domingo, 27 de março de 2011

CENAS DA VIDA REAL

AS CALCINHAS DA MARIA EUGÉNIA



Maria Eugénia era um doce de pessoa!
Sempre com um sorriso no rosto a todos acolhia com carinho e ternura, pronta a proporcionar todo o auxílio a quem dele necessitasse, simplesmente dar um conselho ou oferecer um ombro amigo para um eventual derrame de lágrimas.
Tendo sido uma alegre bebé gorducha, transformou-se numa adolescente rechonchudinha e, mais tarde, numa jovem de formas redondinhas.
Sem qualquer complexo em relação ao seu aspecto um pouco “anafado”, quando alguém lhe dizia que talvez devesse perder um pouquinho de peso, respondia alegremente:
- Gordura é formosura.
Atingiu assim os dezoito anos, sempre alegre e feliz.
Em breve conheceu um jovem, António, com quem simpatizou bastante e que a cortejou.
Tratava-se dum rapaz com muito boa aparência e bem instalado na vida, que, com a aprovação da família, começou a namorar a Maria Eugénia.
Decorridos três ou quatro anos de namoro, o tempo que naquela altura se considerava normal, realizou-se o casamento.
As “amigas” achavam que, tratando-se de um rapaz tão bonito, bem poderia escolher noiva mais apresentável. Não que Maria Eugénia fosse feia, pois tinha um rosto muito bonito; mas não devia nada à elegância.
O que as “amigas” não sabiam era que, o que tinha prendido António era o enorme coração de Maria Eugénia, ao qual se rendera incondicionalmente.
Foram felizes até ao fim dos seus dias.
António trabalhava com importações de tecidos finos (sedas, veludos, tules…) o que, naquela época, contribuía para engrossar a sua conta bancária.
Mais tarde abriu uma loja onde vendia vestidos para noivas e acompanhantes, costurados nas traseiras da loja, onde montara uma pequena fabriqueta.
Com o tempo, e com o seu dom especial para os negócios, em breve abria mais lojas e montava uma fábrica de confecção a sério.
Neste tipo de trabalho em que se ocupava António, a sua clientela era sobretudo feminina. E porque ele era de facto um homem muito atraente, a quem o casamento fizera aumentar os atributos físicos, as suas clientes não raras vezes tentavam insinuar-se junto dele. Porém António, com um sorriso constante nos lábios, contornava a situação conseguindo manter-se fiel ao casamento. Não perdia a cliente e não traía Maria Eugénia.
Por vezes, despeitadas, e porque conheciam Maria Eugénia, quando a encontravam tentavam intrigar, insinuando que António fora visto aqui e ali, em companhias mais que suspeitas.
Maria Eugénia ouvia-as com toda a atenção e delicadeza, próprias da sua maneira de ser, e no fim, esboçando o maior sorriso que podia ostentar, respondia:
- Ora! O que é que isso importa? Depois de lavado fica como novo!
E assim desarmava as “amigas de Peniche”.

Maria Eugénia teve dois filhos, que eram o encantamento dos pais.
As duas gestações não favoreceram nada o físico de Maria Eugénia que apresentava agora umas formas mais redondas ainda.
Isso não parecia preocupá-la minimamente, e a sua felicidade familiar era completa.
Com o desenvolvimento dos negócios António arranjou clientes na Madeira e Açores, os quais visitava no princípio das estações, levando-lhes mostruários das suas colecções de tecidos e figurinos dos vestidos de noiva.
Enquanto as crianças foram pequenas António viajava sozinho porque Maria Eugénia, mãe extremosa, não os queria deixar entregues às criadas.
Porém, quando eles já eram mais crescidos, e porque tinham sido educados segundo valores éticos responsáveis, Maria Eugénia começou a acompanhar o marido.
Numa dessas viagens à Madeira quando chegaram ao hotel e se instalaram no quarto, Maria Eugénia verificou, horrorizada, que se tinha esquecido de meter calcinhas na mala. Ficou aflita.
As estadias, tanto na Madeira como nos Açores, demoravam sempre duas semanas e eram feitas entre fins de Janeiro princípios de Março.
Seria impensável andar todas as noites a lavar as calcinhas, até porque era inverno e o mais provável seria não secarem durante a noite.
O marido, que entretanto ficara à conversa com um conhecido no hall do hotel, foi encontrá-la bastante contrariada. Mas logo encontrou solução:
- Depois de almoço, quando eu for visitar o cliente “X”, tu aproveitas o tempo, vais às lojas e compras todas as calcinhas que achares necessárias.
Maria Eugénia respirou aliviada. No meio da aflição e aborrecimento por se ter esquecido duma coisa tão básica, nem lhe ocorrera uma solução tão simples.
Tal como combinado, de tarde Maria Eugénia pôs-se em campo à procura de lojas de lingerie. Entrou na primeira que encontrou onde um amável senhor a cumprimentou com um sorriso.
Quando Maria Eugénia lhe disse o que pretendia o senhor perguntou-lhe qual o número que ela queria, coisa que ela disse desconhecer. E acrescentou:
- São para mim.
O senhor mirou-a com toda a atenção, como que a tirar-lhe as medidas. Voltou-se e retirou da prateleira uma caixa de calcinhas. E disse, olhando-a novamente.
- Penso que este tamanho deve estar bem, e até lhe dá até ao fim do tempo (gravidez).
Maria Eugénia engoliu em seco, pagou e retirou-se.
À noite, ao contar ao marido o sucedido, com uma gargalhada ela comentou:
- Ainda bem que ele pensou que eu estava grávida. É bem melhor do que pensar que a minha gordura é simplesmente gordura.


domingo, 20 de março de 2011

A SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA

(A Primavera – Botticcelli)

Para assinalar o início da Primavera ocorre-me falar-vos um pouco sobre uma obra musical associada a esta estação do ano, cujos acordes foram objecto de grande discórdia no passado século XX, mas que, apesar de tudo, é ainda considerada uma obra prima no campo musical.

A «Sagração da Primavera», também conhecida pelo seu título em Francês "Le Sacre du Printemps" é um ballet em dois atos que conta a história da imolação de uma jovem que deve ser sacrificada como oferenda ao deus da primavera num ritual primitivo, a fim de trazer boas colheitas para a tribo.
A música, da autoria do russo Igor Stravinsky, é amplamente conhecida como uma das maiores, mais influentes e mais reproduzidas composições da história da música do Século XX.

Igor Stravinsky concebeu a obra em 1910, quando, segundo as suas palavras, "sonhou com uma cena de ritual pagão em que uma virgem eleita para o sacrifício dança até morrer".
A maior parte da música foi composta em 1911.
Nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, A «Sagração da Primavera» libertou os impulsos musicais selvagens, subliminares, que pressagiavam a história posterior do violento século XX.

Em Paris, em 1913, aquando da primeira execução da Sagração da Primavera, ocorreu o que, na opinião de muitos, se pode considerar o maior escândalo musical de sempre.
O compositor russo foi logo definido como «revolucionário por excelência», e a sua obra como um dos símbolos mais típicos do «moderno» - no sentido de irritante, chocante, escandaloso.
Com o tempo tudo que é novo perde a sua força de embate; contudo, apesar de, posteriormente, essa música ser considerada como uma obra prima, para muitos conserva ainda algo do seu original carácter provocatório.
Da música de Stravinsky costumo dizer: ou se ama ou se odeia, não há meio termo.
De qualquer forma considero a Sagração da Primavera como uma explosão de vida, em que o ventre da Natureza se abre para receber a semente de mais um ciclo que se inicia.
De entre as várias interpretações de «A Sagração da Primavera» escolhi uma que me parece mais acessível a todos – os que amam e os que odeiam :)

domingo, 13 de março de 2011

LENDA DAS SETE COLINAS DE LISBOA

Embora Roma seja também conhecida pela “cidade das sete colinas”, a verdade é que este epíteto pertence, por direito que lhe é conferido pela antiguidade, à cidade de Lisboa.
Espero não estar a ser muito “bairrista” ao fazer esta declaração 
Acerca da origem das colinas de Lisboa existem várias lendas, cada qual a mais interessante, e, em muitos pontos, coincidentes.
Escolhi esta que vou partilhar convosco por ser a que mais me agrada.
Em época que se perde nos tempos, ainda antes de ser ocupada por romanos e gregos, e até fenícios, existia aqui um reino chamado Ofiusa, que era governado por serpentes gigantescas.
Ao contrário dos outros elementos do governo, que eram serpentes normais, a rainha era diferente. Possuía cabeça e tronco de mulher, tendo as pernas substituídas por cauda de serpente.
Não deixando de ter, no seu íntimo, as características inerentes à serpente, era, contudo, um ser muito gentil e afável, com um enorme poder de sedução, que usava para atrair todos que aportavam ao seu reino.

Nas suas longas viagens aconteceu que Ulisses

e os seus companheiros passaram pelo Rio Tejo e, encantados com a sua beleza, resolveram ancorar e passar aqui alguns dias descansando, quem sabe, até, fundando uma cidade, a que seria dado o nome de Ulisseia.

Logo que viu Ulisses a rainha apaixonou-se perdidamente por ele. Propôs-lhe que se mantivesse no reino e, em troca, ela o desposaria.
Ulisses, receando a fúria de Ofiusa, com a qual podia correr até risco de vida, pois não esquecia que ela era meio serpente, fingiu aceitar, até que ele e os seus homens pudessem descansar e abastecer a nau com mantimentos necessários ao prosseguimento da viagem.

Alguns dias depois a nau encontrava-se perfeitamente abastecida; podiam, portanto, pôr-se a caminho.

Numa manhã bem cedo, ainda a rainha se encontrava a dormir, Ulisses conseguiu enganá-la e fugir para o mar alto.

Ao ver-se só, enraivecida por ter sido enganada, a rainha lançou-se da colina onde vivia em direcção ao mar. A sua longa cauda não lhe permitia mover-se com grande velocidade, mas não a impediu de serpentear até ao rio, deixando atrás de si, como prova do enorme esforço, as sete colinas que ainda hoje existem em Lisboa.
Chegada ao rio ainda continuou algum tempo nadando até ao mar, mas acabou por desistir, sem forças para continuar perseguindo Ulisses, que entretanto já se encontrava longe.

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- A primeira colina é a de S. Vicente de Fora – pertence ao Bairro de
Alfama
- À esquerda desta levanta-se uma outra que sobe até ao Postigo de Stº.
André – pertence ao Bairro da Graça

(Miradouro da Graça)

- A terceira colina é a mais alta de todas, a colina de S. Jorge, que tem
no cimo o Castelo de S. Jorge – pertence ao Bairro da Mouraria

(Miradouro do Castelo de S. Jorge)

- A quarta elevação tem o nome de Sant’Ana – pertence ao Bairro da
Anunciada
- A quinta é a de S. Roque – pertence ao Bairro Alto
- A sexta colina é a das Chagas, que deve o seu nome à igreja que ali
edificaram os marinheiros da rota da índia, em louvor às chagas de
Cristo – pertence ao Bairro do Carmo
- Finalmente a sétima colina é a de Santa Catarina – pertence ao bairro
Camões.

(Miradouro de Santa Catarina)

Ainda hoje se conservam aí os 7 principais templos de Lisboa.

As sete colinas de Lisboa continuam a dirigir-se todas para o rio Tejo, em busca dum amor eterno.

domingo, 6 de março de 2011

SAUDOSA ÁFRICA DISTANTE

O CHEIRO DE ÁFRICA
O meu olhar vagueia pela lonjura da planície. Rodo, olhando em volta. Descrevo um ângulo de 360 graus. Até onde a vista alcança apenas mato se vislumbra. Giro de novo. A paisagem mantém-se inalterável. Numa extensão de quilómetros estou rodeada de mato. Salpicado, aqui e ali, de árvores de pequeno porte. São poucas, as árvores, e de aspecto raquítico. A casa, ao estilo bem colonial, tem um alpendre de um dos lados, a todo o comprimento. Aí se encontram uns cadeirões de braços, em madeira, com almofadas gastas pelo tempo, desbotadas pelo sol, com um ou outro rasgão, como que a dizer: terminou o nosso prazo de validade. Não primam pela macieza, as almofadas, mas tornam os cadeirões um pouco menos desconfortáveis. Herdei-as, como tudo o resto, dos antigos moradores. Detenho-me um momento a pensar – precisam de ser substituídas. Encosto-me ao varandim, e aspiro o ar fresco da manhã. Que paz. Que tranquilidade ! E que cheiro! Sobretudo o cheiro… (Em nenhum lugar do mundo se pode sentir o cheiro de África. É o que melhor retenho na memória. Por vezes ainda consigo senti-lo). Quem já cheirou África nunca mais esquece. O sol começa a levantar-se no horizonte. A temperatura depressa subirá; o calor vai apertar. Mas a casa mantém-se fresca. Já se ouvem os rumores dos criados preparando a mesa para o mata-bicho. Aqui as mulheres não trabalham para os “brancos”. Mantêm-se nas suas palhotas, cuidam dos filhos, tratam da machamba, vendem no mercado os produtos que cultivam. Só os homens vêm para nossas casas, por vezes com dormida incluída, visitando a família aos fins de semana. Executam todo o trabalho doméstico, como cozinhar, tratar das roupas, limpar… À senhora da casa compete ensinar, orientar, fiscalizar… Os tempos de lazer ocupa-os com o que lhe dá prazer – cuidar dos filhos, se os tem, ler, ouvir música…tudo o que possa contribuir para afastar a sensação de isolamento em que vive. O isolamento, por vezes, custa a suportar, prega as suas partidas. A alguns quilómetros daqui há um pequeno destacamento, cujo “responsável” é substituído de duas em duas semanas. Um desses jovens é particularmente sensível à solidão que o oprime. Quando se sente sufocar, sobe a um morro ali existente, e grita a plenos pulmões tudo o que lhe vem à cabeça. Em resposta ouve o eco das suas próprias palavras. E sente-se reconfortado… Foi a forma que encontrou para aguentar o tempo de espera até ser substituído. Começo a sentir o perfume do café acabadinho de fazer. Não consigo habituar-me ao tradicional mata-bicho de África – uma refeição de garfo, completíssima. Mantenho-me fiel ao café com leite (em pó – não há outro), e as torradas com manteiga (em lata, importada da África do Sul). Mais um dia se passou. À noite sentamo-nos no alpendre, nos cadeirões com almofadas rasgadas – precisam mesmo ser substituídas… Assim nos protegemos do cacimbo que sempre aparece pela noite. À nossa volta tudo é silêncio, escuridão, tranquilidade. Mas não estamos tranquilos. Sabemos que essa paz não reinará para sempre. Na realidade tem apenas dois ou três meses de vida… Sabemos que estamos a viver sobre um barril de pólvora. E porque terça feira é o Dia Internacional da Mulher deixo-vos com alguns pensamentos relativos à Mulher (por ordem cronológica do nascimento dos autores): A natureza deu tanto poder à mulher que a lei, por prudência, deu-lhe pouco. Autor: Samuel Johnson Escritor - Inglaterra [1709-1784] A mulher é a mais bela metade do mundo. Autor: Rousseau - Jean Jacques Rousseau Filósofo, Escritor - França [1712-1778] Sinto-me feliz por não ser homem, porque, se o fosse, teria de casar com uma mulher. Autor: Madame de Stael - Anne Louise Gemaine Necker Escritora - França [1766-1817] Tirai do mundo a mulher e a ambição desaparecerá de todas as almas generosas. Autor: Alexandre Herculano Escritor - Portugal [1810-1877] Difícil é amar uma mulher e simultaneamente fazer alguma coisa com juízo. Autor: Léon Tolstoi Escritor - Russia [1828-1910] A mulher alimenta-se de carícias, como a abelha das flores. Autor: Anatole France Crítico, Escritor - França [1844-1924] As mulheres existem para que as amemos, e não para que as compreendamos. Autor: Oscar Wilde - Oscar Fingall O'Flahertie Wills Wilde Escritor/Poeta/Dramaturgo/Ensaísta - Irlanda [1854-1900] Ser mulher é algo difícil, já que consiste basicamente em lidar com homens. Autor: Joseph Conrad Escritor - Inglaterra [1857-1924] A mulher deve ser lentamente decifrada, como o enigma que é: encanto a encanto. Autor: Coelho Neto - Henrique Maximiano Coelho Neto Escritor, político e professor - Brasil [1864-1934] Do amor para com a mulher, nasceu tudo o que há de mais belo no mundo. Autor: Máximo Gorky - Aleksei Maksimovitch Pechkov Escritor - Russia [1868-1936] A mulher existe para que o homem se torne inteligente graças a ela. Autor: Karl Kraus Escritor - Austria [1874-1936] Somente a mulher sabe do que a mulher é capaz. Autor: William Maugham - William Somerset Maugham Escritor – Inglaterra [1874-1965] E terminou com chave d’ouro – o que considero “o melhor de todos” (fora da ordem cronológica...) Frequentemente a mulher tem medo de um rato, mas sobe ao patíbulo heroicamente; grita ao ver uma cobra, mas lança-se nas chamas para salvar um filho. Autor: Paolo Mantegazza Antropólogo/Fisiologista - Itália [1831-1910]