sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

O ANJO NEGRO

O ANJO NEGRO









Não resisto a partilhar convosco um caso que se passou comigo na última Primavera.
Como gosto muito de andar a pé, e sempre que posso faço caminhadas, fui dar um longo passeio pelo parque que dista cerca de dois quilómetros da minha casa.
A determinada altura do percurso encontrei uns degraus, cerca de 18 ou 20, por onde eu já tinha subido há dois ou três anos. Tinha-me esquecido de que são altíssimos, ou seja, a distância entre um degrau e outro, não deve andar muito longe dos 40 cmts. Nada de muito grave, se houvesse um corrimão para apoio, que não existe, pois esta “escadaria” encontra-se numa zona de árvores e os degraus são de terra batida.
Depois da primeira tentativa vi logo que não conseguiria subir. Para agravar a situação – a minha falta de ar!
(Para quem não sabe… eu sofro de asma que, nos últimos dois anos teve um ENORME agravamento devido a algumas infecções pulmonares que me “atacaram”)
Quando eu olhava, desanimada, para os degraus que tinha à minha frente, pensando que não conseguiria vencer aquele obstáculo e a solução seria voltar para trás, surgiram dois rapazinhos pretos, um mais alto que o outro, que deveriam ter uns 15 a 16 anos.
Perguntaram-me se eu precisava de ajuda. Imediatamente aceitei, agradecendo. O mais baixo segurou a minha mão esquerda e, lentamente, fomos subindo. Vi que notava a minha dificuldade em respirar e por isso achei que devia falar-lhe no meu problema da asma. Parei no degrau em que nos encontrávamos e expliquei-lhe o porquê da minha falta de ar.
Ele ouviu atentamente e depois disse:
- Isso é muito aborrecido, não é?
Eu respondi:
- Sim, às vezes é mesmo muito incómodo. Dificulta a respiração e impede-me de fazer esforços. Como subir estas escadas, por exemplo – concluí, sorrindo.
Ele acrescentou:
- Vamos devagar. Temos muito tempo. Eu não tenho pressa nenhuma.
Eu agradeci com um sorriso.
Continuámos a subir. O conforto daquela pequena mão negra segurando firmemente a minha mão com mais do quádruplo da idade da sua, transmitia-me uma energia boa, aquecia-me o coração.
Chegados ao cimo da “escadaria” ficámos uns momentos em silêncio, especialmente para eu normalizar a respiração.
À despedida não trocámos emails, nem telefones, nem sequer os nomes… Nada!
Ele apenas me olhou com o seu maravilhoso sorriso, um ar ligeiramente interrogativo como que a querer saber se eu já estava bem, e não pronunciou uma palavra.
Eu sorri em agradecimento. Murmurei “Obrigada!”, aproximei-me e depositei um beijo naquela face negra de Anjo disfarçado de rapazinho.
Separámo-nos. Cada um seguiu o seu caminho.
Mas eu JÁ não ia sozinha…



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No Natal que se aproxima e em todos os dias do ano meditemos nas palavras do poeta João Coelho dos Santos, no seu poema ENTÃO E EU?


Um santo e feliz Natal para todos