de férias, tranquilamente entregou-se aos braços de Morfeu.

Uma ou duas horas mais tarde, quem passasse por perto ouviria o respirar profundo do prédio adormecido…”

 

SEGREDOS – CAPÍTULO XXIV

Domingo é o dia dedicado à família em que vai almoçar com o Luís, a Catarina e o netinho. Às vezes, bastantes, Tó zé junta-se-lhes, levando sempre uma apetitosa sobremesa.

Passa a manhã levando o Tejo a passear – o que só faz aos fins de semana, e lhe dá um enorme prazer – e depois entretém-se a arrumar pequenas coisas que não deixa ao cuidado da empregada, enquanto ouve música suave que lhe transmite uma enorme calma e serenidade.

Ao escolher a roupa para vestir fá-lo com todo o cuidado, pois gosta de se apresentar sempre muito bem arranjada – no fundo, apesar de não o querer reconhecer, ainda quer impressionar o ex-marido.

E assim se passam, habitualmente, as manhãs de Domingo.

Naquele dia, o toque do telefone fê-la sobressaltar-se, embrenhada que estava nos seus pensamentos, antevendo a vinda de férias do filho Miguel.

Com espanto verificou tratar-se de Bela, o que não era usual – normalmente falavam, diariamente, à noite, antes de irem para a cama.

Foi com alguma apreensão que atendeu, e, com angústia, ouviu a amiga soluçar do outro lado da linha. Ficou aflita.

- Minha querida, mas o que é que se passa? Porque estás nesse estado?

Bela soluçava convulsivamente, e Nanda não conseguia perceber nada do que ela dizia, entre os soluços. Passaram-lhe pela cabeça mil e uma coisas, mas tudo suposições sem qualquer fundamento. Ainda no dia anterior tinham falado pelo telefone e estava tudo bem…

A custo conseguiu, por fim, entender:

- O meu pai… - e o choro não deixava perceber mais nada.

“Será que está doente? Ou pior, terá morrido? Para uma aflição tão grande, só uma coisa desse género…” - pensou

- Mas o teu pai… o quê? Por favor, tenta acalmar-te, doutro modo fico sem saber o que se passa…

Finalmente a voz de Nanda transmitiu-lhe um pouco de calma, e ela conseguiu articular:

- O meu pai foi preso! – e os soluços recomeçaram.

- Meu amor, procura acalmar-te um bocadinho. Eu vou já ter contigo. Só tens de me dar tempo para me arranjar. Em meia hora estou ao pé de ti. Mas, por favor, não fiques nesse estado.

Nanda preparou-se em tempo record e voou para junto da amiga. Encontrou-a irreconhecível, os olhos inchados de tanto chorar, ainda de pijama e sem qualquer make-up… Nanda sentiu uma dor enorme ao vê-la.

Abraçou-a com toda a força e começou a acarinhá-la como se fosse um bebé, fazendo-lhe festas e mimos, e deixando que as suas próprias lágrimas se juntassem às dela.

Sentaram-se no sofá da sala – Bela vivia num apartamento de apenas um quarto, já que, desde que se divorciara, há bastantes anos, nunca mais tivera nenhum relacionamento sério.

Aos poucos os soluços foram rareando e,   sentindo todo o carinho de Nanda, encostou a cabeça ao seu ombro e começou a falar.

- Ai! O meu coração parece que vai rebentar! - queixou-se.

- Tem calma e diz-me o que aconteceu – pediu Nanda.

- Olha, nem sei por onde começar… é tanta coisa!

- Começa pelo princípio, que é o melhor.

- Pois, só que eu nem sei qual é o princípio.

- Vejamos – ponderou Nanda. Tu disseste-me que o teu pai foi preso… certo? Então começa por me dizer os motivos que levaram a essa situação…

- Tu não vais acreditar! A minha mãe apresentou queixa do meu pai porque, segundo ela, ele molestava jovens, raparigas menores, entendes?

Nanda sentiu-se invadida por um turbilhão de sentimentos contraditórios – pena, pelo enorme desgosto da amiga, alegria incontida por se ver justiçada ao fim de tantos anos… em que tanto sofrera em silêncio, sozinha.

Estava como que paralisada, sem saber o que fazer ou dizer. Fazia um esforço sobre humano para não deixar transparecer a verdadeira euforia que começava a invadi-la. Dominando-se, perguntou:

- Mas como é que a tua mãe soube tal coisa? Para conseguir que o teu pai fosse preso deve ter reunido provas muito fortes…

Bela mostrava-se muito mais calma. Percebia-se que o facto de poder falar no assunto a aliviava bastante, pois foi em tom mais contido, que continuou:

- Na verdade, este assunto não é recente. Há muitos anos que a minha mãe sabia que o meu pai tinha casos extra conjugais, mas sempre pensou que seriam aventuras vulgares, com outras mulheres, nunca imaginou que houvesse meninas metidas no assunto. Por isso fingia  ignorar, fazendo por manter a situação aparentemente normal. Ele nunca desconfiou que ela sabia, o que o levou a começar a tornar-se menos cuidadoso. Isso facilitou muito o trabalho do detective que a minha mãe contratou.

- Dizes que a tua mãe há muito tempo tinha conhecimento da situação… E sabes há quantos anos isso já acontecia? – Nanda fez a pergunta a medo, ansiando e ao mesmo tempo receando a resposta.

- Não sei exactamente há quanto tempo, a minha mãe só me disse que o caso não é recente, que ele faz isso há vários anos.

- Ah! Agora estou a lembrar-me duma vez que tu acompanhaste a tua mãe durante meses, e me disseste que eles se tinham desentendido e a tua mãe decidira afastar-se por um tempo… Lembras-te?

- Sim, tenho uma vaga ideia – tartamudeou Bela.

- Pois olha que eu lembro-me muito bem. Foi por isso que não pudeste assistir ao meu casamento. Andavas lá pelo estrangeiro com a tua mãe… – insistiu Nanda.

Bela ficou em silêncio. Por momentos manteve os olhos baixos. Depois retomou a conversa apressadamente, como se não quisesse falar nesse assunto do passado.

Nanda sentiu uma espécie de arrepio – o que já lhe acontecera anteriormente –ao pensar  que a amiga guardava qualquer segredo daquela época, que nunca quisera contar-lhe.

Bela retomara a palavra:

- Mas, como se isto não bastasse, a minha mãe arranjou forma de correr com o meu pai da empresa. Como é sócia, não lhe foi difícil, com a ajuda do advogado, descobrir documentos altamente comprometedores, como contas offshore de que ela não tinha conhecimento… e coisas deste género, pouco claras…        

E agora aqui estou eu, entre os dois, sem saber o que fazer. O meu pai foi detido e vai ser presente ao juiz. O mais certo é não se safar, porque as provas que a minha mãe conseguiu comprometem-no até à raiz dos cabelos.

Sabes? eu não consigo entender como é que o meu pai, uma pessoa tão respeitável, que eu admirava tanto – eu tinha-o num pedestal! - foi capaz de rondar uma escola para aliciar uma miúda, metê-la no carro e levá-la para um desses hotéis que se prestam a este tipo de encontros. E o pior é que ele o fazia com alguma regularidade…

Bolas! Há tantas mulheres profissionais do sexo, porque é que ele havia de se interessar por miúdas menores?

Nanda sentia o coração bater aceleradamente, ao lembrar-se de que também ela fora vítima do assédio desse homem de quem estavam falando, e do qual se livrara apenas com a chegada da empregada. Passados mais de  trinta anos parecia-lhe ainda sentir contra si aquele corpo que a queria dominar, e ao qual ela, uma jovem de apenas quinze anos,  já mal tinha forças para resistir.

Teve de abanar a cabeça com força para expulsar estes pensamentos.

- Infelizmente há muitos homens que têm essa tara – conseguiu responder. Eu lamento aquilo por que estás a passar, minha querida, mas se tentares pôr-te no lugar dessas miúdas, vais ver que passas a encarar o eventual castigo que o teu pai venha a sofrer como uma questão de justiça…

- Eu sei… mas… é o meu pai. Não percebes que custa muito?

- Claro que custa muito! Mas nós temos de ser responsabilizados pelos nossos actos. Se assim não fosse viveríamos num caos – respondeu Nanda, com dureza.

- Eu sei que estás coberta de razão, Nanda, meu amor, mas não me peças para ser racional neste caso. Não hoje, pelo menos. É tudo ainda muito recente…

- Claro, meu anjo, desculpa se te pareço insensível. – e Nanda voltou a acariciar-lhe os cabelos beijando-a no rosto como se quisesse secar as já raras lágrimas.

Mantiveram-se em silêncio por alguns momentos. Foi Nanda que o interrompeu para dizer:

- Sabes o que estou aqui a pensar? É que tu vais almoçar comigo!

- Nem penses nisso! Hoje é o teu “dia da família”. Já foi mau bastante ter-te “alugado” para curtir as minhas mágoas – respondeu Bela com um meio sorriso.

- Tens toda a razão, é o meu “dia de família”. E tu não és da família? Tu és a minha irmã muito querida, que eu amo mais do que se fosses irmã biológica…

Bela abraçou-a com mais força e as lágrimas voltaram a assomar aos seus olhos. Nanda afastou-a docemente e disse, em tom peremptório:

- Vais tomar um belo banho e pôr-te linda como és sempre. Entretanto eu vou a casa para fazer o mesmo… Não queres que eu me apresente para o almoço com este fato de treino que enfiei à pressa para vir ter contigo… É ou não é? Depois passo por cá para te levar.

- Estás a tentar-me… A verdade é que hoje não sinto vontade de ir almoçar com a minha mãe, como é costume. Bem… na verdade costumava almoçar com os dois… - e o seu rosto ensombrou-se de novo.

Nanda levantou-se como que a dar o assunto por encerrado. Dirigindo-se à porta, disse, no tom mais alegre possível:

- Trata de te arranjar! E livra-te de me fazeres esperar!

Logo que se apanhou sentada ao volante sentiu uma vontade enorme de gritar bem alto : “Estou vingada! A justiça de Deus pode demorar mas não falha!”

De repente sentiu-se estranhamente leve, como se uma montanha lhe tivesse saído dos ombros.

O tempo que demorou até chegar a sua casa passou-o a cantarolar. De vez em quando lembrava-se de Bela e do seu enorme desgosto e murmurava: “Perdoa-me, meu amor, mas não posso evitar que esta enorme alegria inunde o meu peito!”

O almoço decorreu alegremente como acontecia sempre que se reuniam. Nani, o netinho, já se sentava à mesa, na sua cadeirinha alta, contribuindo em grande parte para o barulho que se instalava, batendo constantemente com a colher na mesa a reclamar comida. Tudo lhe agradava; mesmo a alimentos desconhecidos não torcia o nariz. Por isso estava forte e bem desenvolvido.

Terminada a refeição Nanda disse a Bela:

- Vamos para minha casa!

Ali chegadas Nanda fez todos os possíveis para evitar o assunto do pai de Bela.

Passaram a tarde falando de tudo, vendo fotos antigas, recordando os tempos em que eram umas jovens cheias de ilusões, depois o casamento da Nanda e o nascimento dos filhos, até que Bela comentou:

- Minha querida, o teu ex ainda continua apaixonado por ti.

Nanda deu uma gargalhada.

- Tu lembras-te de cada coisa! Onde vai essa paixão! Tenho de reconhecer que, durante alguns anos, fomos muito felizes. Depois… ele começou a andar com outras mulheres… e acabámos por nos separar.  Agora somos apenas bons amigos…

- Sim, bons amigos unidos por dois filhos e um neto… Digo-te uma coisa, eu estive a reparar na maneira como ele olha para ti. Ainda há ali muito amor… E, por falar em amor, nunca mais soubeste nada do Alessandro?   

 

Maria Caiano Azevedo