domingo, 31 de janeiro de 2010

ANITA

ANITA – EPISÓDIO XLVI

(Ficção baseada em factos reais)

Pelo Arnaldo eu tive uma paixoneta de juventude, que na altura se revestiu com a capa do Amor. Éramos ambos muito jovens, sentíamo-nos apaixonados – e talvez existisse mesmo paixão, uma paixão juvenil. Mas não era Amor. Se fosse ter-se-ia reacendido quando nos reencontramos.

FIM DO EPISÓDIO XLV
EPISÓDIO XLVI

Pelo teu Pai senti, quando fiquei grávida da Eduarda, uma gratidão muito grande que, com o tempo se transformou em amizade e, na sua doença, sei que o tratei com o Amor que dedicamos ao nosso próximo.
Finalmente, pelo padre João senti uma grande paixão, sem dúvida.
Porque estava atravessando um período de grande carência? Talvez… Lembro-me que nessa altura me sentia como que vazia, sem um rumo válido na vida… Apareceu o projecto da creche que nos obrigou a uma aproximação muito grande, e…surgiu o que me parecia Amor.

Entreguei-me a esse sentimento de alma e coração, e de toda essa loucura restou apenas uma coisa muito boa – a Eduarda. É através dela que me sinto redimida do mau passo que dei. Por ela, e só por ela, consigo perdoar-me…
- Não deves falar assim, Anita. Não há motivo para sentires que devas perdoar-te. Tenho a certeza que viveste esse relacionamento com toda a pureza da tua alma…
- Na verdade, o que agora me parece uma grande leviandade, na altura parecia-me perfeitamente natural. Qualquer Amor tinha direito a existir, inclusive aquele que não era aceite por Deus nem pelos homens.
Hoje de manhã, ao ouvir-te, fui, ao mesmo tempo, revendo toda a minha vida, uma soma de inutilidades sem sentido, apenas porque fui, ainda bastante jovem, atacada por uma cegueira que me impediu de ver o que estava ao alcance dos meus olhos.
Tendo-te repudiado a princípio, especialmente porque o teu Pai me tinha prometido que não estarias lá em casa quando regressássemos da lua-de-mel, muito em breve me habituei à tua presença.
E comecei a sentir por ti qualquer coisa que não sabia bem o que era, nem me dava ao trabalho de tentar analisar. Sentia-te como se fizesses parte de mim mesma, como um braço ou uma perna. Uma parte sem a qual não se pode viver, ou, pelo menos, não se vive muito bem.
Quando partiste, a primeira vez, para a Inglaterra, pensei que não iria suportar tanta dor. E todas as outras nossas despedidas me foram sempre muito dolorosas.
Anita fez uma longa pausa. Humberto mal conseguia esconder a sua emoção. Pigarreou e disse:
- Minha querida, estás a cansar-te demais. É melhor descansares um pouco. Temos muito tempo para conversar…
- Engano teu. Não temos assim tanto tempo… E, receando que ele percebesse o verdadeiro sentido das suas palavras, rapidamente acrescentou:
- Quero dizer-te tudo antes que Eduarda regresse. Como sabes, nós somos, mais do que Mãe e filha, duas excelentes amigas. O único segredo que tenho para com Eduarda é relativo ao seu Pai. Bom…a partir de agora, vai haver mais este, pois não gostaria que Eduarda soubesse que, exactamente agora, nestas circunstâncias, eu descobri que te amo…
- Anita! Tu amas-me, meu amor!... interrompeu Humberto, com o coração a saltar-lhe no peito.
- Sim, eu amo-te, meu amor. Deixa-me tratar-te assim enquanto estamos a sós.
Sei agora que sempre te amei. Tudo o resto passou pela minha vida sem deixar rasto.
Sabes? Eu nunca deixei de sentir a tua falta, até mesmo nos momentos em que me julguei mais feliz. Pensava, tolamente, que gostaria que estivesses presente para partilhar contigo essa suposta felicidade.
Agora eu entendo que apenas tinha necessidade de ti, de te ter junto de mim, de sentir o teu amor, que eu não me apercebia que existia, mas que me fazia muito bem.
Calou-se, por momentos, para logo acrescentar:
- É muito triste constatar que se passou uma vida inteira com umas palas nos olhos. E agora… agora… tão tardiamente, descubro, enfim, a verdade!

- Anita, meu amor, se soubesses como é importante para mim descobrires que me amas… Teria sido muito melhor se tivesses percebido o meu amor há muito mais tempo, mas…nós não somos nenhuns velhos… ainda faremos muita inveja a quem nos vir passear de mãos dados, como jovens enamorados – respondeu Humberto, esboçando um sorriso forçado.

Um leve tamborilar de dedos na porta advertiu-os da chegada de Eduarda.
Humberto notou que, apesar do banho, ela continuava com aspecto de grande cansaço, os olhos pisados de quem chorara longamente, e o sorriso que afivelara no rosto não conseguia disfarçar a sua grande preocupação.
Dando um beijo na Mãe, puxou a cadeira para junto da cama e disse a Humberto:
- Já estou pronta para passar cá a noite. Agora podes ir tu tomar banho e fazer o tal telefonema. Eu faço companhia à Mãe.
Humberto depositou um beijo na testa de Anita, e com um “até já”, retirou-se.

FIM DO EPISÓDIO XLVI

domingo, 24 de janeiro de 2010

ANITA

ANITA – EPISÓDIO XLV

(Ficção baseada em factos reais)

Pouco depois de a enfermeira ter trazido o lanche, ouviram-se umas pancadas suaves na porta.

FIM DO EPISÓDIO XLIV
EPISÓDIO XLV

Ao convite de Eduarda dizendo “entre”, apareceram os rostos sorridentes das amigas de Anita que vinham acompanhadas de Arnaldo.
Depois de Eduarda ter telefonado, de manhã, para uma delas, juntaram-se, como habitualmente, na pastelaria, onde compareceu também Arnaldo.
Postas ao corrente do que se estava passando com Anita, decidiram ali mesmo ir visitá-la, para o que convidaram Arnaldo, que não se fez rogado.
Anita ficou de tal modo comovida ao vê-los que as lágrimas saltaram-lhe involuntariamente dos olhos.
Eduarda estava quase a arrepender-se de ter telefonado. Admoestou-a, fingindo rispidez:
- Então, Mãezinha, o que se passa? Isso são maneiras de receber as tuas amigas e o teu amigo??? Vão pensar que não gostaste de os ver…
- Gostei, sim, minha querida, gostei muito, embora preferisse vê-los noutro sítio, que não aqui…Mas…já que hoje não posso ir à pastelaria, – acrescentou com um ligeiro sorriso -agradeço muito que tenham vindo vocês até cá.
Sentem-se todos aqui ao pé de mim, quero ver os vossos rostos como se nunca os tivesse visto… ”para os levar bem gravados na memória – pensou, com amargura.
Todos a rodearam e acarinharam, falando em tom ligeiro, como se não soubessem quão grave era o seu estado de saúde.
Em breve uma lágrima começou a deslizar-lhe pelo canto do olho.

Notando-o, a que era a sua melhor amiga levantou-se, convidando todos os outros a retirarem-se, sob o pretexto de que ainda tinham que ir fazer um trabalho conjunto para a escola.
Arnaldo, depois de a ter beijado na face, como habitualmente fazia, pegou-lhe na mão dando-lhe um beijo – que pressentia ser o último – em que depositou todo o seu antigo amor.
Depois que todos saíram Anita manteve-se em silêncio, prostrada, de olhos fechados, reflectindo o esforço enorme que acabara de fazer.
Eduarda e Humberto entreolharam-se, respeitando o seu silêncio.
A tarde começava a cair. Eduarda falou:
- Mãezinha, eu vou a casa tomar um banho e trocar de roupa, e venho de seguida para passar a noite contigo.
- Não vou mentir e dizer que não me agrada a ideia – respondeu Anita.
Mas não queria obrigar-te a ficares desconfortável…
- Vou ficar até muito bem, Mãezinha. Já estive a apalpar o colchão do divã, e parece-me que até é melhor do que o da minha cama – disse Eduarda, com um sorriso.
Humberto interveio:
- Vai, Eduarda, e procura não te demorares. Eu fico a fazer companhia à tua Mãe, e logo que voltes vou eu a casa. Preciso fazer um telefonema e tomar um banho. Depois voltarei, e passarei a noite aqui, convosco.
Anita olhou para Humberto com um sorriso enternecido, de agradecimento, dizendo:
- Calculo que não adiantará nada eu dizer que me parece um disparate o que queres fazer…
Mas…o divã é estreito, não cabem lá duas pessoas. Vais dormir onde?
- Já reparaste, por acaso, na comodidade deste sofá em que estou sentado? Até se pode estender um pouco e puxar o descanso para os pés. Vai ser uma noite em beleza!
A não ser que estejas com medo que eu ressone… -acrescentou Humberto, em tom que pretendia ser de brincadeira.

Com a recomendação de que resolvessem as coisas da melhor maneira, Eduarda saiu.
Humberto chegou-se para junto da cama e, segurando a mão de Anita, comentou:
- Deves estar exausta! Foi um dia muito cansativo para ti. Primeiro, eu a massacrar-te com a história da minha vida…Depois a visita das tuas amigas… A propósito, gostei bastante do ar do Arnaldo. Tem um aspecto de pessoa séria. Acredito no que ele te contou, acerca de não ter recebido as tuas cartas…
Reparando que Anita fechara os olhos, acrescentou rapidamente:
- Como te sentes?
- Noutras circunstâncias eu diria que foi o dia mais feliz da minha vida – respondeu.
E passando suavemente a mão sobre os olhos de Humberto, continuou:
- Hoje eu descobri que passei uma vida inteira sem saber o que era o Amor.
Os homens que passaram pela minha vida não souberam amar-me, e eu também não os amei.
Pelo Arnaldo eu tive uma paixoneta de juventude, que na altura se revestiu com a capa do Amor. Éramos ambos muito jovens, sentíamo-nos apaixonados – e talvez existisse mesmo paixão, uma paixão juvenil. Mas não era Amor. Se fosse ter-se-ia reacendido quando nos reencontramos.

FIM DO EPISÓDIO XLV

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

VÍTIMA DO TERRAMOTO DE HAITI

Viveu como santa, morreu como mártir

Fundadora da Pastoral da Criança, a médica Zilda Arns dedicou a existência a minorar o sofrimento dos despossuídos e a evitar o desperdício da vida. Até o último minuto.

A ÚLTIMA PREGAÇÃO
Escombros da Igreja Sacré Coeur de Tugeau, em cuja casa paroquial
Zilda Arns proferiu uma palestra antes de morrer

Montagem sobre fotos de Rodolfo Buhrer e Yhony Belizaire/AFP

Nascer mulher em Forquilhinha, Santa Catarina, nas primeiras décadas do século passado significava ser, no futuro, professora ou religiosa.
Zilda Arns, 13ª filha de uma família descendente de alemães, contrariou esse destino por amor. Aos 21 anos de idade, apaixonou-se pelo futuro marido, o então marceneiro Aloysio Neumann, que, chamado para um conserto na casa dos Arns, encantou-se com a jovem que viu na sala tocando piano.
Foi também em nome de outra forma de amor, aquele mais sublime que se devota ao próximo, que Zilda enfrentou a resistência paterna e insistiu em estudar medicina, num tempo em que ser doutor era coisa de homem.
O apoio do irmão, o hoje arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, foi fundamental para dobrar a família. "Ele havia estudado na Sorbonne e convenceu o pai de que estavam começando a formar mulheres médicas lá fora", conta Rogerio Arns Neumann, de 39 anos, um dos seis filhos que Zilda teve com Neumann, morto em um acidente no mar aos 46 anos de idade.
Desde que alterou o curso do próprio destino, Zilda Arns não parou mais de mudar o dos outros, a começar por aqueles que a miséria e a ignorância haviam fadado a ter curta duração.
Nos anos 80, por sugestão de dom Paulo, a pediatra e sanitarista aceitou formular um projeto para disseminar o uso do recém-criado soro caseiro, aproveitando a imensa influência da Igreja Católica entre os pobres, e com isso combater o flagelo da mortalidade infantil.
Assim nasceu a Pastoral da Criança, um projeto tão singelo na sua concepção quanto na execução. Consistia em identificar, nas paróquias e comunidades católicas, lideranças que treinariam voluntárias para ensinar mães pobres a adotar o soro. Essa e outras medidas igualmente simples ajudariam a evitar que seus filhos morressem de diarreia, desidratação, contaminação e outros males fáceis de vencer com quase nada de dinheiro e um pouco de informação.
O local escolhido para iniciar o trabalho foi a pequena Florestópolis, no Paraná. Lá, a mortalidade infantil era tão alta que, no único cemitério existente, o número de cruzes de tamanho pequeno, que sinalizavam os túmulos de crianças, superava em muito o de cruzes grandes. Depois do trabalho da Pastoral, a taxa de mortalidade baixou de 127 óbitos em cada 1 000 crianças nascidas vivas para 28. A partir daí, o programa foi sendo exponencialmente replicado até alcançar 72% do território nacional, além de vinte países na América Latina, África e Ásia.
Ao longo dos 25 anos em que esteve à frente da Pastoral da Criança, Zilda Arns visitou os cantos mais remotos do Brasil. Aterrissou em um sem-fim de aeroportos, fez travessias em barcos precários e sacolejou de ônibus por estradas que eram mais buraco do que chão.
Seus olhinhos azuis, sempre radiantes, se acostumaram a ver a pobreza extrema, e seu corpo forte se habituou à contenção e à precariedade.
Três meses atrás, ela esteve no Timor Leste, um dos países em que a Pastoral fincou suas bases e onde auxilia cerca de 6 000 crianças. Lá, como quase sempre, faltava quase tudo, incluindo água corrente na casa em que Zilda se hospedou com Rúbia Pappini, voluntária da Pastoral há vinte anos.
- "Para lavar os cabelos, mergulhávamos a cabeça debaixo da pia e reaproveitávamos a água que escorria para tomar banho de caneca", lembra Rúbia.

Na noite do último domingo, Zilda Arns interrompeu as férias de família para começar mais um pinga-pinga por aeroportos. De Curitiba, onde morava, fez escala em São Paulo e, da capital paulista, seguiu para Miami, nos Estados Unidos, onde pegou outro avião que a levou até o Haiti.
Chegou a Porto Príncipe ao meio-dia da segunda-feira.

No dia seguinte, ela faria uma palestra sobre o trabalho da Pastoral para um grupo de religiosos haitianos, num edifício de três andares em frente à igreja Sacré Coeur de Tugeau.
Foi ao fim dessa palestra que se deu o terremoto. Quem descreve o ocorrido é o tenente Paulo Cézar Acebedo Strapazzon, que havia sido convocado para traduzir para o francês a fala da médica, esperada no 3º andar do prédio por 120 sacerdotes.
Zilda chegou com quarenta minutos de atraso por causa de um engarrafamento no trânsito. A tradução acabou sendo feita por um civil haitiano que viera com o tenente e falava o crioulo, dialeto local, de compreensão mais fácil para a plateia.
Faltavam quinze minutos para as 5 horas quando a médica terminou sua palestra. A plateia deixou a sala, mas alguns padres se aproximaram de Zilda para fazer-lhe perguntas. Nesse momento, o tenente perguntou à médica se ainda poderia ser úti. Ela respondeu que mais tarde precisaria de ajuda para traduzir alguns manuais.
Strapazzon desceu os lances de escada até o térreo, entrou em seu jipe, deu a partida, e então viu todos os prédios desabar ao seu redor. Os três andares do prédio transformaram-se em um amontoado de pedras e vigas de metal.
Zilda Arns morreu na hora, atingida na cabeça por uma viga do teto que desabou. Outros quinze religiosos que estavam na sala morreram também.
O corpo da médica chegou na sexta-feira a Curitiba, onde foi transportado em carro aberto – e aplaudido por pedestres que paravam à sua passagem.

DESPEDIDA DA MISSIONÁRIA

O velório de Zilda Arns em Curitiba (no centro, o arcebispo de Salvador, dom Geraldo Majella): seu trabalho mudou o destino de milhões de crianças.

Zilda Arns tinha 75 anos, um terço dos quais consagrados aos despossuídos e à tarefa de celebrar o caráter sagrado da vida – o que ela fez em cada uma das infinitas vezes em que ajudou a evitar seu desperdício.
Com gestos miúdos, persistência de formiga e fé colossal, construiu uma epopeia silenciosa que mudou a face do Brasil e o destino de milhões de pessoas. Sua vida teve a grandeza da de uma santa – e à sua obra pode-se dar o nome de milagre.


domingo, 17 de janeiro de 2010

ANITA

ANITA – EPISÓDIO XLIV

(Ficção baseada em factos reais)

Anita estremeceu, como se tivesse sentido um choque. Fechou os olhos por momentos, saboreando aquelas palavras que lhe provocavam um calor interior, um bem-estar, uma paz como há muito tempo não sentia.

FIM DO EPISÓDIO XLIII
EPISÓDIO XLIV

Queria dizer alguma coisa, mas parecia ter medo de falar, medo de que qualquer som quebrasse o encantamento daquele momento mágico.
Sem uma palavra, desprendeu uma das mãos que Humberto mantinha entre as suas,

e, apelando às poucas forças que lhe restavam, acariciou-lhe o rosto suavemente.
Olhando-o nos olhos, murmurou:
- Como pude ser tão cega, e nunca perceber o amor que sentias por mim?
- Tu não foste cega, minha querida, eu é que me esforcei muito para ocultar esse amor.
Primeiro, porque não queria, de modo algum, levar-te a cometer nenhum acto que considerasses menos digno. Eras casada com meu Pai, e por muito que eu, nessa altura, o detestasse, tu, para mim, eras sagrada, intocável.
Depois, quando na tua vida surgiu o padre João, senti que nunca poderias retribuir o meu amor.
Foi a partir desse momento que decidi afastar-me de ti o mais possível, tentando, em vão, esquecer-te.
Se bem te recordas foi nessa altura que comecei a espaçar as minhas idas à Ilha, e a encurtar o tempo de permanência lá.
- Sim, lembro-me bem, e recordo-me que me custou bastante essa alteração que fizeste aos hábitos anteriores.
Agora eu considero-o um período negro da minha vida.
A propósito, quero pedir-te um favor: Como te mandei dizer por carta, o padre João preferiu ir para uma Missão em África a vir viver comigo.
- Sim, eu sei. Mas, por favor, Anita, não fiques agora a remexer nesse assunto – interrompeu-a Humberto.
- É preciso, Humberto. Mas não te preocupes, que “esse assunto”, como lhe chamas, já não me incomoda; apenas me causa desconforto, e só não o abomino porque existe a Eduarda.
É exactamente por isso, por ela existir, que quero pedir-te um favor.
- Não imagino o que possa ser…mas, seja o que for, sabes que farei tudo o que me pedires – respondeu Humberto.
- Como tu sabes, Eduarda viveu sempre pensando que Vicente era o seu Pai…
- Sim, eu sei…
- Pois o que te quero pedir é que me jures que, aconteça o que acontecer, nunca revelarás a Eduarda quem é o seu verdadeiro Pai.
Além de mim, tu és a única pessoa a conhecer a verdade.
Humberto estremeceu. Pelo tom em que Anita falou, sentiu que ela “sabia” que o seu fim estava próximo.
Anita insistiu:
- Tens que me jurar, Humberto. Por favor…
- Juro, sim, mas apenas porque me pedes. Não vejo qualquer motivo para esse teu pedido…
- As mulheres, às vezes, têm caprichos meio estranhos, não sabes?
E quero também que me prometas que serás sempre o “irmão querido” da Eduarda… - acrescentou, já com um ar cansado.
Humberto apressou-se a prometer tudo. Começava a sentir-se de tal modo oprimido, que receava que os seus nervos o traíssem. Precisava sair dali rapidamente, para respirar fundo, e recuperar forças para continuar junto de Anita.
A enfermeira veio trazer o almoço, e Humberto aproveitou para sair, alegando que precisava ir comer.
Anita concordou, mas com a condição de que voltasse bem depressa…

Humberto, inteirando-se de que Eduarda estava em casa, foi ter com ela, e dali telefonou para Inglaterra.
Pelo seu assistente ficou a saber que haviam conseguido localizar Tiago, e que o tinham avisado que devia regressar imediatamente ao escritório. Humberto informou que telefonaria ao cair da tarde, e que Tiago deveria aguardar, lá, o seu telefonema.

Depois de comerem, sem apetite, Eduarda e Humberto voltaram para a clínica.
Encontraram Anita semi-adormecida, depois de lhe terem recolhido sangue para análises, com vista à cirurgia no dia seguinte.
Logo que sentiu a sua presença Anita abriu os olhos, o que, notoriamente, lhe exigiu um certo esforço.

Apesar do seu estado de extrema fraqueza e cansaço conseguiu ostentar um sorriso que envolvia os dois num grande carinho.
Sentaram-se cada um de seu lado da cama. Anita segurou as mãos de ambos, e assim se conservaram, conversando com aparente calma, cada um engolindo as suas próprias lágrimas, tentando fingir que tudo iria correr bem.
Pouco depois de a enfermeira ter trazido o lanche, ouviram-se umas pancadas suaves na porta.

FIM DO EPISÓDIO XLIV

domingo, 10 de janeiro de 2010

ANITA

ANITA – EPISÓDIO XLIII

(Ficção baseada em factos reais)

Humberto fez uma ligeira pausa, olhando atentamente para Anita, tentando descobrir se ela se encontraria demasiado cansada.
A seguir continuou:

FIM DO EPISÓDIO XLII
EPISÓDIO XLIII

Depois desta conversa comecei a entender melhor a frieza com que o meu Pai sempre me tratara. Nunca foi violento comigo; aliás, ele não era dado a violência física. Mas quando eu sentia sobre mim o seu olhar de desprezo, era pior do que se me batesse.
Por essa altura eu passava em casa o mínimo tempo possível. Não faltava às aulas, era um aluno bastante razoável, penso que mesmo acima da média; logo que regressava da escola ia fazer os trabalhos de casa o mais rapidamente possível, para em seguida ir a correr para a rua.
Não gostava de estar em casa, com medo das discussões dos meus Pais.


Em parte por doença, mas especialmente devido a desgostos, a minha Mãe acabou por morrer bastante nova.
Senti uma mágoa profunda, e ao mesmo tempo um grande receio de que o meu Pai me pusesse fora de casa.

Mas tal não sucedeu. Verifiquei, com um certo espanto, que a morte da minha Mãe o tinha abalado mais do que eu esperaria.
Manteve uma grande distância de mim, mas nunca me faltou com o que era necessário; inclusivamente, depois que eu era já um rapaz espigadote, dava-me algum dinheiro “para ir ao cinema”, como ele dizia.
Não me recordo de termos comido juntos mais do que duas ou três vezes, e não pronunciamos uma única palavra durante toda a refeição.

Anita ouvia-o com a máxima atenção, fazendo uma ou outra expressão de desgosto em determinados pontos da narrativa, mas sem o interromper. Parecia querer interiorizar, para “levar consigo”, cada palavra que ele pronunciava.

- Esta história foi comprida demais… estou a cansar-te – balbuciou Humberto, visivelmente emocionado, ao recordar grande parte da sua vida.
- Não, não estás a cansar-me nada. Nem imaginas como estou a gostar de te ouvir. Consegui até esquecer que estou numa clínica médica… -respondeu Anita, com um leve sorriso, ligeiramente irónico.
- De qualquer modo, também pouco mais há para contar – disse Humberto.
Lembras-te de eu te ter dito que, um dia, te contaria por que o meu Pai não queria que eu assistisse aos jantares com convidados? Vou dizer-te o que penso, e pensava, nessa altura:
O meu Pai não me considerava seu filho; eu não era, para ele, membro da família. Por qualquer razão que só ele conhecia, sentia-se no dever de me sustentar e prover à minha educação, mas nada mais do que isso.
Quando começaste a oferecer jantares lá em casa, logo da primeira vez que isso aconteceu ele avisou-me que não queria ver-me à mesa, ao jantar, sempre que houvesse convidados. Estou convencido que era uma forma de me fazer lembrar que eu não pertencia à família.

E assim termina o meu “segredo”, minha querida mãezinha.

Anita manteve-se em silêncio por alguns minutos. Depois, apertando a mão que Humberto tinha sobre o seu braço, disse:
- Eu sempre soube que tu eras um ser aparte…uma pessoa com um coração fora do comum. Mas só agora percebo a alma maravilhosa que tu tens. Depois de passares por tudo por que passaste, conseguiste preservar o teu coração do rancor e da maldade, conservando-o cheio de amor para dar ao próximo!
Sinto-me uma privilegiada por te ter conhecido e, no fundo, ter-te amado. Sim, porque eu amei-te, e amo-te, como a um irmão mais velho, apesar de teres apenas dois anos mais do que eu…
Humberto sentiu um sobressalto, ao ouvir Anita dizer que o amava, mesmo sendo um amor de irmão. “Amor” era uma palavra que nunca haviam pronunciado referindo-se aos sentimentos que os uniam.
Anita continuou:

- Como te disse, encantou-me ouvir-te. Mas…tu falaste em mais do que um segredo… Quero saber mais.
Exaltado pelo sentimento que a declaração de amor de Anita, ainda que fraternal, lhe causara, Humberto prendeu as mãos de Anita entre as suas, confessando:
- Há, de facto, um segredo, que me acompanhou toda a vida, desde que te conheci, e que jurei levar comigo para a cova.
Ao pronunciar estas palavras Humberto lembrou-se, de repente, que Anita dispunha de pouco tempo de vida. Pensou que ela tinha todo o direito de saber a verdade, e resolveu falar antes que fosse tarde:
Agora vou quebrar o juramento que fiz, e abrir-te o meu coração.
A verdade, Anita, é que eu sempre te amei!
Não foi um amor fraternal, o que foi nascendo dentro de mim à medida que te ia conhecendo e verificando que tinhas uma alma pura.

Anita estremeceu, como se tivesse sentido um choque. Fechou os olhos por momentos, saboreando aquelas palavras que lhe provocavam um calor interior, um bem-estar, uma paz como há muito tempo não sentia.

FIM DO EPISÓDIO XLIII

sábado, 9 de janeiro de 2010

CAMPANHA VAMOS LIMPAR PORTUGAL

A campanha “VAMOS LIMPAR PORTUGAL” é um movimento criado pelo site
VAMOS LIMPAR PORTUGAL
e apoiado por diversos blogs, entre eles
SEMPRE JOVENS e
NA CASA DO RAU

Na qualidade de apoiante deste movimento, a CASA DA MARIQUINHAS convida-te a juntares-te a nós.
Visitando o site acima VAMOS LIMPAR PORTUGAL obterás informações sobre a forma de dar o teu apoio, quer “no terreno”, quer publicitando-o, enfim, como te for sugerido.

PORTUGAL LIMPO vai agradecer o teu empenhamento.

Ofereço-te este selinho para colocares na barra lateral do teu blog

domingo, 3 de janeiro de 2010

ANITA

ANITA – EPISÓDIO XLII

(Ficção baseada em factos reais)

Depois ouvi-o sair, batendo com a porta, e a minha mãe a desfazer-se em soluços.

FIM DO EPISÓDIO XLI
EPISÓDIO XLII

Mantive-me no meu quarto, assustado com aquelas revelações, sem saber que atitude tomar.
Algum tempo depois a minha mãe deixou de soluçar e saiu do quarto. Eu fiz o mesmo uns minutos depois, quando a ouvi falar com a cozinheira. Esgueirei-me para o jardim, e depois apareci como tendo acabado de chegar a casa.

A minha mãe tinha os olhos inchadíssimos, como eu nunca lhe vira.
Jantamos em silêncio, o que não era usual, mas eu não me atrevia a falar.

À sobremesa a minha mãe disse-me:
- Humberto, quando acabarmos de jantar gostaria que ficasses em casa, em vez de ires lá para fora brincar com os teus amigos.
Acenei que sim.
Depois de jantar a minha mãe levou-me para o meu quarto e disse-me:
- Meu filho, já não és nenhum menino pequeno. Já tens idade para ouvir o que tenho para te dizer.
Fiquei em suspenso, e aguardei.

- Antes de tu nasceres apareceu na cidade um turista, que se manteve por cá cerca de dois meses.
Era um homem encantador, que acabou por ser convidado para lanchar nas casas de algumas pessoas cá da terra, tendo feito amizades que ainda hoje se mantêm.

Por coincidência eu estava presente na maioria desses convívios; os teus irmãos estavam a estudar na Inglaterra, por isso eu tinha muito tempo livre, que passava na companhia das minhas amigas.
Ao tomar conhecimento o teu pai resolveu fazer uma cena de ciúmes, dizendo que me proibia de voltar a frequentar lugares onde estivesse ‘esse senhor’.

Eu sempre fui rebelde por natureza, e se ele me tivesse apenas pedido, talvez eu lhe fizesse a vontade. Mas não podia admitir que me proibisse. E continuei a ir. Mas não fui muito mais vezes, porque o homem em breve se foi embora.
Pouco tempo depois destes acontecimentos, fiquei grávida, e tu nasceste.

O teu pai começou a acusar-me de lhe ter sido infiel, dizendo que tu não eras seu filho.
A partir daí a nossa vida transformou-se num verdadeiro inferno.

Um dia eu estava em casa a chorar, depois de mais uma violenta discussão, quando chegou a minha melhor amiga, que, ao ver-me assim descontrolada, e tendo-lhe eu contado o motivo, disparou:
-Ele faz isso para aliviar a consciência dos seus pecados!
- Quais pecados? perguntei.
- Sabes que eu não gosto de intrigas, mas a ver-te nesse estado, não posso ficar calada. O teu marido tem uma amante, que mantém numa casa dos arredores, onde vai quase todas as noites, e que cobre de presentes. Pronto, já disse! E se ele souber que eu te disse, e disser que eu menti, eu apresento testemunhas.

Eu é que não precisei de testemunhas para compreender tudo: as ausências do teu pai noites inteiras, pretextando negócios, a sua agressividade e impaciência sempre que eu mostrava interesse por saber como ele ocupava o seu tempo, tudo se tornou claro para mim.
Custa-me até pensar nisto, mas a partir desse dia todo o amor que eu sentia pelo teu pai desapareceu completamente.
Hoje, o único sentimento que ele me inspira é desprezo. E raiva, também.
Eu não devia dizer-te estas coisas, mas sei que já notaste que entre mim e o teu Pai o relacionamento não é muito bom. Por isso prefiro que saibas, da minha boca, toda a verdade, e que não venhas a tirar conclusões erradas por partes de discussões que possas ouvir.

Apesar de tudo quero que respeites o teu Pai, como é dever de qualquer filho.
Infelizmente, como marido não merece o meu respeito. De qualquer modo nunca o desrespeitei, nem nunca o farei”.

Enquanto o ouvia Anita pensava:
- Estou a reviver o passado. Um passado que não é meu, mas não deixa de ser “passado”. Dizem que quando isto acontece é sinal de que se está prestes a morrer. Aqui está mais uma prova de que o meu fim se aproxima…
E aquela visão que eu tive do Padre João – será que foi mesmo visão? – não será também um sinal?

Humberto fez uma ligeira pausa, olhando atentamente para Anita, tentando descobrir se ela se encontraria demasiado cansada.
A seguir continuou:

FIM DO EPISÓDIO XLII