terça-feira, 27 de junho de 2017

O SEGREDO DE BELA


O SEGREDO DE BELA

Depois de cumprido o que considerava um dever – tentar convencer Tó Zé, o seu ex, a ajudar o filho de ambos – Nanda levou o Nero a passear.
Após ter comido e bebido, o pobre cão estava tão aflito que, mal se apanhou na rua, alçou a perna no arbusto mais próximo, não tendo já capacidade vesical para aguentar até à árvore que normalmente regava com os seus fluídos urinários.
Nanda ia de tal modo absorta nos seus pensamentos que nem se apercebeu de que estava a ser conduzida pelo Nero. Só quando sentiu uma forte pressão na trela se lembrou do local onde se encontrava e do que estava ali a fazer – a passear o cão.
Arrastada pelo animal, acabou por dar quase de frente com a vizinha do lado, também ela dona de um canídeo, mas do sexo oposto.
A Diana era uma cadelinha que vivia apaixonada pelo Nero, o qual correspondia, com fidelidade canina, a esse amor.
Feitos os cumprimentos, das donas e principalmente dos seus estimados animais, estes, com encostos de focinhos e outras expressões de afecto, preparavam-se para ir mais longe nas suas manifestações, mas foram severamente interrompidos pelas respectivas donas que, de momento, não tinham muito tempo para lhes permitir grandes efusões.
Puxando-os com força pelas trelas conseguiram que se afastassem. Os pobres animais, contrariados, tiveram que obedecer, mas ficaram olhando para trás, mirando-se um ao outro, com um ar muito desconsolado e infeliz.
De regresso a casa Nanda deu uma arrumadela às roupas que usara no dia anterior, compôs a cama, passou pela cozinha e pela sala, e, considerando que tudo estava mais ou menos apresentável, apressou-se a ir tomar um refrescante banho e vestir roupas elegantes para ir encontra-se com a Bela.
Já estava ligeiramente atrasada.
Assim, quando chegou ao “Caminho de Casa” a amiga já a aguardava.
Abraçaram-se efusivamente e, depois de uns ruidosos beijos, escolheram uma mesa e sentaram-se.
A conversa só foi interrompida para encomendarem o almoço. Escolheram salada para ambas já que andavam a tentar perder peso.
Nem uma nem outra precisava disso, mas preocupavam-se com umas gordurinhas embirrantes que teimavam em alojar-se “naquela zona da cintura”. Sonhavam voltar a ter as “cinturinhas de vespa” dos seus vinte anos…
Falaram de tudo e de nada, como se há muito tempo não se vissem.
Esqueciam-se que conversavam todos os dias, faziam caminhada juntas, e de vez em quando encontravam-se para almoçar. Mas nunca lhes faltava assunto.
Nanda pôs Bela ao corrente dos últimos acontecimentos, dizendo-lhe como se sentia baralhada com tudo o que lhe estava a acontecer.
- Só para veres como estas coisas me estão a afectar… imagina que até
comecei a pensar na hipótese de ir trabalhar com o TóZé, aquele traste!
- Bem, na verdade isso mostra que a tua cabeça anda à razão de juros. Espero bem que tenha sido apenas um pensamento passageiro, e que não leves isso a sério…
- Não, claro que não; nem que o Tó Zé fosse o último homem no mundo eu quereria estar perto dele!
E continuaram conversando animadamente.
Sendo ambas divorciadas, sem ter que dar satisfações a ninguém, às vezes iam para a “night” beberricar uns copos e divertir-se.
Foi o que combinaram fazer. À noite, depois de comerem qualquer coisa, encontrar-se-iam e iriam para a paródia.

À hora combinada lá estavam elas, “vestidas para matar” e lindamente maquilhadas. E alegremente passaram umas horas nos locais já conhecidos de ambas, onde sabiam poder estar sossegadas, sem correrem o risco de serem mal interpretadas e sofrerem dissabores.
Ouviram música, beberam sem exagero, e ainda deram um “pezinho de dança” com conhecidos de outras vezes que lá tinham ido.
Quando se sentiram satisfeitas regressaram, e, próximo de casa, despediram-se com um “até amanhã”.
Nanda entrou no seu apartamento, tirou os sapatos, trocou a roupa pelo pijama e, como ainda não tinha sono, apesar da hora adiantada, quase de madrugada, foi para a sala.
Ligou a música em tom baixo, e abriu a porta do bar, do lado direito do aparador. Olhou, procurando a bebida que iria beber. Não lhe apetecia muito um licor – àquela hora não queria uma bebida doce. Optou por Whisky. Serviu-se, foi à cozinha buscar gelo, e, à média luz, recostou-se no sofá.
De olhos fechados deliciava-se ouvindo a música suave, tomando um gole de whisky, vagarosamente. Sem opor resistência, como num sonho, deixava-se embalar por aquela quietude.
Lentamente, como que a levitar, encaminhou-se para a janela e olhou lá para fora. Na semi claridade do alvorecer avistou, na praia, um vulto que lhe pareceu familiar.
Mas… Não! Não podia ser verdade! Aquela figura que caminhava na praia, a princípio apenas difusa, à medida que se aproximava… sim, não havia dúvidas! Era o Luís. Mas porque andaria ele na praia, àquela hora matinal?

Na longínqua linha do horizonte vislumbravam-se já os primeiros rubores da alvorada, anunciando mais um dia de sol e calor.
Na praia, Luís, descalço na areia fria, um ar desalentado, ombros descaídos, no rosto bronzeado as fundas olheiras denunciavam uma longa noite de insónia.
Com visível esforço ia caminhando lentamente quando, inesperadamente, avistou o seu irmão André.
Este, alegremente, aproximou-se em passo rápido para saudar o irmão; mas imobilizou-se ao atentar bem no aspecto de Luís. Com ar de espanto, exclamou:
- Eh! Pá, estás cá com uma cara que mete medo ao susto!
- Não me digas nada, pá. Nem imaginas o que me aconteceu.
- Não, não posso imaginar o que te pôs nesse estado! Viste algum fantasma?
- Bem pior do que isso… mas antes diz-me: o que fazes tu aqui na praia a estas horas, com esse ar tão feliz? Ainda mal nasceu o dia…
- Eu conto, sim, mas depois. Primeiro quero saber de ti.
Nanda abria a boca de espanto. Como era possível? O seu filho André vivia na Suíça, com a Silvana: o Luís ainda ontem estava no Algarve, acabara de ser pai… A que propósito estavam os dois ali na praia, conversando como se se tivessem visto na véspera?
Resolveu continuar a prestar atenção à conversa dos dois irmãos.
- Tudo bem, então eu falo primeiro – respondeu Luís.
Ontem, para festejar o nascimento do meu filho (a mãe contou-te… penso eu) fui com uns amigos beber umas granjolas. A certa altura o Xico (lembras-te dele…) propôs que passássemos para bebidas mais fortes. A ocasião até justificava… e todos concordaram.
Já estávamos bem bebidos quando entra no bar um grupo de mulheres, todas em grande risota. Depois de ligeira hesitação, cochicharam e dirigiram-se para a nossa mesa. Imagina quem fazia parte do grupo… A Bela!
- O quê? A Bela, amiga da mãe?
- Claro! Conheces mais alguma Bela?
- Não. Mas continua.
Neste ponto Nanda sentiu-se desfalecer. Bela, a sua melhor amiga, num bar “daqueles”? Não podia ser. O seu filho Luís devia estar completamente bêbado e tinha-a confundido com uma galdéria qualquer!...
Com esta ideia recuperou a calma e continuou ouvindo a conversa. Luís dizia:
- Sentaram-se ao pé de nós e pediram bebidas iguais às nossas. Não sei quanto tempo depois disseram que se iam embora, e ali mesmo se formaram casais… A mim calhou-me a Bela.
- O quê? Estás a brincar!...
- Antes estivesse… Mas não estou, aconteceu mesmo. Fui com a Bela para casa dela. Levou-me para o quarto e… enfim, podes imaginar o que se seguiu. Tu conheces a Bela…
- Conheço, conheço…
- Sabes que ela consegue ser espantosa! Mete-te no coração e tu nem te atreves a reagir…
- Lá isso é verdade…
-Pois então! Quando dei com aqueles olhos líquidos, que prometiam delírios, a fixarem-me intensamente, quando me senti docemente envolvido nos seus braços, a Bela desprendeu-se, foi até à porta do quarto, abriu-a, e, em altos brados, exclamou:
- SURPRESA!
Foi mesmo uma surpresa, uma enorme surpresa!
Afastando-se para o lado apresentou-me uma mulher horrenda!
Não era ainda velha, mas feia como a noite dos trovões! Um olho abaixo e outro acima, mirando cada um para seu lado, a boca torta, desdentada, ostentando um sorriso alvar. Só lhe faltavam os pêlos no nariz para ser uma autêntica bruxa, saída de um conto de Andersen.
- E qual foi a tua reacção?
- A princípio fiquei sem acção. Mas quando vi o riso de escárnio e gozo na cara da Bela… atirei-me – literalmente – pela janela, meti-me no carro, e vim para aqui. Sabes como o mar é para mim um calmante…
- Razão tens tu para estar com esse aspecto horrível…
- Digo-te, foi a pior experiência da minha vida. Mas diz-me tu agora: com esse ar tão feliz…onde passaste a noite?
- Eu? Eu… passei a noite com a Bela.
Excerto do meu projecto literário com o título (provisório) “ Segredos”.

Maria Caiano Azevedo

terça-feira, 6 de junho de 2017

VÊ-LO PARTIR - "IN MEMORIAM"

VÊ-LO PARTIR



"IN MEMORIAM"

Este poema representa uma espécie de “memorial” em homenagem a quem partiu, faz hoje, dia 6 de Junho de 2017, cinco anos, mas permanece vivo na minha memória e no meu coração – o meu Marido
    
VÊ-LO PARTIR
Vê-lo partir
Não foi assim tão triste, não.
Foi muito mais triste depois,
Ao recordar, sozinha,
O caminho antes percorrido
Com ele ao lado, para mim sorrindo…
Segurando a minha mão…

Como era alegre o seu sorriso
E festivo e risonho
O meu abrigo!

Ele partiu, levando consigo
Toda a ternura que existia em mim,
Deixando, para sempre
Um vazio sem fim…

Os dias, monótonos,
Perderam toda a graça.
Sem saber o que fazer,
À deriva,
Penso na minha desgraça.

As horas vão passando.
O sol, em surdina, declinando.
Um arrepio, percorrendo-me,
Recorda-me que estou viva,
E que ele partiu…

E quando à tarde, sozinha,
Debruço
O olhar sobre o caminho percorrido,
Lembro-me dele
E, sem querer, soluço.

Mariazita