terça-feira, 3 de setembro de 2019

LIVRO EM CONSTRUÇÃO - SEGREDOS XII

SEGREDOS – CAPÍTULO XII

Regressei de férias ontem e um dos meus primeiros contactos foi com a Nanda.
Achei-a bastante melancólica, o que não me causou estranheza, pois regressar de férias provoca sempre uma certa nostalgia.
Comentando isso mesmo com ela respondeu-me que não ia a pensar em férias, mas sim a lembrar-se do seu passado e eu interrompera-a.
Murmurei uma desculpa rápida, e mais rápido ainda, afastei-me, deixando-a entregue às suas recordações…

CAPÍTULO XI
“… Nanda olhou para o visor onde estava a indicação de “número desconhecido”. Pensou:
“Será ele? Ou algum daqueles chatos a fazer publicidade que não interessa a ninguém?”
Decidiu atender. O seu coração teve um sobressalto quando reconheceu a voz do desconhecido dessa manhã.
- Alô! – ouviu do outro lado. Como estás, cara mia?
Nanda ficou tão emocionada que nem conseguia falar. Afinal, ele tinha ligado…”

CAPÍTULO XII
Depois de vários “alôs” do outro lado Nanda conseguiu acalmar-se e, tentando não deixar transparecer a sua perturbação, respondeu, com uma inocente mentira:
- Alô! Desculpa a demora em atender, mas estava tão absorvida pelos estudos, que demorei um pouco a desligar do que estava a ler.
- Não tem importância – a voz de Alessandro denotava grande alívio.  E continuou: Avevo solo paura che non mi avresti parlato – e acrescentou rapidamente – Oh, scusa, eu quis dizer que apenas estava com medo de que não quisesses falar comigo.
Nanda continuava muito agitada. Ela que, normalmente, “tinha a resposta na ponta da
língua”, agora não lhe ocorria nada para dizer. Por sorte ele continuou a conversar, dispensando-a de ter de responder.
Contou-lhe que desde o encontro dessa manhã não deixara de pensar nela, que tinha absoluta necessidade de voltar a vê-la, que se isso não acontecesse ele iria … “perdi la testa, entendes, perder a cabeça, enlouquecer, como vocês dizem…”.
E continuou verbalizando, no seu português um tanto arrevesado, a atracção irresistível que sentia por ela. Nanda limitava-se a ouvir, pensando que com ela se estava passando o mesmo, o que a deixava desorientada.
“Eu sou uma pessoa com os pés bem assentes na terra, não me deixo influenciar facilmente, não sou dada a namoricos como a maior parte das raparigas da minha idade…  não compreendo o que me está a acontecer…”
Acabou cedendo àquela voz que tanto a transtornava, dizendo-lhe que amanhã o informaria  da sua disponibilidade. “O final do ano está à porta e todo o tempo é pouco para estudar. Mas vou arranjar um tempinho para ti” – e rematou assim a conversa.
A mãe já viera duas vezes perguntar-lhe se queria um chá e umas bolachas, e vira que ela estava a conversar ao telemóvel. Não podia prolongar muito mais tempo o telefonema sem correr o risco de ter de dar explicações à Mãe – o que ela não queria, de modo algum, fazer.
Teve grande dificuldade em voltar a concentrar-se nos livros. Só a sua enorme força de vontade e o pensar que dos bons resultados escolares dependia a sua festa de anos a ajudou.
Depois de uma noite agitadíssima, em que acordou imensas vezes e sempre com os olhos no relógio, a madrugada acabou por chegar. Rapidamente se preparou para sair, mal tocando no pequeno almoço. Foi bastante difícil, nas aulas, não deixar o pensamento voar para Alessandro, com quem combinara almoçar. Como chegou bastante cedo à escola teve tempo para lhe mandar uma mensagem marcando o encontro num “snack” não muito perto, para não correr o risco de ser vista por Bela ou qualquer outra colega.
Esse primeiro encontro não foi exactamente como eles esperavam. Ambos estavam bastante tensos; parecia que nenhum tinha nada para dizer, mas quando Nanda ia falar Alessandro começava também a pronunciar uma palavra, atropelando-se um ao outro, acabando a rir nervosamente.
Ele ainda conseguiu dizer-lhe que se encontrava em Lisboa a colher elementos para uma investigação que se estava a realizar num laboratório situado nos arredores de Milão, na qual ele colaborava.  Com a mesma finalidade fora inicialmente para o Porto, onde se mantivera por cerca de um ano, e donde regressara havia apenas duas semanas.
De pouco mais conversaram, até porque não dispunham de muito tempo. Talvez por isso - mas não só - a vontade de voltarem a ver-se apresentava-se premente, urgente, como algo que os subjugava.
Nanda tinha noção de que não podia perder tempo, todos os minutos contavam para os seus estudos, agora que se encontrava na recta final; Alessandro não podia descurar o seu trabalho, pois o seu director, lá de Itália, não lhe dava tréguas.
Apesar disso… passaram a encontrar-se todos os dias. Como seria de esperar aquela ligação ia criando laços muito fortes que, a cada dia que passava, mais os uniam.
Bela estranhava que a amiga, ultimamente, andasse sempre ocupada, com “n” afazeres nos intervalos das aulas, e que sempre que a interrogava, Nanda arranjasse desculpas esfarrapadas, assumindo um ar comprometido. Até que um dia acabou por confessar que conhecera “alguém” que a atraía mas, não querendo precipitar-se, preferia manter segredo até ter formado uma opinião.
Bela mostrou-se felicíssima com a notícia, mas não deixou de lhe fazer sentir que lamentava que não tivesse confiado nela.
- Afinal, parece que não sou a tua melhor amiga – murmurou, fazendo beicinho.
- Não sejas parva! Quantas vezes preciso repetir que és, sim, a minha melhor amiga? Só que, neste caso, como não tenho ainda certezas de nada, achei preferível aguardar…
- Tu e a tua eterna prudência! Alguma vez irás “atirar-te de olhos fechados” seja para o que for? Vive o amor, minha querida, as consequências não podem ser assim tão más…
- Eu com a minha prudência – que tu consideras excessiva – e tu com a tua alegre leviandade – respondeu Nanda, a rir.
- Os extremos tocam-se – Bela entrou na brincadeira, bem-disposta, já esquecido o amuo anterior. A tua prudência e a minha leviandade complementam-se, e é por isso que nos damos tão bem… Mas… não podes dar-me só uma dica acerca dele?
- A única coisa que posso dizer-te é que se trata daquele rapaz que quase me deitou ao chão no dia em que fomos falar sobre a minha festa de anos – disse Nanda, querendo pôr um ponto final no assunto.
 - O tal dos olhos incandescentes? – brincou Bela. Eu sabia que ele tinha mexido contigo…Ah! mas tens de mo apresentar…
- Claro que sim, se tudo der certo. Por enquanto estamos apenas a conhecer-nos. Depois, estou a pensar convidá-lo para o meu aniversário…
- Ah! Assim está bem, não vou ter de esperar muito. Na próxima semana acabam as aulas, e logo de seguida é a tua festa de anos.     
Desde o final do ano e a perspectiva da entrada na Faculdade até o aniversário decorreram apenas três semanas, que as duas amigas dedicaram à preparação da festa de anos.
Finalmente chegou o grande dia! No meio de toda aquela agitação Nanda foi apresentando Alessandro como o seu mais recente amigo. Quando chegou a vez de o apresentar à sua amiga Bela, esta mal pode olhá-lo e pronunciar um rápido “olá, tudo bem?”, pois foi imediatamente arrebatada pelo seu último admirador, que não queria perder um minuto da sua atenção.
Quando, por fim, terminou a parte “obrigatória” de festejar com a família e puderam seguir para a praia onde o dono de um bar conhecido de Bela reservara o espaço para a festa, Nanda sentia-se nas nuvens. Finalmente podia estar bem perto de Alessandro, com os corpos colados a pretexto de dançarem.
Foi uma noite inolvidável que terminou com o primeiro beijo. Até aí, embora muitas vezes o desejo de o fazer fosse quase incontrolável, tinham conseguido evitar grandes intimidades. Nanda não era de facilitar as coisas…
Os tempos que se seguiram foram de verdadeira euforia. Nanda, com boas perspectivas de entrar na Faculdade, dado os bons resultados que obtivera na escola, de férias e já com os seus 18 anos completos, sentia da parte dos pais uma grande complacência.
Tinham conhecido Alessandro, na festa de aniversário, como amigo. Agora Nanda achou que era altura de lhes confessar que eram namorados. Saíam juntos, iam à praia, ao cinema, enfim, viviam intensamente o seu amor.
Com esta necessidade quase obsessiva de se encontrarem Alessandro estava descurando um pouco a investigação para a qual tinha sido destacado, o que lhe estava a valer algumas chamadas de atenção por parte da sede, em Milão.
No início do namoro Bela acompanhava-os; mas cerca de três semanas depois teve de partir com os pais para a quinta, onde se demorou muito mais tempo do que o habitual.
Nanda lembrava-se que, na altura, Bela alegara uma qualquer doença da mãe, qualquer coisa a nível psicológico, e que ela tinha de a acompanhar. Pelo que conseguia recordar – “mas já passaram tantos anos que a memória pode estar a atraiçoar-me… “- teria havido problemas entre o casal e a mãe achara melhor estarem um tempo afastados, pelo que foram, mãe e filha, para o estrangeiro.

***
Imersa nestes pensamentos Nanda nem se tinha apercebido de que já chegara ao supermercado.  Só quando a voz do “segurança” disse, alegremente – Bom dia, dona Nanda! – é que ela “desceu à terra” e apressou-se a ir fazer as compras.
Quando regressava, com um saco em cada mão, ouviu o telefone tocar. Como era complicado, com os sacos das compras, atender, deixou-o tocar, pensando:
- “Quando chegar a casa vejo quem ligou e retorno a chamada”.

Maria Caiano Azevedo