terça-feira, 14 de janeiro de 2014

INTERLÚDIO PARA A ILUSÃO

INTERLÚDIO PARA A ILUSÃO
(Mini conto ficcionado)

Completamente desconhecidos, cruzaram-se na rua.
Uma força irresistível obrigou-os a olharem-se.
Nesse momento SOUBERAM que algum dia, em qualquer lugar do Universo, os seus destinos iriam, também, cruzar-se.
Quando a cena voltou a repetir-se, Marcel resolveu segui-la. Daí a obter o seu número de telefone foi um salto de pardal.
Sozinha, fragilizada e carente, sentindo o peso da solidão como chumbo sobre os ombros, Marina aceitou de bom grado falar com aquele desconhecido que passou a preencher os vazios enormes que surgiam ao longo do seu dia.
Com a sua voz calma e agradável ele ia-se-lhe desvendando; ela ouvia-o atentamente, correspondendo à sua abertura, falando-lhe de si, expondo-lhe a sua maneira de ser, a formação que recebera na juventude (uma educação bastante severa, “à antiga”). Aos poucos iam-se conhecendo mutuamente.
Bem depressa Marina se apercebeu de que os seus universos eram muito diferentes. Os interesses em comum não eram muitos, mas a atracção que sentiam derrubava todas as barreiras. Havia sempre pretexto para amiudadas e demoradas conversas.
Como num filme em que os fotogramas se descontrolam e deslizam em grande velocidade, assim os acontecimentos se precipitaram.
O desejo de se encontrarem crescia a cada dia.
Apenas se haviam visto duas vezes na rua, de relance, e as longas conversas telefónicas começavam a revelar-se insuficientes. Precisavam ver-se, estar juntos, dar vazão àquele sentimento que não sabiam bem definir, mas se tornava tão forte que os subjugava.
Combinado o encontro, viveram, enfim, um amor estonteante, abrasador, que lhes parecia não ter fim.
Embrenhados na serra, ouvindo o som nostálgico do fado, ou percorrendo as ruas da cidade, experimentando sensações únicas, sentiam-se senhores do mundo.
Marina permitiu-se novos jogos de amor que nunca experimentara antes.
Inicialmente com muita relutância, - era tudo novo para ela, e o seu pudor natural inibia-a bastante – acabou por render-se aos apelos de Marcel, e entregar-se totalmente aos seus anseios.


Foram apenas uns poucos dias, não se podiam permitir mais tempo. A vida impunha-lhes deveres que tinham passado para segundo plano mas que, inexoravelmente, os chamavam à razão.
Voltaram a encontrar-se, mas algo se quebrara. As conversas telefónicas passaram a ser cada vez menos frequentes. Marina ainda sentia um frémito percorrer-lhe a pele quando ouvia a voz de Marcell. E pensava:
- É a voz! Sim, a voz dele ainda me perturba, mas perdeu quase todo o encanto. A ansiedade com que eu esperava o toque do telefone, esvaiu-se. Sinto-me, de novo, tão calma!
Encontraram-se uma vez mais. SOUBERAM que seria a última vez.

Acordaram para a realidade.
Olharam-se, desiludidos, com infinita tristeza.
Afinal, tudo não passara de um sonho.