quarta-feira, 30 de abril de 2014

MOMENTO DE POESIA - Carta à minha Mãe

Porque hoje é o último dia do mês, deveria publicar aqui um poema, cumprindo o que vos prometi.
Mas, como no próximo Domingo, dia 4 de Maio, se celebra em Portugal o “Dia da Mãe”, decidi debruçar-me sobre esse tema, homenageando, pela primeira vez nesta «CASA», a MINHA MÃE, escrevendo-lhe uma carta, que partilho convosco.


CARTA À MINHA MÃE

Mamã,

Hoje vou elevar para ti um pensamento muito especial, mais intenso.

Sabes que te recordo todos os dias.

Deixaste-me há tantos anos, mas na minha memória, que já não tem a vivacidade de outros tempos, continuas tão nítida como nos dias em que eu te tinha junto de mim.

 Não há um só pormenor que eu não recorde dos últimos momentos que passámos juntas.

Depois de tratar da tua higiene (ficaste tão linda, tão fresca!) recostei-te na almofada para te dar o pequeno-almoço.

Como de costume não quiseste comer nada, apenas bebeste um pouco de leite. Ainda insisti, sabendo, de antemão, que irias recusar:

- Por favor, mamã, come só uma torradinha pequenina, faço-ta num instante.

Com aquele sorriso lindo que conservaste até ao fim, respondeste-me:

- Não, minha filha, não consigo.

Sentias calor. Com a minha mão esquerda segurando a tua mão esquerda, apanhei o leque que estava sempre em cima da mesinha, e, suavemente, comecei a agitá-lo, para te refrescar.

Não sei quanto tempo estivemos assim. Esse é o único pormenor que esqueci: quanto tempo estive segurando a tua mão.

Estavas tão frágil! Parecias transparente. Como uma flor murchando lentamente, uma vela perdendo a intensidade do seu brilho, a qual um ligeiro sopro faria apagar.

Assim te vinhas mantendo nos últimos tempos: quase sem te alimentares, a voz cada dia mais fraca, os gestos mais lentos, os cabelos embranquecendo até ficarem alvos de neve…

Naquele dia, recostada na almofada, de olhos semicerrados, parecias irradiar uma luz especial.

Numa comunhão perfeita entre nós duas, abriste os olhos, olhaste-me com um ligeiro sorriso e um carinho imenso que me inundou o coração, ao mesmo tempo que me provocava um estranho estremecimento.

Depois, lentamente, muito lentamente, levantaste a mão direita e esboçaste um ligeiro aceno, que mais tarde interpretei como um adeus.

Pousei o leque e segurei a tua mão entre as minhas. Um suspiro profundo indicou-me que acabavas de partir.

Continuei assim não sei por quanto tempo, sem um grito, um lamento… apenas deixando as lágrimas deslisarem-me pelo rosto.

Partiste tão serena como viveste, pelo menos o último ano da tua vida.

Sei que estás num lugar especial, que foste merecendo ao longo dos teus dias neste mundo, por onde passaste praticando sempre o bem.

Foi este pensamento que me fez aceitar a tua partida com resignação, e me leva a pensar em ti todos os dias com um imenso carinho.

Até um dia, mamã. Sei que voltaremos a ver-nos.


segunda-feira, 14 de abril de 2014

UM OLHAR SOBRE O PASSADO

UM OLHAR SOBRE O PASSADO
 

Aproxima-se o dia 25 de Abril, data em que se comemora o 40º.aniversário da “Revolução dos Cravos”, que pôs fim à Ditadura Salazarista, período também chamado de “salazarismo”, e que permaneceu em Portugal durante 41 anos (1933-1968).
Nos anos que se seguiram, e até Abril de 1974, o País foi governado por Marcelo Caetano, um eremita austero “casado com a Nação”, ideologista com forte componente católica, que, através de uma Concordata, concedeu à igreja vastos privilégios, associando-a ao regime.

Talvez o facto de a TV noticiar, com grande relevo, as comemorações “em agenda”, que este ano parecem anunciar-se não totalmente pacíficas, fez-me lembrar como eram diferentes os usos e costumes uns 20 anos antes da Revolução.
Quem viveu esses tempos e/ou leu sobre o assunto sabe que houve um período muito triste, uma verdadeira mancha na história da humanidade, que decorreu durante a 2ª.Guerra Mundial, e nos anos que lhe sucederam.
Enquanto fora das nossas fronteiras, no “pós guerra” 1939/1945, se assistia a uma explosão de acontecimentos, nós, portugueses, ficávamos parados no tempo.
Para além das enormes dificuldades que se viviam, especialmente com a subida ao poder de Salazar, e a implantação do Estado Novo, a censura actuava severamente, e as proibições surgiam como cogumelos.
- Quem não se lembra que era proibido dar um beijo em público?
- Que era proibido a uma mulher casada viajar para o estrangeiro sem a devida autorização, por escrito, do seu marido?
- Que era proibido vestir mini-saia?
Usar biquíni na praia? Nem pensar! O fato de banho era uma peça única, não muito cavado nas pernas e sem exagerar no decote.
 


Barriguinhas à mostra…proibidíssimo!
 
Contava-se uma história, que acredito fosse anedota, de uma turista inglesa que, numa praia portuguesa, se passeava de biquíni, deliciando-se com o sol de Portugal.
Nada que se compare aos biquínis de hoje. Calção subido até à cintura e sutiã bem recatado, que pouco expunha aos olhos cobiçosos.
Foi interpelada por um cabo-de-mar (polícia marítimo) que, no seu inglês macarrónico, aprendido no Cais do Sodré, entre palavras e sinais, tentava fazer-lhe saber que não podia andar assim vestida (ou despida).
Como a inglesa parecia não dar sinais de compreensão, o polícia conseguiu soletrar, apontando para o biquíni:
- Just one piece!
Percebendo, finalmente, a inglesa respondeu, no seu português também macarrónico:
– Ou! Só um peça? Eu escolher a de baixo, ok? E retirou o sutiã.
A história que ouvi contar acabava aqui. Não sei qual o seguimento, mas imagino que tenha sido a esquadra de polícia mais próxima.

Muitos escritores e músicos viram as suas obras censuradas e retiradas de circulação.
Durante o regime Salazar/Caetano foram proibidas cerca de 3300 obras.
Nos guiões para cinema e peças de teatro a tesoura da censura cortava sem contemplações.
Algumas músicas e muitos livros ouviam-se e liam-se apenas na intimidade do lar, ou em círculos muito restritos e de extrema confiança, não fosse alguém descobrir e contar à PIDE. (inicialmente PVDE [na gíria “pevide”]– Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, depois PIDE – Polícia Internacional de Defesa do Estado, e finalmente DGS – Direcção Geral de Segurança)
Muitos intelectuais portugueses deslocavam-se a Paris onde podiam discutir à vontade sobre obras proibidas em Portugal, e, nalguns casos até, publicá-las em França.

Dá para acreditar que tudo isto se passava há, APENAS, cinquenta anos atrás?

O regime acabou por “cair” graças à acção de uma conspiração militar dirigida pelo Movimento das Forças Armadas, em 25 de Abril de 1974.

Para o bem e para o mal a Revolução fez-se. No início viveram-se tempos bastante conturbados, a que assisti de muito perto, sentindo por vezes na pele os efeitos de tomadas de posição duma ou doutra facção.
Como em todas as circunstâncias há contentes e descontentes, tal como houve vantagens e desvantagens.
Pessoalmente considero que os benefícios ultrapassam largamente os prejuízos.
Não podemos esquecer que a “Revolução dos Cravos” nos trouxe um bem há muitos anos perdido - A LIBERDADE!

Nem que fosse só por isso, já se justificaria dizer:
VALEU A PENA!