domingo, 27 de junho de 2010

SAUDOSA ÁFRICA DISTANTE (1/03)


ACÇÃO SOCIAL

Poucos meses depois de aqui chegarmos consegue-se uma casa com meia dúzia de quartos para onde se mudam as famílias. Funciona como messe.
A cada casal é atribuído um quarto, maior ou menor consoante o número de filhos.
Uma pequena cozinha serve apenas para preparar comida para os mais pequeninos.
As refeições são tomadas numa sala separada da casa, que tem as paredes de rede por causa dos mosquitos e outros insectos que, à noite, aparecem aos milhares, atraídos pela luz.
Aqui comem não só as famílias mas também os solteiros. É uma sala espaçosa que comunica, por um passadiço coberto, com uma enorme tenda onde funciona a cozinha. Aí, um cozinheiro e dois ajudantes, preparam a comida para vinte ou trinta pessoas.
Estamos bem situados. A uns quinhentos ou seiscentos metros encontra-se a praia. Atravessamos um capinzal, e deparamo-nos com um areal extenso, de areia branca e fina, e uma água maravilhosa, de temperatura agradável, onde mergulhamos uma e outra vez,



e as crianças se divertem em segurança.



Com os homens todo o dia ocupados nas suas acções, as mulheres passam os dias cuidando dos filhos. Dos trabalhos domésticos, que se resumem a pouco mais do que tratar das roupas, já que vivemos numa espécie de comunidade, tratam os criados.
Deste modo, temos muito tempo livre – tratar das crianças não ocupa o dia todo.
Há dias estávamos a conversar e surgiu-nos a ideia de fazer como que um complemento à acção dos homens – prestar assistência aos necessitados.
Perante alguma surpresa nossa, os homens concordam com a ideia.
Recorremos a quem de direito para nos arranjar transporte a fim de visitarmos as senzalas. Foi posto à nossa disposição um jipe com motorista, que, nas picadas esburacadas, nos faz bater com a cabeça na capota.



Mas, todas jovens e imbuídas duma enorme vontade de colaborar, não são uns miseráveis buracos que nos vão fazer desistir.
A primeira coisa a fazer é tentar arranjar ajuda, de preferência em dinheiro, para comprar o necessário (mantimentos, medicamentos, eventualmente roupa para os bebés) para distribuir pelos necessitados.
Esta é a parte mais difícil e custosa, e só o nosso espírito de jovens com grande vontade de socorrer quem precisa nos dá força para a enfrentar.
Percorremos as ruas da cidade batendo às portas das casas, explicando ao que vamos, qual o nosso propósito, pedindo, enfim, uma ajuda.
Se há pessoas, (a maioria, felizmente) que nos recebem bem, compreendem os nossos motivos e nos dão o que podem ou querem, outras há que chegam a ser malcriadas. Houve um homem que foi especialmente mal-educado, dizendo-nos que “fôssemos mas é para casa cuidar dos maridos”, e “esses madraços (referia-se aos pretos) que vão mas é trabalhar”.
No final, o saldo é positivo.
Depois de nos abastecermos do que sabíamos que eles mais apreciavam – sal, por exemplo, que eles têm dificuldade em conseguir – percorremos as senzalas, vendo quem é mais pobre e precisa de auxílio, assim como verificando se há doentes.
Uma das componentes do grupo é enfermeira e sabe, melhor do que nós, detectar a doença e calcular a sua gravidade.
Levamos connosco aqueles medicamentos mais básicos, como aspirina ou qualquer outro analgésico. Para os outros casos falamos depois com o médico, explicando os sintomas, e no dia seguinte levamos os medicamentos que ele indica. Em casos mais graves, raros, levamos o doente para o hospital, cujo director faz o favor de apoiar a nossa causa.
Um dia encontramos um homem doente, já velhote, com cabelos brancos, a quem perguntamos quantos anos tem:
- Não sabe, senhora. Tem muitosssssssss!
De seguida pedimos que nos diga o que sente, o que o incomoda, e ele lá explica o melhor que sabe. É um dos tais casos que teremos que relatar ao médico. Este aconselha um medicamento em supositórios que, no dia seguinte, levamos à palhota.
E agora, como explicar ao homem como tomar, ou antes, não tomar ;) os supositórios? Foi complicado. Empurramos umas para as outras, até que decidimos, por unanimidade, eleger a enfermeira para executar essa tarefa.
Ela procurou escusar-se mas por fim teve que o fazer. Experimentou mil gestos, mas o velhote não dava sinais de estar a compreender. Foi salva por uma criancinha pequena que apareceu. Agarrou-a rapidamente, pô-la sobre os joelhos com o rabito voltado para cima, e indicou ao velhote onde deveria colocar o supositório.
Mas não se esqueceu de frisar que não era na criança, mas sim nele, que os devia aplicar.
O velhote abriu a boca desdentada numa enorme gargalhada.
Acabámos todas a rir.

domingo, 20 de junho de 2010

FIM DOS PROFESSORES



Embora o tema “Educação” me seja particularmente caro, há bastante tempo – uns largos meses – que não o trago a este espaço. Mas agora, que o ano escolar está no seu término, parece-me relevante fazermos uma pequena e despretensiosa reflexão.
Com a remodelação do governo, em Outubro passado, e a nomeação da nova Ministra da Educação, Isabel Alçada, nasceu, nalguns professores, a esperança de que haveria mudanças que conduziriam a melhores condições educativas e consequentes resultados escolares.
Essa esperança foi esmorecendo com o passar dos dias, em que nada de positivo “saía” do ministério; nalguns casos, até, será a machadada final nas suas esperanças, o projecto de lei que permite “aos alunos que frequentem o 8º.ano e tenham completado já 15 anos de idade, transitarem directamente para o 10º.ano, sem passagem pelo 9º.ano, apenas, talvez (disto não tenho a certeza) tendo que prestar uma qualquer prova”.
Penso que isto será a preparação para um futuro que se avizinha, em que os professores serão absolutamente dispensáveis, e, aos poucos, dispensados.
Convido-vos a apreciarem, comigo, esta visão do futuro:

Fim Dos Professores

A cena passa-se por volta de 2210, ou seja, dentro de duzentos anos, o que equivale a, apenas, umas 10 gerações.
(Em Educação, geração é o nome dado ao conjunto de estudantes que iniciam ou terminam os seus estudos numa mesma data).
Estamos, portanto, em 2210, quando um menino pergunta:

- Vovô, porque é que o mundo está acabando?
O avô responde, calmamente:
- Porque já não existem PROFESSORES, meu anjo.
– Professores? Mas o que é isso? O que fazia um professor?

O velho responde, então, que professores eram homens e mulheres elegantes e dedicados, que se expressavam sempre de maneira muito culta e que, há muitos anos atrás, transmitiam conhecimentos e ensinavam as pessoas a ler, falar, escrever, comportar-se, localizar-se no mundo e na história, entre muitas outras coisas. Principalmente, ensinavam as pessoas a pensar.

– Eles ensinavam tudo isso? Mas eles eram sábios?
– Sim, ensinavam, mas não eram todos sábios. Apenas alguns, os grandes professores, que ensinavam outros professores, e eram amados pelos alunos.
– E como foi que eles desapareceram, vovô?
– Ah, foi tudo parte de um plano secreto e genial, que foi executado, aos poucos, por alguns vilões da sociedade. O vovô não se lembra bem do que surgiu primeiro, mas, sem dúvida, os políticos ajudaram muito.
Eles acabaram com todas as formas de avaliação dos alunos, apenas para mostrar estatísticas de aprovação. Assim, sabendo ou não sabendo alguma coisa, os alunos eram aprovados. Isso liquidou o estímulo para o estudo e apenas os alunos mais interessados conseguiam aprender alguma coisa.

Depois, muitas famílias estimularam a falta de respeito pelos professores, que passaram a ser vistos como empregados dos seus filhos.
Estes foram ensinados a dizer:
- Eu estou pagando e você tem que me ensinar, ou
- Para quê estudar se o meu pai não estudou e ganha muito mais do que você?”- ou ainda

- O meu pai dá-me mais de mesada do que você ganha num mês.
Isso quando não iam os próprios pais gritar com os professores nas escolas. Para isso muito ajudou a multiplicação de escolas particulares, as quais, mais interessadas nas mensalidades que na qualidade do ensino, quando recebiam reclamações dos pais, pressionavam os professores, dizendo que eles não estavam conseguindo “gerenciar a relação com o aluno”.
Os professores eram vítimas de violência – física, verbal e moral – que lhes era destinada por pobres e ricos. Transformaram-se em “saco de pancada” de toda a gente.
Além disso, qualquer proposta de ensino sério e inovador sempre esbarrava na obsessão dos pais pela a aprovação dos filhos, quer fosse nas Faculdades, nas básicas ou nas secundárias.
- Eu quero saber se isso que vocês estão ensinando vai fazer o meu filho passar de ano - diziam os pais nas reuniões com as escolas.
E assim, praticamente todo o ensino foi orientado para os alunos passarem ano após ano. Lá se foi toda a aprendizagem de conceitos; as discussões de ideias, tudo, enfim, se resumiu ao decorar de fórmulas. Com a Internet, os trabalhos escolares e as fórmulas ficaram acessíveis a todos, e nunca mais ninguém precisou de ir à escola para estudar a sério.
Em seguida, os professores foram desmoralizados. Os seus salários foram gradativamente sendo esquecidos e ninguém mais queria dedicar-se à profissão. Quando alguém criticava a qualidade do ensino, sempre vinha algum tonto dizer que a culpa era do professor.
As pessoas também se tornaram descrentes da educação, pois viam que as pessoas “bem sucedidas” eram políticos e empresários que os financiavam, modelos, jogadores de futebol, artistas de novelas da televisão, sindicalistas – enfim, pessoas sem nenhuma formação especial ou contribuição real para a sociedade.

Ah, mas estava a esquecer-me de um factor chave nessa história toda.
Houve uma época longa chamada ditadura; os militares colocaram os professores “debaixo de olho” e quase acabaram com eles. Foram perseguidos, aposentados, expulsos do país, em nome do combate aos subversivos e à instalação de uma república sindical no país.
Eles fracassaram, porque essa tal república sindical se instalou, os tais subversivos tomaram o poder, implantaram uma tal de “educação libertadora” que nunca ninguém soube o que é, e fizeram a aprovação automática dos alunos com apoio dos políticos... Foi o tiro de misericórdia nos professores.
Não sei o que foi pior –se os militares se os tais subversivos.

– Militar? Não conheço essa palavra. O que é um militar, vovô?

– Era, meu filho, era; agora já não é. Também já não existem...

domingo, 13 de junho de 2010

SENTIDO INVERSO

Quarta e última parte

Perante a minha passividade, ela avançou a outra mão e começou a desabotoar-me os botões da blusa.



Abri repentinamente os olhos e “vi” que ao meu lado estava UMA princesa, não UM príncipe.
Com suavidade mas também com firmeza, retirei a mão que tinha sobre o meu peito e afastei-me dela. Segurando-a pelos ombros, olhos nos olhos, disse-lhe, claramente:
- Eu gosto muito de ti, tu sabes. Adoro-te! Mas entre nós nunca poderá existir nada para além de uma grande mas fraternal amizade.
- Pois aí é que está a questão. Tu vês-me como uma irmã, e qualquer envolvimento entre nós ia ter, para ti, o cariz de incesto.
Mas tu não imaginas como pode ser doce mas também arrebatador o Amor entre mulheres. Aquela minha amiga que avistaste ontem é fantástica. Deixa-me apresentar-ta. Tenho a certeza que mudarás de ideia. Eu senti, ainda há pouco, que estavas a ter prazer…
- Sim, é verdade que por breves momentos fiquei excitada. Mas sabes porquê? Porque me imaginei nos braços de um homem.
Não, minha amiga, não quero que me apresentes ninguém. Eu sei que, definitivamente, gosto de homens, e serei incapaz de ter qualquer ligação íntima com uma mulher.

A minha amiga notou o tom firme em que falei. Não insistiu. Continuámos, e ainda somos, excelentes amigas.
Este incidente não me afectou minimamente. Talvez fizesse com que me viesse à memória, com maior frequência, o que aconteceu quando andava na escola.
Será que, se aquela experiência se tivesse consumado, eu hoje seria como a minha amiga? Gostaria só de mulheres, seria lésbica? Para esta pergunta não encontro resposta.
Eu e a minha colega ainda partilhámos o apartamento por dois ou três anos. Depois ela foi viver com outra amiga, com quem estabeleceu uma relação estável, que dura até hoje.
A nossa amizade não foi afectada com a separação. Continuamos grandes amigas. Respeito a sua opção de vida tal como ela respeita a minha.
Eu continuei com os estudos, acabei o curso, e fiquei a estagiar no escritório do meu “patrão”. Namorei muito, mas sem compromissos sérios.
Há dois anos, quando festejei os meus 35 anos, conheci alguém especial. Muito especial. Houve química entre nós. Iniciámos uma relação de Amor sem sobressaltos, com os seus momentos de paixão intensa, e sentimos que “fomos feitos um para o outro”. Estamos ambos convencidos de que acabaremos os nossos dias juntos.

Entretanto, alguns meses depois de o conhecer, uma noite sonhei que era homem. Nesse sonho a minha Mãe aparecia olhando-me com enlevo e orgulho, e de repente notei que estávamos vestidos de cerimónia, e a minha Mãe segurava o meu braço, caminhando lentamente ao meu lado. Ao longe avistei o vulto, que não identifiquei, de alguém usando um vestido de noiva, o que me causou um grande sobressalto. Era o meu casamento!
Acordei subitamente, impressionada com um sonho tão disparatado.
Durante o dia várias vezes o mesmo me veio à ideia. E pensava:
- Como será ser homem? Os homens serão assim tão diferentes das mulheres? Deveria eu ter nascido homem? Nesse caso eu gostaria, naturalmente, de mulheres…
Nessa mesma noite tomei uma decisão.
- Quero experimentar a sensação de ser homem!

Inscrevi-me num site social (não vou dizer qual porque não alinho em publicidade grátis) com um perfil masculino.
Como domino razoavelmente bem a técnica da imagem em computador “construí” uma foto dum homem jovem, muito charmoso, que causa um verdadeiro delírio especialmente entre as teenagers.
Todas as noites abro o site e respondo às inúmeras mensagens das minhas admiradoras, a cada dia aprimorando a minha figura masculina, contando histórias fantásticas que as põe ao rubro.
Mas o mais estranho é que faço isto com prazer, e sinto-me cada vez mais presa ao personagem que todas as noites encarno.

Está nos meus planos constituir família com o meu actual namorado. Mas, antes, tenho que lhe contar este meu segredo. Se ele o aceitar…seremos felizes para sempre.



O meu maior desejo é que a minha prole, em número ainda não definido, seja constituída apenas por meninas. Vou vingar-me cobrindo-as de laços, lacinhos e laçarotes, flores e passarinhos, e corações, atravessados ou não por setas! Sem esquecer os folhinhos e os cabelos pela cintura.

Hoje eu pergunto-me: eu seria uma pessoa diferente, mais estável, mais segura, com menos dúvidas que, constantemente invadem o meu espírito, se a minha Mãe não tivesse tentado empurrar-me num SENTIDO INVERSO?

FINAL


Nota: Porque alguns comentadores manifestaram curiosidade, havendo mesmo uma comentadora que declarou abertamente que gostaria que no final houvesse um esclarecimento, sinto ser meu dever informar-vos do seguinte:
O “conto” que agora chegou ao final não é autobiográfico; nem sequer, a exemplo do que se passou com “Anita”, é baseado em factos reais.
Trata-se de pura ficção, fruto de observação de casos do dia-a-dia, com os quais construí esta história.
Nasci numa família de cinco irmãos, dois do sexo masculino e três do feminino. A minha Mãe não tinha preferência por meninos ou meninas, o que viesse era bem recebido; já o meu Pai tinha preferência por meninas. Dizia que não se importava de ter apenas filhas.
Quero ainda dizer-vos que me senti muito lisonjeada por alguns de vós terdes pensado tratar-se dum caso verídico, e, em particular, autobiográfico, porque isso me leva a concluir que fui convincente na forma como conduzi a história.

A todos o meu sincero “Obrigada”.

domingo, 6 de junho de 2010

SENTIDO INVERSO

Terceira (e penúltima) parte

Não foi bem isso que aconteceu. Com os meus 18 anos feitos iniciei a minha libertação, que implicava o corte do cordão umbilical.
Comecei a sair à noite com as minhas amigas, uma vez por outra, mas tendo sempre o cuidado de não chegar muito tarde.
A minha Mãe chamava-me sempre a atenção, não usando já aquele tom de exigência a que me habituara. Eu respondia-lhe alegremente, com um ar que queria significar: a meninice já lá vai, agora sou senhora do meu nariz.

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Embora eu fosse muito obediente, ou talvez por isso mesmo, sempre fui muito orgulhosa. Não gostava de mendigar; e se alguma coisa que eu pedia me era recusada, eu simplesmente não insistia. O meu orgulho não me deixava rebaixar-me. Recordo-me de cenas que aconteceram e provam o que acabo de dizer, ainda eu era bem pequena.
Com esta maneira de ser e pensar não me sentia bem comigo mesma ao querer liberdade para proceder a meu bel-prazer e ao mesmo tempo ser dependente, economicamente, dos meus Pais.

Com 18 anos incompletos entrei para a Faculdade de Direito, e, ao mesmo tempo que estudava consegui arranjar trabalho no escritório dum advogado amigo. De início fui ganhar muito pouco, mas em breve o ordenado foi aumentado. Com a educação que recebera só podia ser cumpridora… e o patrão era uma pessoa muito justa e honesta.
Foi assim que, aos 20 anos, já tinha amealhado o suficiente para pensar em desligar-me completamente da casa paterna, alugando um apartamento a meias com uma amiga.

Tinha, entretanto, arranjado um namorado do qual desisti quando ele começou a querer um relacionamento mais íntimo, o que não me atraía de modo algum.
Foi uma época bastante complicada, emocionalmente. Lembrava-me, frequentemente, do incidente com a minha amiga de escola.



E, sempre que o meu namorado tentava uma maior aproximação, eu sentia uma espécie de repulsa que me levava a afastar-me dele.
A minha colega de apartamento tinha algumas amigas que eu não conhecia, e que a visitavam de vez em quando. Como eu não mostrava interesse especial em conhecê-las, retiravam-se para o quarto para não me incomodarem. Geralmente eu estudava na sala.

Um dia que eu tinha ido sair e voltei a casa porque me esquecera de um livro que me fazia falta, surpreendi a minha colega no quarto com uma amiga. Tinham deixado a porta aberta e os sons que pude ouvir não me deixaram dúvidas sobre as actividades em que se encontravam.
Quando fechei a porta, depois de entrar, a minha colega espreitou para fora do quarto e, ao ver-me, ficou com um ar muito comprometido.
Para mim foi um grande choque, não pelo facto em si, mas por ela nunca me ter dito ou sequer insinuado que era lésbica. Afinal, vivíamos no mesmo apartamento…

No dia seguinte eu não trabalhei à noite e fiquei na sala. Acomodei-me no sofá e liguei a televisão.
A minha amiga veio sentar-se junto de mim e começou a falar:
- Sabes o que significa o que surpreendeste ontem?
- Calculo que sim… Ou haverá outra explicação diferente daquilo que pensei?
- Não, o que pensaste está correcto. Eu sou lésbica, e não me envergonho…
- E porque haverias de te envergonhar? Se há algum motivo para te envergonhares é o não teres sido franca comigo, quando pensámos em alugar o apartamento e passarmos a viver juntas.
- Se soubesses que eu era lésbica não terias vindo viver comigo?
- Provavelmente isso não me faria mudar de ideias, viria viver contigo, sim, mas não teria feito figura de parva…
- Mas tu não fizeste figura de parva coisa nenhuma. Quando é que tal aconteceu?
- Olha, todas as vezes que recebeste amigas no teu quarto e eu não desconfiei de nada. Achas pouco?

Nesta altura ela agarrou a minha mão, meigamente, acariciando-a com um ar perfeitamente inocente.
Eu não vi nesse gesto qualquer segunda intenção, por isso não retirei a mão.

A minha amiga disse:
- Perdoa-me. Acredita que não queria magoar-te. Eu gosto muito, muito, de ti. Há muito tempo, desde o primeiro ano da Faculdade, que eu sentia uma atracção enorme por ti. Mas nunca tive coragem para te dizer. O facto de sermos tão amigas ainda me intimidava mais.

À medida que falava ia se aproximando, e em breve estava a dar-me pequenos beijos no pescoço, entrecortado de curtas frases - “ Deixa-me fazer-te feliz”…
Senti um frémito de prazer percorrer-me o corpo. Fechei os olhos e imaginei-me nos braços dum príncipe encantado, acariciando-me ternamente.

Continua