…Penso que a minha sexualidade ainda
não tinha despertado, o que só viria a acontecer, na prática e fisicamente,
depois dos dezoito anos.
SENTIDO INVERSO - Continuação
II PARTE
Naquela altura, com a
minha amiga, não sei o que senti. Espanto, talvez.
A verdade é que eu era, com certeza,
muito infantil, e com a educação algo severa dos meus pais, não tinha tido, ainda, devaneios amorosos…
A minha reacção foi, portanto,
afastar-me um pouco; mas ela puxou-me carinhosamente para si e começou a
beijar-me o pescoço ao mesmo tempo que tentava acariciar-me o peito, que já se
notava perfeitamente, fazendo antever o que viria a ser dentro de pouco tempo.
A minha amiga mostrou-se muito
compreensiva e não insistiu para eu ficar; apenas me disse que gostava que eu
fosse novamente estudar com ela, mas que avisasse com antecedência a minha Mãe.
Saí dali com as pernas a tremer. Tinha
a sensação de que o que se passara não era tão inocente como a minha amiga me
queria fazer crer. O meu sistema de alerta funcionara na perfeição, evitando
que eu pudesse ter a minha primeira experiência homossexual, para a qual não
estava minimamente preparada, e que poderia ser bastante traumatizante.
Ela ainda voltou a convidar-me meia
dúzia de vezes para ir a sua casa; mas, perante as minhas escusas, acabou por
desistir.
Não deixei de ser amiga dessa garota,
embora evitasse, daí para o futuro, encontrar-me a sós com ela, e recusasse,
sistematicamente, todos os seus convites que implicassem uma maior aproximação.
Nos anos que se seguiram até aos meus
18 anos nada de especial aconteceu no que respeita a experiências sexuais.
Penso que para isso muito contribuiu a
educação que a minha Mãe me dava: muito carinho, muito amor, mas muita
severidade também.
Ela conhecia perfeitamente os meus
horários escolares, e não admitia que eu chegasse a casa mais tarde do que o
tempo necessário para a deslocação. Para que tal acontecesse, tinha que ser
previamente avisada.
À medida que os anos passavam as
minhas formas iam-se arredondando, a cintura ficando mais fina e os traços do
rosto mais harmoniosos.
Contra isso a minha Mãe nada podia
fazer, a não ser comprar-me roupas bastante folgadas, que disfarçavam as minhas
elegantes formas.
Fora dos seus olhares eu colocava um
cinto que ajustava a roupa à cintura, porque cada dia sentia mais vontade de me
libertar daquela maneira de vestir arrapazada. Mas com a minha Mãe não valia a
pena insistir: a sua vontade era soberana. E depois… ela tinha uma maneira de
se impor, uma autoridade tão natural, que eu nem sentia que estava a ser
contrariada, mas sim convencida a
fazer o que não me agradava.
Quando as amigas dela a iam visitar a
eu aparecia para as cumprimentar,
não me poupavam elogios:
- Carminha – era assim que tratavam a minha
Mãe - como a tua filha está bonita! E tão elegante! É uma verdadeira estátua!
Só é pena que tenhas tão mau gosto para a vestir… Deve andar uma multidão de
rapazes atrás dela…
- Já tens namorado? – perguntavam,
dirigindo-se a mim.
Eu simplesmente corava e baixava a
cabeça; e antes que pronunciasse uma palavra a minha Mãe atalhava logo:
- Era só o que faltava! Ela tem é que
pensar em estudar, tirar o seu curso, estabelecer-se na vida, e depois então
pensar em namoricos. E ainda vai cedo! Eu casei-me com 28 anos e tenho tido
tempo para realizar todos os meus sonhos. Portanto ela fará o mesmo.
Não foi bem isso que aconteceu. Com os
meus 18 anos feitos iniciei a minha libertação, que implicava o corte do cordão
umbilical.
Comecei a sair à noite com as minhas
amigas, uma vez por outra, mas tendo sempre o cuidado de não chegar muito
tarde.
A minha Mãe chamava-me sempre a
atenção, embora não usando já aquele tom de exigência a que me habituara. Eu
respondia-lhe alegremente, com um ar que queria significar: a meninice já lá
vai, agora sou senhora do meu nariz.
Embora eu fosse muito obediente, ou
talvez por isso mesmo, sempre fui muito orgulhosa. Não gostava de mendigar; e
se alguma coisa que eu pedia me era recusada, eu simplesmente não insistia. O
meu orgulho não me deixava rebaixar-me. Recordo-me de cenas que aconteceram e
provam o que acabo de dizer, ainda eu era bem pequena.
Com esta maneira de ser e pensar não
me sentia bem comigo mesma ao querer liberdade para proceder a meu bel-prazer e
ao mesmo tempo ser dependente, economicamente, dos meus Pais.
Com 18 anos incompletos entrei para a
Faculdade de Direito, e, ao mesmo tempo que estudava, consegui arranjar
trabalho no escritório dum advogado amigo. De início fui ganhar muito pouco,
mas em breve o ordenado foi aumentado. Com a educação que recebera só podia ser
cumpridora… e o “patrão” era uma pessoa muito justa e honesta.
Foi assim que, aos 20 anos, já tinha
amealhado o suficiente para pensar em desligar-me completamente da casa
paterna, alugando um apartamento a meias com uma amiga.
Tinha, entretanto, arranjado um
namorado do qual desisti quando ele começou a querer um relacionamento mais
íntimo, o que não me atraía de modo algum.
Foi uma época bastante complicada,
emocionalmente. Lembrava-me, frequentemente, do incidente com a minha amiga de
escola.
E, sempre que o meu namorado tentava
uma maior aproximação, a imagem da minha antiga colega acudia-me à mente, e eu
sentia uma espécie de repulsa que me levava a afastar-me dele.
A minha colega de apartamento tinha
algumas amigas que eu não conhecia, e que a visitavam de vez em quando. Como eu
não mostrava interesse especial em conhecê-las, retiravam-se para o quarto para
não me incomodarem. Geralmente eu estudava na sala.
Um dia em que eu tinha ido sair e
voltei a casa porque me esquecera de um livro que me fazia falta, surpreendi a
minha colega no quarto com uma amiga. Tinham deixado a porta aberta e os sons
que pude ouvir não me deixaram dúvidas sobre as actividades em que se
encontravam.
Quando fechei a porta, depois de
entrar, a minha colega espreitou para fora do quarto e, ao ver-me, ficou com um
ar muito comprometido.
Para mim foi um grande choque, não
pelo facto em si, mas por ela nunca me ter dito ou sequer insinuado as suas
preferências sexuais. Afinal, vivíamos no mesmo apartamento, falávamos de tudo
abertamente…
Não me incomodou nada descobrir que
ela era lésbica. Isso não ma afectava minimamente. Incomodou-me sim a sua falta
de franqueza, tanto mais que eu a considerava uma amiga, e nela confiava
inteiramente, confiando-lhe, até, os “problemas” que tinha com o meu namorado.
No dia seguinte eu não trabalhei à
noite e fiquei na sala. Acomodei-me no sofá e liguei a televisão.
A minha amiga veio sentar-se junto de mim e
começou a falar: