terça-feira, 22 de março de 2016

O PINHEIRO

A pensar na época que se aproxima, em que muita gente gosta de fazer picnics à sombra das árvores, escrevi esta espécie de “fábula vegetal” que partilho convosco)

O PINHEIRO
- Com tantos anos de vida ainda não consegui perceber porque me apelidaram de “manso” -  Pinheiro Manso – murmurou o frondoso Pinheiro, voltando as verdes e finas agulhas na direcção de uma raquítica árvore que se encontrava a pequena distância.
- Ora, porquê! – respondeu a enfezada. Já tivemos esta conversa tantas vezes! Está muito bom de ver. Deram-te esse nome porque não tens a braveza dos teus primos, esses altivos pinheiros bravos, que não se dão com os mansos, os baixotes, só querem viver nas alturas…
- Acho essa explicação demasiado simplista…
- Sabes qual é o teu problema? – continuou a enfezadita – é quereres sempre saber a razão de tudo. As coisas são porque são, e pronto. Senão, repara:
- Sempre vivi aqui ao teu lado, respirando o mesmo ar puro que respiras, sugando o mesmo alimento puro com que te sustentas, recebendo o mesmo sol radioso que te ilumina…
Entretanto…põe os olhos em mim e responde:
- És capaz de me dizer porque é que eu sou assim tão raquítica? Não és, pois não? Eu também não sei, e vê lá se me preocupo…
- Xiu! – advertiu o Pinheiro. Aproximam-se pessoas. A conversa tem que ficar para mais logo. Agora cala-te, que eu faço o mesmo.
E ficaram em silêncio.
Um grupo de jovens caminhava alegremente em direcção ao Pinheiro.
Um deles, o mais alto, loiro e de olhos da cor do céu, aparentando ser o líder, abriu os braços ao alto e exclamou:
- Eu não vos dizia? Este Pinheiro não é um espectáculo?
- Sim – responderam em uníssono os outros jovens. Tu és o maior!
- Claro que sou. Por isso sou o chefe. E é como chefe que vos digo:
- Abram os braços, respirem fundo este ar puro, aspirem este delicioso cheiro a pinheiro…
E falando assim ele próprio executava os movimentos que convidava as companheiras e companheiros a fazerem.
Por breves momentos só se ouvia o seu respirar profundo. Mas logo de seguida recomeçou a algazarra, rindo e falando muito alto, como se todos fossem surdos.
Um dos rapazes tinha levado um “Tablet” e em breve o silêncio da mata se encheu com os sons, em tom altíssimo, de uma canção em voga. A maior parte deles acompanhou a música em altos berros. Até os insectos fugiam espavoridos.
Pouco depois o líder disse:
- E se tratássemos das barriguinhas? A minha já está a roncar…
- Excelente ideia! – responderam em coro.
E todos, rapazes e raparigas, abriram as mochilas e retiraram de lá comida, copos de plástico, garrafas de refrigerantes e até uma toalha de papel, que estenderam cuidadosamente no chão e nela colocaram o lanche.
Sentaram-se todos em círculo debaixo da copa densa, arredondada, em forma de guarda-sol, do Pinheiro, e iniciaram o lanche alegremente.
Eram já cinco horas da tarde, tinham feito uma grande caminhada para lá chegar, e o almoço há muito tempo tinha sido digerido. Todos comeram com grande apetite.
Como estava muito calor e a sede era muita, rapidamente esvaziaram as garrafas dos refrigerantes.
Saciados o apetite e a sede, colocaram junto ao tronco do Pinheiro as garrafas vazias, copos, guardanapos… e até restos de sandes mordiscadas. Estenderam-se no chão, à sombra. Uns conversando outros dormitando nem deram pelo tempo passar, de tal modo se sentiam satisfeitos.
O sol começava a esconder-se quando o líder exclamou:
- Ei, malta! Temos que nos pôr a milhas! Não se esqueçam que nos espera uma boa caminhada. Já vamos chegar a casa de noite…
Puseram-se todos de pé e, sem mais demoras, iniciaram a descida. Ninguém se lembrou de recolher o lixo que tinham colocado junto ao Pinheiro.
Ouviu-se um profundo suspiro. O Pinheiro murmurou, tristemente:
- Já viste, vizinha? Respiraram o nosso ar puro, sorveram o nosso belo aroma, aproveitaram a minha sombra, nem sequer respeitaram a paz e o silêncio de todos estes seres que aqui vivem e, como agradecimento, foram-se todos embora deixando para trás o lixo que trouxeram com eles…
- Já devias estar habituado, Pinheiro. É sempre assim…

Algum tempo depois podiam ver-se numerosas gotas transparentes pendendo das agulhas, agora escuras.
- Orvalho – dizia quem passava.
Não, não era orvalho, eram lágrimas de tristeza.
Lágrimas, sim, que as árvores também têm sentimentos.

Mariazita

quinta-feira, 3 de março de 2016

MOMENTO DE POESIA - VOO ALUCINANTE

VOO ALUCINANTE


VOO ALUCINANTE

Veloz, sobrevoei os altos cumes das montanhas,
Vi o seu gelo derreter-se em grossas gotas,
Transparentes pérolas, brilhantes.
Insondáveis serras, rochosas, agrestes,
Vislumbrei do alto, ao sol inclemente.

Cavernas profundas, covis de morcegos,
Raposas voadoras, de olhares cegos,
Vampiros, insectos, sementes no chão.
No sopé do monte, em voo fremente,
Grutas deslumbrantes de pingentes coloridos
Aconchego de fadas e duendes celestes.

Veloz, rasei largas lezírias verdejantes,
Loiras searas ondulando ao vento,
Campos de papoilas vermelhos de sangue.
Descansei, por fim, no areal da praia,
Junto ao mar, exangue.

Veloz, mergulho no deserto e sinto frio.
Veloz, subo à montanha – está tanto frio!
Mariazita