domingo, 1 de julho de 2018

LIVRO EM CONSTRUÇÃO – SEGREDOS I


SEGREDOS – Capítulo I

Nanda começa a sentir-se cansada depois de tanto caminhar. Já está arrependida da decisão de voltar para casa a pé, tanto mais que os saltos altos não são nada confortáveis para caminhadas. Só a necessidade de pôr em ordem as suas ideias a levou a tomar tal decisão.
Vai de tal modo absorta nos seus pensamentos, que já ouviu algumas buzinadelas ao atravessar as ruas sem os devidos cuidados.
O seu pensamento viaja na direcção dos filhos, que estão longe.
 - O mais velho, Miguel, casado com uma italiana de nome Farida, a viver na Bélgica, com quem fala amiudadas vezes por telefone;
- O mais novo, Luís, presentemente a viver no Alentejo, agora de “casa e pucarinho” com uma alentejana, chamada Catarina. Este telefona uma vez por outra, sobretudo quando precisa de dinheiro: mudança de emprego, patrão que não paga a tempo e horas, uns exames para a Catarina, enfim motivos não faltam para justificar o pedido.
- Ao contrário de Miguel, Luís não perdeu tempo, e Catarina já está “de barriga”. - pensa Nanda.
E agora como irá ser? É impensável continuarem naquelas condições, lá longe, a viverem num barracão qualquer…
- Vou ter que pensar numa solução – decide Nanda, resoluta.
Vem-lhe à lembrança os tempos em que os dois filhos estavam ainda na sua casa.
Miguel estudara na universidade tirando o curso de física nuclear e fora para a Bélgica fazer uma especialização. E assim conhecera Farida.
Ao contrário, Luis nunca passara da mediania nos estudos. Depois de completar a escolaridade mínima obrigatória (12º.ano) começou a trabalhar. Mas, sem quaisquer habilitações, não arranjava nada de jeito; apenas lhe apareciam uns biscates de vez em quando. Por fim Nanda convencera-o a fazer um curso profissional. Escolheu electromecânica, tornando-se num excelente mecânico.
Enquanto não arranjava trabalho na sua especialidade resolveu ir até ao Alentejo para a apanha da azeitona. Aí conheceu Catarina, com a qual começou a namorar, acabando por viver juntos.

Por associação com o filho mais novo lembrou-se do seu ex-marido, Tó Zé. Raramente pensava nele, e cada vez mais o queria longe do seu pensamento.
A maior parte do tempo andava metido em complicações; troca-tintas profissional - já que era fornecedor de tintas e vernizes – sempre que podia vendia “gato por lebre”. Comprava tintas por atacado que misturava com água e outros ingredientes que só ele sabia, metia-a em latas pequenas com marcas de renome, e entregava-as a distribuidores tão “honestos” como ele, que as colocavam no mercado.
Mas nem sempre os negócios corriam bem - de vez em quando aparecia um ou outro que o metia em sarilhos e lá lhe saltava o verniz.
Acumulava o negócio das tintas com o de treinador de futebol da equipa feminina do Ramalhal  Futebol Clube e um belo dia trocou-a a ela, Nanda, pela guarda-redes da equipa, uma ucraniana com 1, 80 mt que nem precisava de levantar os pés do chão para desviar as bolas para canto. Para um canto do balneário, ao que lhe contaram mais tarde, desviou ele a loira e nunca mais pôs os pés em casa.
- Melhor só que mal acompanhada – pensara Nanda na altura.
- Para quê ter em casa um homem que só serve para me dar arrelias e preocupações? Que fique com a loira altarrona, que eu fico muito bem só com os meus filhos.
Mulher a quem nunca o trabalho meteu medo, Nanda tratou dos filhos, ainda pequenos nessa altura e tocou a vida para a frente. Mudou algumas vezes de emprego, até que lhe apareceu a oportunidade de entrar para a empresa EILA - Export & Import, Lda.  
A sua função era a de secretária da administração, nome pomposo que o Dr. Santos Costa   lhe arranjara, mas que ao fim e ao cabo melhor fora ter o título de “Faztudo”, pois era mesmo isso que fazia. Há  relativamente pouco tempo o Dr. Santos Costa   deixou o “Import” e exportou-se a ele mesmo para algures no estrangeiro; a empresa entrou em falência e fechou.
Agora ela estava no desemprego e andava mal disposta e adoentada. Isso a levara ao Centro de Saúde nesse dia, para pedir ao médico que lhe mandasse fazer umas análises e exames e lhe receitasse qualquer coisa que a fizesse andar mais descontraída. Precisava de arranjar emprego, não era mulher para ficar parada.

Enquanto esperava que o semáforo abrisse para os peões, Nanda levou a mão ao bolso e tirou um papel que leu pela 3ª vez: um nome e um número de telemóvel. Alfredo Araújo! Por causa dele é que agora já estava arrependida de ter metido pés ao caminho para regressar a casa.
- D. Fernanda? – ouviu chamar, mal tinha dado meia dúzia de passos depois de sair do Centro de Saúde. Um sujeito, também a sair do Centro, chamava-a.
 - Sim, que deseja? – perguntou admirada, pois não o conhecia. Pensou que se teria esquecido de qualquer coisa no Centro de Saúde, que lhe viessem entregar.
 - A senhora vai desculpar-me, mas eu ouvi a sua conversa com a D. Raquel do guichet ali do Centro, e gostaria de lhe dizer uma coisa.
Nanda ficou admirada e desconfiada; farta de conversas semelhantes estava ela. Resmungou mal-humorada:
- Não sabe que é feio ouvir as conversas dos outros,? Não o conheço de parte nenhuma. E ia a voltar-lhe as costas mas ele insistiu.
- A senhora com certeza não reparou, mas eu comecei por pedir desculpa… Acontece que o que tenho para lhe dizer pode ser bom para a senhora. Pareceu-me ouvir dizer que procura um emprego e apercebi-me que tem umas certas habilitações…
 - Sim, e depois? Tem algum emprego para administradora de um banco, para me oferecer? – interrogou com ar trocista.
- Não, isso não tenho, mas estou a falar-lhe a sério. Por favor guarde este cartão com o meu nome e telefone-me, se assim o entender, daqui a duas ou três semanas. Talvez tenha boas notícias para si, mas agora não posso dizer-lhe mais nada.
Meteu-lhe o papel nas mãos, despediu-se e virou-lhe as costas.
  
Este é o I Capítulo (sujeito a alterações) do livro que estou escrevendo, e que tem o título (provisório…) “SEGREDOS”.
Maria Caiano Azevedo