segunda-feira, 29 de agosto de 2016

FÉRIAS/SENTIDO INVERSO

…Penso que a minha sexualidade ainda não tinha despertado, o que só viria a acontecer, na prática e fisicamente, depois dos dezoito anos.

SENTIDO INVERSO - Continuação
II PARTE 

Naquela altura, com a minha amiga, não sei o que senti. Espanto, talvez.
A verdade é que eu era, com certeza, muito infantil, e com a educação algo severa dos meus pais, não tinha tido, ainda, devaneios amorosos…
A minha reacção foi, portanto, afastar-me um pouco; mas ela puxou-me carinhosamente para si e começou a beijar-me o pescoço ao mesmo tempo que tentava acariciar-me o peito, que já se notava perfeitamente, fazendo antever o que viria a ser dentro de pouco tempo.


Fui salva pelo gongo, como se costuma dizer. O telefone começou a tocar e a minha amiga foi à sala atender. Eu aproveitei para rapidamente me vestir, e quando ela regressou disse-lhe que era melhor ir-me embora porque não avisara a minha Mãe de que ia chegar mais tarde e “sabes como ela é exigente com os horários”. (A minha Mãe trabalhava em casa como tradutora, por isso quando eu saía da escola encontrava-a sempre em casa).
A minha amiga mostrou-se muito compreensiva e não insistiu para eu ficar; apenas me disse que gostava que eu fosse novamente estudar com ela, mas que avisasse com antecedência a minha Mãe.
Saí dali com as pernas a tremer. Tinha a sensação de que o que se passara não era tão inocente como a minha amiga me queria fazer crer. O meu sistema de alerta funcionara na perfeição, evitando que eu pudesse ter a minha primeira experiência homossexual, para a qual não estava minimamente preparada, e que poderia ser bastante traumatizante.
Ela ainda voltou a convidar-me meia dúzia de vezes para ir a sua casa; mas, perante as minhas escusas, acabou por desistir.
Não deixei de ser amiga dessa garota, embora evitasse, daí para o futuro, encontrar-me a sós com ela, e recusasse, sistematicamente, todos os seus convites que implicassem uma maior aproximação.
Nos anos que se seguiram até aos meus 18 anos nada de especial aconteceu no que respeita a experiências sexuais.
Penso que para isso muito contribuiu a educação que a minha Mãe me dava: muito carinho, muito amor, mas muita severidade também.
Ela conhecia perfeitamente os meus horários escolares, e não admitia que eu chegasse a casa mais tarde do que o tempo necessário para a deslocação. Para que tal acontecesse, tinha que ser previamente avisada.
À medida que os anos passavam as minhas formas iam-se arredondando, a cintura ficando mais fina e os traços do rosto mais harmoniosos.
Contra isso a minha Mãe nada podia fazer, a não ser comprar-me roupas bastante folgadas, que disfarçavam as minhas elegantes formas.
Fora dos seus olhares eu colocava um cinto que ajustava a roupa à cintura, porque cada dia sentia mais vontade de me libertar daquela maneira de vestir arrapazada. Mas com a minha Mãe não valia a pena insistir: a sua vontade era soberana. E depois… ela tinha uma maneira de se impor, uma autoridade tão natural, que eu nem sentia que estava a ser contrariada, mas sim convencida a fazer o que não me agradava.
Quando as amigas dela a iam visitar a eu aparecia para as cumprimentar,
não me poupavam elogios:
- Carminha – era assim que tratavam a minha Mãe - como a tua filha está bonita! E tão elegante! É uma verdadeira estátua! Só é pena que tenhas tão mau gosto para a vestir… Deve andar uma multidão de rapazes atrás dela…
- Já tens namorado? – perguntavam, dirigindo-se a mim.  
Eu simplesmente corava e baixava a cabeça; e antes que pronunciasse uma palavra a minha Mãe atalhava logo:
- Era só o que faltava! Ela tem é que pensar em estudar, tirar o seu curso, estabelecer-se na vida, e depois então pensar em namoricos. E ainda vai cedo! Eu casei-me com 28 anos e tenho tido tempo para realizar todos os meus sonhos. Portanto ela fará o mesmo.
Não foi bem isso que aconteceu. Com os meus 18 anos feitos iniciei a minha libertação, que implicava o corte do cordão umbilical.
Comecei a sair à noite com as minhas amigas, uma vez por outra, mas tendo sempre o cuidado de não chegar muito tarde.
A minha Mãe chamava-me sempre a atenção, embora não usando já aquele tom de exigência a que me habituara. Eu respondia-lhe alegremente, com um ar que queria significar: a meninice já lá vai, agora sou senhora do meu nariz.
Embora eu fosse muito obediente, ou talvez por isso mesmo, sempre fui muito orgulhosa. Não gostava de mendigar; e se alguma coisa que eu pedia me era recusada, eu simplesmente não insistia. O meu orgulho não me deixava rebaixar-me. Recordo-me de cenas que aconteceram e provam o que acabo de dizer, ainda eu era bem pequena.
Com esta maneira de ser e pensar não me sentia bem comigo mesma ao querer liberdade para proceder a meu bel-prazer e ao mesmo tempo ser dependente, economicamente, dos meus Pais.
Com 18 anos incompletos entrei para a Faculdade de Direito, e, ao mesmo tempo que estudava, consegui arranjar trabalho no escritório dum advogado amigo. De início fui ganhar muito pouco, mas em breve o ordenado foi aumentado. Com a educação que recebera só podia ser cumpridora… e o “patrão” era uma pessoa muito justa e honesta.
Foi assim que, aos 20 anos, já tinha amealhado o suficiente para pensar em desligar-me completamente da casa paterna, alugando um apartamento a meias com uma amiga.
Tinha, entretanto, arranjado um namorado do qual desisti quando ele começou a querer um relacionamento mais íntimo, o que não me atraía de modo algum.
Foi uma época bastante complicada, emocionalmente. Lembrava-me, frequentemente, do incidente com a minha amiga de escola.
E, sempre que o meu namorado tentava uma maior aproximação, a imagem da minha antiga colega acudia-me à mente, e eu sentia uma espécie de repulsa que me levava a afastar-me dele.


A minha colega de apartamento tinha algumas amigas que eu não conhecia, e que a visitavam de vez em quando. Como eu não mostrava interesse especial em conhecê-las, retiravam-se para o quarto para não me incomodarem. Geralmente eu estudava na sala.
Um dia em que eu tinha ido sair e voltei a casa porque me esquecera de um livro que me fazia falta, surpreendi a minha colega no quarto com uma amiga. Tinham deixado a porta aberta e os sons que pude ouvir não me deixaram dúvidas sobre as actividades em que se encontravam.


Quando fechei a porta, depois de entrar, a minha colega espreitou para fora do quarto e, ao ver-me, ficou com um ar muito comprometido.
Para mim foi um grande choque, não pelo facto em si, mas por ela nunca me ter dito ou sequer insinuado as suas preferências sexuais. Afinal, vivíamos no mesmo apartamento, falávamos de tudo abertamente…
Não me incomodou nada descobrir que ela era lésbica. Isso não ma afectava minimamente. Incomodou-me sim a sua falta de franqueza, tanto mais que eu a considerava uma amiga, e nela confiava inteiramente, confiando-lhe, até, os “problemas” que tinha com o meu namorado.
No dia seguinte eu não trabalhei à noite e fiquei na sala. Acomodei-me no sofá e liguei a televisão.
 A minha amiga veio sentar-se junto de mim e começou a falar:

Continua no dia 19 Setembro.

sábado, 6 de agosto de 2016

FÉRIAS / SENTIDO INVERSO

Como tem sido habitual nos últimos anos vou ausentar-me em Agosto (a partir do dia 05) e Setembro, retornando ao vosso convívio em princípios de Outubro.
Até lá deixarei programados três capítulos deste conto QUE NÃO É AUTOBIOGRÁFICO, EMBORA ESCRITO NA 1ª. PESSOA - e que dividi em três partes para não se tornar demasiado fastidioso, já que é um pouco extenso.
Quando regressar, em Outubro, retribuirei todas as visitas que entretanto me fizerem e que, desde já, agradeço.
Espero que gostem deste conto que intitulei:

SENTIDO INVERSO
I PARTE 


Quando eu nasci os meus pais não tiveram a alegria que normalmente os pais têm com o nascimento de um filho, simplesmente porque eu não era um filho, mas uma filha.
Na realidade eles desejavam que o primeiro rebento fosse um rapaz, com o que, provavelmente, encerrariam as actividades de procriação.
Coitados! Tiveram azar, e apareci eu, uma menina, linda, ao que dizem, e como posso comprovar pelas fotografias, que me tiraram em criança. Talvez justificado pelo facto de ter sido uma desilusão para os meus pais, na verdade não são muitas as fotos que guardo de quando era pequenina…
Acabaram por se conformar; não havia mais nada a fazer, a não ser uma segunda tentativa para conseguirem um rapaz.
Depois de eu nascer os meus pais ficaram tão abalados que precisaram de alguns anos para se refazerem e ganharem coragem para nova investida…
Dessa vez foram bem-sucedidos, e o meu irmão apareceu quando eu já tinha cinco anos.
O facto de eu ser uma menina não me prejudicou em (quase) nada.
Apesar de, ao nascer, lhes ter causado uma grande desilusão, os meus pais trataram-me sempre com o maior carinho e desvelo, e mesmo depois de o meu irmão ter nascido, os seus cuidados para comigo não diminuíram. Nunca houve qualquer diferença de tratamento entre o meu irmão e eu.
Há apenas um pormenor, relativo á minha infância, que me causa um certo desconforto quando o recordo:
A minha Mãe vestia-me sempre com roupas muito arrapazadas – calças ou jardineiras, mas sem aquele toque feminino que geralmente têm estas peças de roupa quando destinadas a meninas, e que se traduz por umas florinhas, ou bonequinhos, ou corações, enfim, qualquer floreado que é colocado no bolso ou no peitilho. Raramente usava saias ou vestidos.
O cabelo andava sempre muito curto. Nada de tranças ou totós, nem mesmo as “palmeirinhas” que todas as meninas usam no topo da cabeça, quando o cabelinho começa a crescer, por volta dos dois anitos, e que as mães enfeitam com vistosos laçarotes.
Recordo-me que isso me causava um certo desgosto. Via as minhas amigas com alegres vestidos rodados, cabelos caindo pelas costas ou apanhados em totós, à “ Pipi das meias altas”, e sentia-me inferiorizada, feia e sem graça.
As amigas da minha mãe às vezes comentavam:
- Credo, tu não tens gosto nenhum para vestir a tua filha. Nunca se lhe vê um vestidinho…parece sempre uma Maria-rapaz!
- Assim é que ela anda bem, pode correr e saltar à vontade sem precisar de se preocupar com as roupas! A Liberdade começa por aí…
As amigas não insistiam porque sabiam que não valia mesmo a pena.
A minha Mãe parecia querer encaminhar-me num sentido inverso àquele para o qual eu havia nascido – ser Mulher.
Quando fiz 18 anos pude, finalmente, começar a decidir o que vestir.
Comprei um lindo vestido vermelho, todo moderno, bem feminino, que me marcava as formas que Deus, na sua infinita misericórdia, fizera semelhantes às de uma deusa!



Consegui que a cabeleireira me “ripasse” o cabelo dando-lhe um aspecto bem feminino. E, pela primeira vez na minha vida, uma amiga maquilhou-me.
A minha Mãe esboçou um ligeiro esgar ao ver-me aparecer assim vestida na festa que me preparara com todo o esmero. Fiquei na dúvida se era desagrado ou espanto ao ver a filha como nunca a vira antes.
Mas eu estava demasiado feliz para me preocupar com esses pormenores. Foi um dia muito lindo na minha vida, que marcou o início duma grande reviravolta.
Num primeiro gesto de rebeldia comecei logo a deixar crescer o cabelo, e durante um ano a cabeleireira não lhe pôs a tesoura.
Quando já me pousava nos ombros passei a deixar que fosse tratado por mãos de profissionais.
E pude, finalmente ser, mas muito especialmente sentir-me, mulher!
Recuando um pouco até à pré-adolescência, altura em que começa a despontar a sexualidade, recordo-me que as meninas andavam pelos cantos aos beijinhos aos rapazes, ainda com alguma inocência, mas já revelando o aproximar do desabrochar das hormonas.

 

Talvez devido aos meus modos arrapazados incentivados pela minha mãe, os rapazes não manifestavam por mim qualquer interesse para além do jogo da bola – eu era sempre integrada numa das suas equipas. Acho que eles me viam como “um dos deles”…
Assim fui crescendo, e quando andava pelos treze anos, em que, se não acontece antes, é altura de despertar a grande curiosidade pelo misterioso sexo, tudo para mim continuava na mesma, pois os rapazes viam-me com os mesmos olhos de sempre, e não denotavam sentir pelo meu corpo qualquer atracção física.
Foi então que uma amiga começou a insinuar-se mais junto a mim, e um dia convidou-me para ir estudar para casa dela. Fui, contente e feliz.
Lembro-me que era um dia de muito calor.
Os pais dela trabalhavam, ela não tinha irmãos, portanto a casa estava por nossa conta.
Começámos a estudar na sala mas, pouco tempo depois, ela propôs que descansássemos um pouco e fôssemos para o seu quarto ver fotos ou qualquer outra coisa que agora não recordo; não fiz qualquer objecção Fomos!
Aí chegadas a minha amiga começou a queixar-se com calor, dizendo que ia pôr-se à vontade, e insistindo para que eu fizesse o mesmo. Tudo bem, porque não? Estava, realmente, um calor insuportável.
Ficamos, portanto, apenas com as calcinhas e os sutiãs.
Sentámo-nos na beira da cama a ver qualquer coisa, e de repente, sem eu esperar, ela, com a mão direita puxou-me pelo pescoço e deu-me um beijo na boca, ao mesmo tempo que, com a mão esquerda, acariciava a minha coxa.
Qualquer coisa em mim entrou em alerta! Eu nunca havia tido qualquer contacto mais íntimo, e em casa os meus pais eram bastante discretos, embora muitas vezes trocassem carinhos.
Penso que a minha sexualidade ainda não tinha despertado, o que só viria a acontecer, na prática e fisicamente, depois dos dezoito anos.

Continua no dia 29 de Agosto.