segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Minhas queridas amigas, meus queridos amigos
Encontro-me doente desde há cerca de uma semana, motivo pelo qual, desde o dia 19, raramente, e apenas por breves momentos, tenho passado pelo pc.
Peço que me perdoem não responder/agradecer as vossas visitas, o que farei logo que a saúde mo permita.
Embora a minha doença seja de uma certa gravidade, espero conseguir, aos poucos, ir compondo um post para o dia 14 de Fevereiro.
Muito obrigada a todos pela vossa compreensão e amizade.
Mariazita, 26.01.2013
 
CENAS CAMPESTRES
 
A BESTA QUADRADA

- Não vês o que estás a fazer, ó minha grande besta? És mesmo uma besta quadrada – vociferou o Ti Manel das Coives perante uma qualquer aselhice do seu criado Balbino.
Este tinha ainda na memória uma aula de História, em que a senhora Professora lhes tinha explicado:
- “Besta era, na Idade Média, uma arma composta de um arco colocado sobre um cepo, do qual o arqueiro disparava sobre o inimigo”.
 

(Besteiro – Net)

Mas, o Balbino não se lembrava de ela ter dito que a tal besta era quadrada.
A besta a que se referia o Ti Manel das Coives nada tinha a ver com armas. Ao apelidar o pobre Balbino, que até essa data o servira sempre humildemente, de “besta”, apenas queria significar que o rapaz era desprovido de inteligência, tal como qualquer animal de carga.
Intrigado pelo facto de tantas vezes o seu nome ser trocado pelo de “besta”, e não menos vezes “quadrada”, Balbino dirigiu-se ao estábulo, para alimentar os animais, pondo-se a observar a verdadeira besta.
Lá estava a mula de estimação do Ti Manel, que tantas vezes era favorecida em detrimento do criado, obrigado a tarefas que à mula pertenciam.
Mirando-a por todos os lados, não conseguiu ver no animal nada de quadrado nem rectangular, nem mesmo redondo, exceptuando talvez as ilhargas, arredondadas devido ao bom trato, ração farta e pouco trabalho.


Depois de muito olhar e pensar, concluiu que o patrão andara, desde sempre, a insultá-lo, a rebaixá-lo, comparando-o à mula que, lá nas longínquas berças donde viera para servir na casa do Ti Manel, chamavam simplesmente de “besta”.
Chegando a esta conclusão o Balbino sentiu uma irritação crescendo dentro de si, a ponto de quase o sufocar.
Ao contrário do que o patrão pensava, o rapaz era inteligente. Andava a servir apenas porque a família era muito pobre, e a pequena terra que os pais cultivavam não dava para o sustento de tantas bocas.
Andara na escola apenas quatro anos, até fazer o exame da quarta classe, revelando uma inteligência viva e enorme facilidade de aprendizagem.
Agora, com a raiva dentro de si, ansiava por dar uma lição ao desnaturado patrão.
Aproximando-se da mula levantou-lhe uma pata traseira, colocando uma pequena lasca de madeira, cuidadosamente, entre os cascos.
De seguida segurou o animal pela arreata trazendo-o para o exterior. Tal como previsto o animal vinha a mancar.
O Ti Manel, vendo a mula a coxear, imediatamente se acercou, indagando, alto e com maus modos:
- Ó minha besta quadrada, o que fizeste tu à minha pobre mulinha, para ela não pôr o pé no chão?
Balbino, afivelando no rosto o ar mais inocente possível, respondeu:
- Eu, Ti Manel? Pois o que havera eu de fazer ao animalzinho? Eu só vi que ela estava com o pé no ar, e por isso trouxe-a cá fora, p’ra vocemecê ver o que se passa.
O Ti Manel abeirou-se da traseira do animal, baixou-se para lhe levantar a pata, ficando com o rosto ao nível do joelho do animal. Segurando-lhe na perna, virou o casco para cima, e viu o pedacinho de madeira.
- Ó minha menina, como não havias de coxear, com um tarolo aqui enfiado entre as unhas? Eu já trato de ti.
Ao tentar tirar o bocadinho de madeira, este enterrou-se ainda mais, causando dor. O animal, instintivamente, deu um valente coice, atingindo o dono, em cheio, na cara.
Desequilibrando-se, o Ti Manel caiu de lado, batendo com a cabeça no muro de pedras soltas, acabando por desmaiar.
No meio de grande aflição, e já meio arrependido do que tinha feito, o Balbino pediu socorro, e os vizinhos chamaram uma ambulância que o transportou ao hospital. O criado fez questão de o acompanhar, até porque fora a única testemunha do ocorrido.
Interrogado pelo médico, Balbino relatou o acontecido, omitindo que fora ele próprio que colocara no casco do animal a lasca de madeira.
E, dando-se ares de importância, imitando o patrão, acrescentou:
- A culpa foi toda daquela mula, que é uma verdadeira besta quadrada!
O médico, com um sorriso, esclareceu-o: - Besta quadrada? Já viste alguma besta quadrada? Eu nunca vi, nem quadrada nem redonda.
E com uma gargalhada rematou: -Tu querias dizer “besta ao quadrado”, penso eu, não era?
Não dando parte de fraco, o Balbino respondeu prontamente:
- Claro, senhor doutor, eu estava a brincar… E mostrou um sorriso de orelha a orelha.
No regresso a casa Balbino assobiava satisfeito, pensando:
- Agora, que consegui até enganar um médico, posso dizer que sou mais inteligente do que a “besta ao quadrado” do meu patrão!