domingo, 25 de julho de 2010

SAUDOSA ÁFRICA DISTANTE – (3/02)

O Francisco

Em frente à nossa casa, do lado de lá da estrada, a seguir ao “campo de batalha” dos cães, há um declive que termina junto ao mar.
Ali existe a “pomposamente” chamada Praia da Matiota.
Na realidade não há qualquer porção de areia, o que se pressupõe quando se usa o termo “praia”. Há apenas uns quantos rochedos com acesso ao mar, no qual, em dias de semana, damos agradáveis mergulhos.
Esta é a nossa praia de semana.

Estendemos as toalhas sobre os penedos e aí tomamos o nosso banho de sol.

Temos outra praia, muito boa, para os domingos… a Baía das Gatas. Noutra altura falaremos dela.

Aqui são as mulheres que trabalham nas casas dos “senhores do continente”.
Parecendo fazer parte da mobília, já se encontrava na casa uma cozinheira, uma mulher simpática, que, vim a descobrir, tinha um coração do tamanho do mundo.
Bondosa, extremamente carinhosa com as crianças, gostava muito de animais. Em pouco tempo trouxe-me para casa um cachorro, ainda pequeno, que conservei até regressar.
Nessa altura levou-o para sua casa. Com aquele enorme coração tinha mesmo que o adoptar, não o podia abandonar.

Nas traseiras havia um pátio murado, com umas casotas onde se podiam criar animais – galinhas, patos, talvez coelhos.
Luísa, a cozinheira, pediu-me para criar galinhas. Algum tempo depois havia uma quantidade de pintainhos, parecendo novelos de algodão, passeando pelo pátio, acompanhados da mãe galinha.

Crescem depressa, estes animaizinhos. Duas ou três semanas depois já não havia novelos de algodão, mas uns frangotes de pernas exageradamente altas para o corpo, onde despontavam penas de cores variadas.
Um dia a Luísa apareceu-me com um frangote nas mãos, dizendo:
- Senhora, este está doente, vai morrer.
- Mas que doença é que ele tem? – perguntei.
- Não sei como se chama a doença, mas é devida ao frio; quando eles a apanham não se aguentam em pé.
E, dizendo isto, colocou o animal no chão. De imediato ele dobrou as pernas pelo meio, quase como se ficasse sentado com as pernas para a frente. Não conseguia manter-se de pé.
Agarrei-o, e senti-o frio.
- Coitadinho! Mas ele está mesmo gelado!

Eu costumava usar em casa umas saias com uns bolsos grandes, que serviam para ir guardando pequenas peças dos brinquedos que as crianças deixavam caídas aqui e ali.
Meti o franguinho dentro do bolso, encostado ao meu corpo. Algum tempo depois já não estava tão frio.
À noite meti-o dentro duma caixa pequena, aconchegado num pano quente.

Apliquei-lhe este “tratamento” uma semana, talvez um pouco mais: de dia no meu bolso, à noite na caixa.

E o milagre (do calor, penso eu) aconteceu: o franguinho recuperou a saúde e tinha as pernas mais fortes de todos.

Entretanto tinha-o “baptizado” de Francisco.
Acreditem, se quiserem. Depois que saiu do meu bolso, o Francisco passou a seguir os meus passos por toda a casa, e à noite encaminhava-se prontamente para a sua “cama”, que estava, naturalmente, no meu quarto.

Fez-se um galo lindo, o Francisco! Com penas lustrosas, que pareciam envernizadas, um ar altaneiro, era mesmo o rei da capoeira!

Quando regressei ofereci-o à Luísa.

domingo, 18 de julho de 2010

CARTA PARA JOSEFA

Completa-se hoje, dia 18 de Julho, um mês sobre a morte de José Saramago.
À data do seu falecimento abstive-me de publicar qualquer notícia sobre o Nobel da Literatura Português. Muitos blogs o fizeram, muitos foram os comentários que fiz nalguns desses mesmos blogs.
Passados estes trinta dias apraz-me relembrar aquele que é considerado um dos maiores, senão o maior, escritor de língua portuguesa.
Nesse sentido lembrei-me de partilhar convosco um texto, talvez dos menos conhecidos de Saramago, que tem por título

“Carta a Josefa, minha avó”

Avó Josefa e Avô Jerónimo, no dia do nascimento do seu neto mais novo, José Saramago



Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.
Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti – e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.
Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!”.
É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua.

José Saramago, in “Deste Mundo e do Outro”


Saramago, aos 76 anos de idade, recebe o Prêmio Nobel das mãos do rei da Suécia.
Estocolmo, 1998

domingo, 11 de julho de 2010

PARA INGLÊS VER

A maioria das pessoas já ouviu a expressão “para inglês ver”, mas, provavelmente, poucas saberão a sua origem.
Veja a explicação que é apresentada como muito provável:

A origem deste ditado situa-se, quem diria, pela época da Abolição da Escravatura. Em termos geográficos, mais precisamente pertinho de Conservatória (RJ) na divisa de Minas Gerais com o Rio de Janeiro em Santa Rita de Jacutinga..
Pelo lado mineiro, nas margens do Rio Preto, existe uma secular Fazenda, a Santa Clara.

Sua sede majestosa (foto), entre outros detalhes arquitetônicos típicos da época relativa ao Ciclo do Café, conta com mais de 100 janelas voltadas para a sua fachada.
Pois bem, a Inglaterra era a maior credora da dívida externa brasileira e, pelo fato da abolição da escravatura no Brasil ter demorado por demais na sua finalização, segundo o gosto inglês, este país condicionou a continuidade dos negócios com os Tupiniquins à exigência de exterminação de quaiquer resquícios de escravidão humana.
A Fazenda Santa Clara foi alvo de uma severa fiscalização por parte da Coroa Inglesa que anunciara para breve uma vistoria nas suas instalações, mercê de denúncias de ainda praticar-se por lá o uso de mão de obra escrava e principalmente, pela existência de senzalas que continuavam a abrigar, agora clandestinamente, estes escravos.
Senzalas não tinham janelas e possuíam uma única entrada e só.
Aproximava-se a data prevista para a tão temida vistoria dos Ingleses.
Alguém teve, então, a idéia de desenhar várias janelas (umas abertas, outras fechadas e outras tantas semi-abertas), nas paredes frontais às senzalas.

Assim pensado, assim feito. O pessoal da fazenda tinha conhecimento que a comitiva dos auditores Ingleses passaria pela margem oposta do Rio Preto, no Rio de Janeiro, haja a vista que o acesso para Minas Gerais (margem da Fazenda Santa Clara) só poderia ser acessada em um local muito distante. Isto tomaria um tempo precioso e a Santa Clara não era a única a ser submetida a tal cometimento. Todas a fazendas da região de Vassouras, Barra do Piraí, Valença e Paraíba do Sul, ou quase todas, estavam incriminadas. Portanto a vistoria tinha que ser rápida;
E assim os Ingleses, na margem oposta do Rio, fiscalizaram a Fazenda Santa Clara e constataram que as reformas necessárias foram executadas. Não mais senzalas. Vistosas janelas foram colocadas no, antes, hediondo local, tornando-o humanizado segundo os padrões habitacionais.
Notava-se inclusive que algumas das janelas estavam entreabertas, permitindo uma ventilação refrescante ..

E agora você já sabe: -Toda vez que ouvir alguém dizer “isto é para inglês ver”, foi lá na Fazenda Santa Clara que tudo aconteceu. Se tiver oportunidade vá ao local e poderá ver as “janelas” perfeitamente colocadas.

M.Turbay (Vila Velha, ES, 01/01/2009)

História
A Fazenda Santa Clara foi construída a partir de 1760 pelo governador de Minas Gerais e a família Bustamante Fortes, de São João Del Rey.


O lugar é repleto de rituais, tais como: uma janela para cada dia do ano, ou seja, 365 janelas; a escada da oração "Pai Nosso", na qual o fiel subia rezando uma frase para cada degrau (acertando, podia fazer um pedido para Santa Clara e seria atendido); a prisão conserva até hoje os instrumentos de torturas, os troncos, marcas de unhas nas paredes (prova do padecimento dos escravos), a senzala com suas janelas pintadas para que a fazenda não perdesse a estética (não poderiam ser verdadeiras para não facilitarem a fuga dos cativos) e os salões com móveis portugueses e italianos da época. Tudo isso guarda a história dos tempos da colonização e da escravidão. A fazenda serve de palco para grandes produções da Rede Globo. Ali foi rodada a mini-série "Abolição" e também parte da novela "Terra Nostra", sendo cenário da fazenda de Gumercindo (Antôni Fagundes). Está aberta à visitação pública, acompanhada por um guia da fazenda, mostrando todo seu interior e contando toda a sua história.

domingo, 4 de julho de 2010

JÁ INAUGUREI O VERÃO

Não sei se convosco o verão já foi inaugurado (os residentes em Portugal; no Brasil começou há pouco o inverno)
Comigo, sim!
Para mim, inaugurar o verão significa praia, sol, areia, passeios à beira mar,

Image and video hosting by TinyPic

uns belos mergulhos quando a água não está gelada ...Image and video hosting by TinyPic
Resumindo, tudo coisas agradáveis, que me dão muito prazer e me transmitem uma boa disposição que no inverno nem sempre me acompanha.
Tem apenas um pequenino contra: o tempo disponível para o computador fica substancialmente reduzido.
As visitas aos blogs amigos começam a rarear e a ser mais “a despachar”, mas isso não tem importância porque logo chega o inverno para serem recompensados.
Geralmente publico menos textos de minha autoria, recorrendo a autores diversos que merecem o meu respeito e admiração.
E porque o tempo é de boa disposição, vamos a um texto que acho incrivelmente engraçado, e que espero seja também do vosso agrado.
O autor é um dos meus predilectos (brasileiros)


INTERNET
- Zé, vem pra cama. São mais de três horas!
- Peraí Flavinha... Tô quase acabando...
- Essa coisa de Internet vai te deixar internado num manicômio!
- É pra faculdade. Trabalho de economia. Tô pesquisando em vários jornais do mundo é o Asahi Shimbun.
- Saúde!
- Saúde o que?
- Você espirrou.
- Não sacaneia! Asahi Shimbun é um jornal japonês!
- E desde quando você sabe ler aqueles pauzinhos?
- Essa edição está em inglês. E não são pauzinhos, são ideogramas.
- Quanta erudição!
- Para de perturbar e volta pra cama, senão a pesquisa não sai hoje..
- Como é que eu vou dormir com essa impressora fazendo tanto barulho?
- Tá eu desligo a impressora, passo tudo pro C e amanhã imprimo o resto.
- Passa PRA MIM o quê?
- Não é PARA VOCÊ, é para o C, que representa o HD onde a gente guarda tudo no computador... Ah esquece.
- Esquece por que? Você acha que eu sou burra demais pra aprender essas coisas?
- Não é isso. É que a gente precisa de um conhecimento específico pra entender o funcionamento dessas máquinas, e de mais a mais, a essa hora da madrugada não dá pra raciocinar direito. Vai pra cama.
- Zé... Só mais uma coisa rapidinho: como é que você consegue achar aí um jornal do Japão?
- Fácil Pelo Browse a gente entra em alguns sites que fazem o papel de catálogos e Home Pages. Você digita um nome ou um assunto e faz uma pesquisa...
-Traduz.
-Tem uns... Uns... Uns programas que têm todos os endereços de páginas na Internet.
- O que que é um BRAUSE? É grande?
- Ô Flávia, você vai sacanear ou prestar atenção?
- Cumé que eu vou entender essa língua que você tá falando? É bráulio,romipeige,saite...
- Não é bráulio: é Browse. E vê se cala essa boca e presta um pouquinho de atenção. Tem uns programas que servem de catálogos, então a gente escolhe o assunto e pesquisa através do Browse, aí aparecem na tela os endereços e é só escolher um, clicar duas vezes em cima com o mouse que aparece a Home Page... A página que você quer.
- Página? Não é tela?
- A gente chama de página o programa que aparece na tela. Ou Home Page.
- Outra coisa: esse tal de brause dá só o endereço? A Internet não é pelo telefone?
- Ai meu cacete!
- Que grossura! Custa explicar?
- Endereço na Internet é um código que se digita para acessar as páginas.É claro que é por telefone. Agora chega! Não vou mais fazer pesquisa nenhuma. Deixa pra amanhã, que eu já enchi o saco. Aliás, amanhã eu juro:vou comprar um Pentium para deixar lá no escritório e.....
- Pra quê um pente no escritório? Você passou máquina zero no cabelo ontem...!!!
- Vai pra "PQP"...

(Luis Fernando Verissimo)