domingo, 29 de novembro de 2009

ANITA

ANITA – EPISÓDIO XXXVII

(Ficção baseada em factos reais)

Não podia, agora, saber como Eulália interceptara as cartas; calculava que tivesse tido a conivência de outras pessoas… Mas duma coisa estava convicta: o “pecado” que a Mãe lhe confessara só podia ser isso.

FIM DO EPISÓDIO XXXVI
EPISÓDIO XXXVII

As amigas de Anita estavam a chegar. Arnaldo despediu-se, manifestando
o desejo de que voltassem a encontra-se. Ela respondeu que também gostaria de vê-lo novamente, dizendo-lhe que ia quase todos os dias àquela pastelaria.

À noite, em casa, Anita contou o sucedido a Eduarda, que comentou:
- Coitada da avó! Fez o que fez a pensar apenas no teu bem, Mãezinha. Tens que lhe perdoar, mesmo, de coração. - Já lhe perdoei há muito tempo, mesmo sem saber de que se tratava.

Anita e Arnaldo continuaram a encontrar-se, de vez em quando, na pastelaria que ambos frequentavam.

O grande amor da juventude transformara-se numa boa amizade.

Aos poucos Anita foi contando o caminho que percorrera desde que se haviam separado, omitindo apenas o seu caso amoroso com o padre João, cuja recordação, agora, a fazia sentir-se um pouco embaraçada, quase envergonhada.

Sem nunca o mencionar, Arnaldo continuava a amar a lembrança de Anita jovem, ao mesmo tempo que, pela Anita actual, nutria uma sincera amizade, agora acrescida duma enorme admiração pelo sacrifício dum casamento forçado, que culminara com o desvelo com que tratara o marido, na sua doença.
Por seu lado, Anita sorria à lembrança do seu juvenil amor, como se não tivesse sido ela própria a protagonista desse capítulo da sua vida.
Via-o como se assistisse a um filme “cor-de-rosa”, sem que isso lhe provocasse qualquer sentimento de saudade.
Alguns dias depois do primeiro encontro Anita apresentou Arnaldo às suas amigas, dizendo tratar-se dum antigo colega de curso e grande amigo. A partir daí sentavam-se todos à mesma mesa, na pastelaria, passando agradáveis momentos a conversar.

Certo dia Anita, na companhia de uma amiga, encaminhava-se para a pastelaria. De repente sentiu um arrepio que a fez estremecer e, sem saber porquê, como que obedecendo a uma ordem oculta, olhou na direcção oposta.
Foi quando o “viu”. O padre João encontrava-se do outro lado da rua, parado no passeio, olhando-a tristemente.
Anita estacou de imediato, com uma expressão de enorme espanto no rosto.
A amiga, observando-a, exclamou:
- Credo! Parece que viste um fantasma!
Anita respondeu:
- Tens razão. Só pode ser mesmo um fantasma – e olhando de novo para o passeio do outro lado da rua, já nada viu. – Tive a nítida sensação de ter visto um amigo que não vejo há imenso tempo…e que agora se encontra em África.
- Em África??? Desculpa, Anita, sei que há por aí muitos macacos…mas isto ainda é Portugal! – respondeu, com uma enorme gargalhada.
- Devo estar com alucinações. Apanhei muito sol na cabeça, é isso – retrucou Anita, com um sorriso forçado.
Durante o resto do caminho manteve-se silenciosa, com o sobrolho franzido, enquanto a amiga tagarelava alegremente.


Depois de uma temporada de sol radioso, naquele dia o tempo mostrou-se nublado, tristonho.
Anita acordou indisposta. Não se sentia bem. Sem saber explicar o que a incomodava, apenas dizia para a filha:
- Não sei o que tenho. É uma sensação tão estranha… Parece que sinto um aperto no peito, e um peso na cabeça…
- Tens tomado os teus medicamentos? – perguntou Eduarda
- Sim, tomo-os sempre. Sabes que sou muito cuidadosa com isso. O médico está sempre a alertar-me para os perigos do colesterol elevado e da hipertensão…
- Pois, eu sei. Depois de tomares o pequeno-almoço talvez te sintas melhor…

Mas tal não aconteceu. A indisposição manteve-se e começou a despontar uma ligeira dor de cabeça, que, ao longo do dia, foi aumentando de intensidade. À noite, a dor era insuportável.
Anita tomara vários analgésicos ao longo do dia, mas a dor de cabeça não cedeu a nada.
Começando a sentir-se desesperada, Anita pediu à filha que a levasse ao hospital, pois não conseguia aguentar mais uma dor tão forte, e não tinha forças para levar o carro.
Eduarda prontamente a conduziu ao hospital mais próximo.

FIM DO EPISÓDIO XXXVII

domingo, 22 de novembro de 2009

ANITA

ANITA – EPISÓDIO XXXVI

(Ficção baseada em factos reais)

- Não, não pode ser! E porque não??? Mas…é ele, sim. Mais velho, é claro, como eu…mas é ele, com toda a certeza.

FIM DO EPISÓDIO XXXV

EPISÓDIO XXXVI

É Arnaldo, sem dúvida!

Talvez movido pela força do olhar de Anita, o homem baixou o jornal

e olhou para ela. Imediatamente se estampou no seu rosto um ar de enorme espanto.
Passada a estupefacção inicial, levantou-se e dirigiu-se para a mesa dela.

Anita sentiu o coração bater apressado quando viu o homem encaminhar-se na sua direcção.
O homem parou, e falou:
- Desculpe, mas a senhora não se chama Anita?
Ela sentiu um sobressalto ao verificar que a voz era a mesma de há tantos anos atrás.
- Sim, sou Anita. Quer dizer…o meu nome é Ana, mas toda a gente me tratou sempre por Anita. Chego a esquecer-me de que me chamo Ana… - respondeu, com um leve sorriso.
- Não te lembras de mim, Anita? O Arnaldo…
- De facto, a tua cara fazia-me lembrar alguém… É isso, o Arnaldo! Quem diria que nos encontraríamos, ao fim de tantos anos!...
- Coisas do destino… Tu foste embora e nunca mais disseste nada… E lembras-te, com certeza, que me “proibiste” de te escrever enquanto não recebesse notícias tuas – o que estou aguardando até hoje.
- O quê??? – espantou-se Anita. Eu escrevi-te por duas vezes, completamente desesperada com a situação que os meus Pais me tinham criado, e nunca obtive qualquer resposta…
- Desculpa, Anita, tu sabes que nunca te menti. Inúmeras vezes tiveste oportunidade de confirmar que eu te era inteiramente fiel. Que nunca te menti.
- Isso é verdade… Quando quiseram arranjar aquela intriga entre nós, pude ter a certeza de que eras uma pessoa honesta e correcta, digna da maior confiança.
- Ainda bem que pensas assim. Não duvidas, portanto, se eu te disser que nunca recebi nenhuma carta tua.
Mas… talvez possas, agora, explicar-me o que aconteceu. Pela minha parte prefiro nem recordar o sofrimento por que passei naquela época. Foi demasiado doloroso. Consegui sobreviver a muito custo.
Acabei por encontrar, anos depois, uma mulher com quem tentei refazer a minha vida. Acabamos por constituir família, embora ela soubesse, porque nunca lho escondi, que havia um antigo amor que eu não conseguia esquecer, embora sem nutrir qualquer esperança.
Temos vivido em paz, um amor calmo, sem sobressaltos nem surpresas. Posso dizer que temos sido felizes, tanto quanto as circunstâncias o permitem…

Anita não sabia o que pensar. Tinha a certeza de que Arnaldo estava a falar verdade…
Começou a contar-lhe o que se passara com ela própria, e, de repente, foi como se um raio atravessasse o seu espírito, e a fizesse compreender tudo.
Poucos dias antes de morrer, a sua Mãe escrevera-lhe uma carta que Anita achara muito estranha, e cujo significado jamais conseguira descobrir.
A determinada altura, a Mãe escrevera:

- “Quero pedir-te perdão por uma atitude que tomei antes do teu casamento. Fi-lo pensando apenas na tua felicidade. Mas agora, que sinto a morte a aproximar-se, receio que, ao prestar contas a Deus, Ele considere o meu acto como um pecado.
Por isso, minha querida filha, peço que me digas que me perdoas, ainda que não saibas do que se trata.
Sinto que não devo dizer-te o meu segredo, porque a minha revelação poderia causar-te ainda maior sofrimento. São coisas do passado que não se podem alterar.
Peço-te, pois, que me perdoes, para que eu possa morrer em paz”.

De facto Eulália faleceu poucos dias depois, repentinamente.
Anita não voltou a vê-la viva, tendo ido apenas assistir ao seu funeral.

Agora compreendia que, de algum modo, a sua Mãe impedira que as cartas que escrevera a Arnaldo seguissem o seu caminho. Assim se justificava que ele não as tivesse recebido.
Não podia, agora, saber como Eulália interceptara as cartas; calculava que tivesse tido a conivência de outras pessoas… Mas duma coisa estava convicta: o “pecado” que a Mãe lhe confessara só podia ser isso.

FIM DO EPISÓDIO XXXVI

domingo, 15 de novembro de 2009

ANITA

ANITA – EPISÓDIO XXXV

(Ficção baseada em factos reais)

Nunca te esquecerei, Anita. Terei sempre por ti um carinho muito especial, e gostaria que não me guardasses qualquer espécie de rancor pelo que acabei de te confessar. A verdade é que este chamamento é mais forte do que qualquer outro sentimento.
Terminava reiterando os seus sentimentos de amizade.


FIM DO.EPISÓDIO XXXIV

EPISÓDIO XXXV

Ao terminar de ler a carta Anita lembrou-se da última vez que haviam estado juntos, e de como a noite de amor que tinham vivido lhe parecera estranha. Pensara, nessa altura, que eles mais pareciam um casal com longos anos de convivência que iam separar-se por uns dias, do que dois jovens apaixonados que não sabiam quando voltariam a ver-se
Fora aí, nessa noite, que o afastamento deles começara, encaminhando-se para o fim previsível que agora não a surpreendia.
Com um profundo suspiro de resignação e alguma dor, Anita dobrou a carta e juntou-a às outras, pensando:
- Um dia destes faço com elas uma fogueira.


Passaram-se mais de trinta anos desde que a conheci.
Anita é agora uma encantadora senhora na casa dos cinquenta anos. Continua bonita como sempre, apesar de acusar um pouco o peso dos anos e dos muitos desgostos que teve na vida; especialmente no olhar, nota-se uma leve mas permanente nuvem de tristeza.
Não há uma ruga na sua pele de veludo, e os olhos esverdeados continuam belos como eram quando ela não passava de uma criança alegre e descuidada.

Viúva desde há uns anos, Anita recomeçara aos poucos a sua vida normal de encontros com as amigas e colegas da escola, idas ao cinema, jantar fora uma vez por outra. Mas, acima de tudo, dando muito amor e acompanhando de perto tudo que se relacionava com Eduarda.
Desde que recebera a carta do padre João, que ela interpretara como dando por terminado o relacionamento entre ambos, sentia-se estranhamente liberta.
Contra o que seria de esperar, e ela própria estranhava, o rompimento não lhe causara uma grande dor; foi mais como uma espécie de desencanto, o acordar dum sonho muito bonito mas impossível de se realizar.
Dissera para si mesma que, definitivamente, não nascera para o amor.
O que lhe restava na vida seria viver para os filhos, tentando ajudá-los a encontrarem o seu próprio caminho.

Tiago, que todos os anos vinha passar as férias com a Mãe e a irmã, terminara o seu curso e encontrava-se a estagiar no gabinete de arquitectura do irmão, Humberto, que aos poucos se fora tornando um reconhecido arquitecto.
Eduarda, já na Universidade, continuava sendo a aluna brilhante que sempre fora. Dentro de dois anos completaria o curso de direito. O seu sonho era vir a tornar-se juíza.
Às vezes Anita perguntava-lhe quando arranjaria um namorado. A resposta era sempre a mesma:
- Um dia, Mãezinha, um dia. Quando terminar o meu curso…pensarei no assunto. Por agora basta-me o teu amor, não preciso de mais nenhum.
Eram, mais do que Mãe e filha, duas excelentes amigas.
Não havia segredos entre elas, excepto um: Eduarda não sabia – e nunca viria a saber – que era filha do padre João.
O Pai, para ela, sempre fora e continuaria a ser, Vicente, que ela adorara, e cuja recordação ainda lhe fazia brilhar uma pequenina lágrima ao conto do olho.

Um dia, depois de sair do colégio, Anita dirigiu-se, como sempre, à pastelaria onde combinara encontrar-se com as amigas.
Ainda era cedo, sabia que teria de esperar algum tempo. Mas preferiu entrar e sentar-se, a andar pelas ruas a ver montras de coisas que em nada lhe interessavam.
A mesa, à qual habitualmente se sentavam, estava vazia, como que à sua espera. Sentou-se, pediu um chá, e dispôs-se a aguardar as amigas.
Relanceando o olhar pelas poucas pessoas que se encontravam na pastelaria, a sua atenção foi atraída por um homem de meia-idade que, numa mesa próxima, lia o jornal.
Subitamente, sentiu um aperto no peito.

- Não, não pode ser! E porque não??? Mas…é ele, sim. Mais velho, é claro, como eu…mas é ele, com toda a certeza.

domingo, 8 de novembro de 2009

ANITA

ANITA – EPISÓDIO XXXIV

(Ficção baseada em factos reais)

Quando Vicente, finalmente, iniciou a grande viagem, Eduarda sentiu uma dor tão grande que lhe parecia que não conseguiria suportá-la.



FIM DO.EPISÓDIO XXXIII

EPISÓDIO XXXIV

Foi de grande ajuda, para ela, a presença de Tiago que, avisado do próximo fim do pai, viera de Inglaterra não só para assistir aos seus últimos momentos, mas especialmente para dar apoio à Mãe e à irmã.
Como não podia estar muito tempo a faltar às aulas, passada uma semana regressou.
Humberto não conseguira anular os seus compromissos, e por isso chegou apenas a tempo de assistir ao funeral. Devido às exigências do seu trabalho, também não pôde manter-se muito tempo na capital, regressando a Inglaterra na companhia do irmão, Tiago.

Durante estes três longos anos, Anita e o padre João trocavam correspondência frequentemente.
O padre João falava-lhe da vida na ilha, na creche, contando-lhe um ou outro episódio que ocorria com as crianças.
Por sua vez Anita ia-lhe relatando todos os passos da doença de Vicente, até ao seu final. Falava-lhe também de Eduarda, e do seu sucesso com os estudos.
Terminavam as cartas sempre com “Amo-te muito”, embora, na maioria das vezes, o Amor não estivesse presente nas palavras que escreviam um ao outro.

Anita sentiu desgosto com a morte de Vicente. Com o tempo que passou a cuidar dele, e a forçosa aproximação, acabou por lhe dedicar uma amizade muito grande. Sentiu a sua partida como a perda dum bom amigo.
Depois de tudo terminado e de ter contactado o advogado que, na Ilha, ficara à frente do que restava dos negócios de Vicente, Anita constatou que os exames dispendiosos e a longa doença do marido tinham consumido quase todo o seu património. Restava uma ninharia, que mal chegaria para manter em funcionamento o escritório na Ilha.
Perante esta realidade, e sem o marido para cuidar - o que lhe ocupava a maior parte do tempo – Anita pensou que era chegada a altura de recomeçar a trabalhar.

Através dos amigos de Vicente conhecera uma ou duas senhoras, e, a partir daí, havia criado o seu grupo de amizades, que lhe foram de grande utilidade na altura em que procurou trabalho.

Uma destas amigas tinha conhecimentos num colégio onde, por sorte para Anita, uma professora estava com baixa de parto. Assim conseguiu arranjar logo trabalho, o que foi muito bom para ela, já que a sua situação económica não era das melhores.

Com o decorrer do tempo, tudo voltou à normalidade.

Nas cartas que escrevia ao padre João Anita fazia-lhe notar que, por vezes, se sentia bastante só. Habituara-se de tal modo a estar sempre junto de Vicente, que agora parecia sentir-lhe a falta.
O padre João respondia confortando-a com palavras de resignação, apenas.
Anita pressentia, da parte dele, um certo desprendimento.

Analisando-se a si própria, verificava que tinha havido um certo arrefecimento no seu amor. A necessidade que sentira de ser livre para poder constituir uma família com o padre João, não lhe parecia agora tão premente.
Compreendia e aceitava que com o padre João tivesse acontecido o mesmo. Não estranhava, portanto, que ele não manifestasse o desejo de vir para junto dela, libertando-se, finalmente, da vida eclesiástica.

Como não gostava de situações pouco claras, e agora não havia motivo para não definir o relacionamento de ambos, Anita escreveu-lhe uma carta em que lhe pedia que fosse sincero e honesto, e lhe dissesse quais os seus planos para futuro, em relação a uma hipotética vida em comum.
Não foi grande a sua surpresa quando leu a resposta do padre João:

- … e não me parece a altura ideal para me desvincular da vida religiosa, já que recebi um convite para ir trabalhar numa Missão em África, o que foi sempre o meu grande sonho. Nunca te esquecerei, Anita. Terei sempre por ti um carinho muito especial, e gostaria que não me guardasses qualquer espécie de rancor pelo que acabei de te confessar. A verdade é que este chamamento é mais forte do que qualquer outro sentimento. Terminava reiterando os seus sentimentos de amizade.

FIM DO.EPISÓDIO XXXIV

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

ATRIBUIÇÃO DE PRÉMIO

A minha amiga Ana Martins, do blogue AVE SEM ASAS

honrou-me com a oferta do prémio



Publicamente apresento-lhe o meu “bem haja!”.

Dando-lhe seguimento, compete-me a dura tarefa de nomear 12 blogues que me pareçam merecedores de receberem o SELO VIP.
Não é tarefa fácil. Mas, como tem que ser, seguem os blogues que, sem desprimor para todos os outros, e duma forma quase aleatória, vou nomear:

IN-SENSO
MULTIOLHARES
MUNDO AZUL
OFICINA DAS IDEIAS
REBECA E JOTACÊ
PELOS CAMINHOS DA VIDA
PENSO LOGO EXISTO
PEQUENOS DETALHES
RECALCITRANTE
EU E DAÍ?
UM MUNDO COLORIDO
UM VENTO NA ILHA

Felicidades para todos, nomeados e não nomeados.

domingo, 1 de novembro de 2009

ANITA

ANITA – EPISÓDIO XXXIII

(Ficção baseada em factos reais)

Tantas vezes a ameaça foi repetida que Vicente acabou por se convencer. Mas lembrou a Anita que, antes disso, era urgente arranjar uma escola para a sua menina, assim como tratar da ida de Tiago para Inglaterra..

FIM DO.EPISÓDIO XXXII
EPISÓDIO XXXIII

Anita tratou de tudo que era necessário, já que Vicente se cansava muito andando a pé dum lado para outro.
Os amigos foram incansáveis. Sabendo do seu precário estado de saúde, levaram-no a percorrer, de carro, a capital que ele já mal reconhecia, ao fim de tantos anos de ausência.
Sabendo que brevemente Vicente iria submeter-se a exames que poderiam, eventualmente, implicar o seu internamento, revezavam-se e, todos os dias, o levavam a dar grandes passeios, mostrando-lhe as novidades que havia na cidade.
O verão aproximava-se do fim, assim como as férias escolares. Era chegada a altura de Tiago viajar para Inglaterra, onde o esperava o irmão, Humberto.
Mais uma despedida na vida de Anita, esta talvez a mais dolorosa de todas.
Para Tiago também não foi nada fácil, pois nunca se separara da Mãe e da irmã, desde que nascera. Mais fácil foi despedir-se do Pai, com quem nunca tivera grande afinidade.
Mas como era já um homenzinho, teria que comportar-se como tal…Engoliu todas as lágrimas que conseguiu, mas muitas lhe correram pelo rosto.
Só a ideia de que viria passar as férias com a família aliviou um pouco a sua dor.

O, relativamente curto, tempo de viagem mal chegou para se recompor, e ao chegar junto do irmão ainda mantinha um aspecto profundamente triste.
A Natureza se encarregou de fazer o seu trabalho, e, à medida que os dias passavam e aumentavam os afazeres relacionados com os seus estudos, a tristeza foi desaparecendo, e Tiago acabou por adaptar-se à sua nova vida.

Entretanto, na capital, Anita descobrira um colégio óptimo para Eduarda, ao qual ela se adaptou facilmente, e onde permaneceu estudando até ao seu ingresso na Universidade.
Grande parte do primeiro ano após a chegada ao Continente foi passado entre médicos, análises, exames de todo o género. Os médicos tinham dificuldade em chegar a uma conclusão porque os resultados dos exames apontavam em várias direcções, levando-os a pôr a hipótese de Vicente sofrer de alguma doença rara desconhecida.

Finalmente, reunidas as equipas médicas, concluíram tratar-se de “Paralisia Supra nuclear Progressiva”, uma das mais raras formas de Parkinsonismo, em que não se verificam os habituais “tremores” dos doentes de Parkinson, mas em que todos os outros efeitos vêm a manifestar-se, à medida que a doença vai avançando. Trata-se de uma doença degenerativa rara, que envolve a deterioração progressiva e morte de áreas seleccionadas do cérebro, e que afecta cerca de 6 em cada 100.000 pessoas.

Eduarda reagia muito mal à doença do pai. O amor que por ele nutria quase raiava a idolatria; não se conformava que ele sofresse de uma doença incurável, que progressivamente o iria consumindo, até um fim inevitável, a médio ou curto prazo.

Anita dedicou-se por inteiro a cuidar do marido que, a cada dia que passava, se tornava mais dependente. Decorridos dois anos Vicente deixou de poder controlar os mais ligeiros movimentos; Anita tinha que dar-lhe a comida na boca, e ajudá-lo a segurar no copo, que ele teimava em querer agarrar com as suas próprias mãos.
Chegou o dia em que Anita não podia mais tratar do marido. A conselho médico internou-o na clínica onde lhe fora diagnosticada a doença.
Todos os dias ia visitá-lo e passava as tardes com ele.
Eduarda, logo que saía das aulas, corria para a clínica, passando junto do pai todo o tempo disponível.
A situação agravava-se a olhos vistos. Vicente já não conseguia falar, limitando-se a olhar, insistentemente, para Anita, e especialmente para Eduarda, que passava todo o tempo segurando a mão do pai.

Uns dias depois o médico informou Anita de que o marido tinha poucos dias de vida.
A partir desse momento Eduarda não mais deixou a clínica.
Faltou às aulas, dormia no quarto do pai, onde Anita também pernoitava, e não mais o abandonou até ao último suspiro.
Quando Vicente, finalmente, iniciou a grande viagem, Eduarda sentiu uma dor tão grande que lhe parecia que não conseguiria suportá-la.



FIM DO EPISÓDIO XXXIII