segunda-feira, 2 de março de 2009

MUNDO PARALELO

Está uma manhã linda, de sol brilhante.
Entro na auto-estrada. O tráfego é intenso, mas flui normalmente, o que me permite manter o conta-quilómetros nos 120Km - velocidade de cruzeiro - sem sobressaltos.
Vou ouvindo a quinta sinfonia de Beethoven, naquele tom suave que me permite ouvir perfeitamente a música, sem, contudo, me isolar do mundo que me rodeia.
O brilho do sol por vezes reflecte-se nos cromados dos outros carros, provocando faíscas brilhantes.
De súbito, começo a ver, lá bem longe, uma sombra que ainda não consigo identificar. Será fumo? - Não faz tanto calor que justifique um qualquer incêndio espontâneo.
Nevoeiro? - Está um sol tão claro, um céu azul sem nuvens…
Á medida que me aproximo a mancha começa a tomar todo o aspecto de névoa.
Estranho, num dia tão bonito! - É, talvez, um banco de nevoeiro.
Não parece muito lógico, mas…é isso mesmo, é nevoeiro que, quanto mais me aproximo, mais se adensa.

Os carros ligam os faróis de nevoeiro e começam a abrandar a marcha.
Em breve o nevoeiro torna-se tão cerrado que dificilmente vejo o carro à minha frente.
O trânsito avança muito lentamente.
Apercebo-me, com apreensão, que a traseira do carro que me precede começa a esfumar-se, e logo em seguida deixo de ver os próprios faróis de nevoeiro.
Pelo espelho retrovisor não vejo absolutamente nada. Estou totalmente rodeada de nevoeiro.
Travo e paro completamente, esperando, dentro de poucos segundos, sentir bater, no meu carro, o que vinha atrás de mim.
Uns segundos, um minuto, dois…e nada acontece.
Intrigada, abro a janela do carro, sinto uma ligeira aragem. Espreitando lá para trás nada vislumbro. O nevoeiro entra pela janela.
Decido abrir a porta do carro e sair. O nevoeiro envolve-me completamente. O silêncio é total, absoluto. Agora não corre a mais leve aragem. E a claridade começa a diminuir… Mas ainda não é meio-dia!
Sinto-me completamente só, isolada do resto do mundo, suspensa no tempo e no espaço.
Lentamente começa a invadir-me uma sensação de medo, que em breve se transforma em pânico.
Onde estou?
Onde estão todos que me acompanhavam na estrada?
Onde está a estrada?
Para onde vim?
Que mundo será este onde me encontro?
Levanto o olhar ao céu, esperançada em conseguir encontrar aí algum sinal que possa orientar-me.
É então que compreendo o porquê da ausência de claridade: milhares e milhares de pássaros, enormes, negros, planam, em silêncio, a cerca de dois metros acima da minha cabeça.
Fico paralisada, de espanto e de medo. Para qualquer lado que lance o olhar, só vejo pássaros, enormes, negros, ameaçadores.
Dou um passo em direcção ao carro, com a intenção de entrar, pô-lo a trabalhar e fugir dali a toda a velocidade.
Estaco, ao sentir uma súbita aragem e ouvir um ruído de bater de asas, que vem de cima.
Olho, e o meu assombro redobra, se tal ainda é possível.
Os pássaros começaram a afastar-se em duas direcções opostas, formando uma grande abertura, donde surge uma luz intensa.
Ouço um bater de asas mais forte, e, com enorme assombro, vejo surgir um ser alado, duma beleza resplandecente, brilhando mais que mil sóis.

Ofuscada, e não querendo acreditar no que estou vendo, esfrego os olhos com força.

Com o coração batendo fortemente, verifico que estou deitada na minha cama, e acabo de ter um terrível pesadelo.

Mariazita, 20 Fevereiro 2009 - Algures no Norte de Portugal

25 comentários:

In Cucina disse...

Que sonho heim Mariazita!
Fiquei curiosa até o fim do texto.
Hoje sou a primeira a postar um comentário, coisa rara!
Beijos brasileiros, Teresa

Rafeiro Perfumado disse...

Que pesadelo! Mas se um dia isso te acontecer, dois conselhos: nada de caminhar na direcção da luz e nada de sair do carro em plena autoestrada, ainda mais porque reparei que não vestiste o colete!

Beijoca!

Zé Carlos disse...

Mariazita, menina querida, tenho sentido a sua falta nos Blogs. Vc está viajando pelo que senti?
Beijos do Zé Carlos

São disse...

Sei o que é acordar a tremer com pesadelos...
Boa semana.

Elvira Carvalho disse...

Já tive alguns bem aterrorizantes.
Um abraço e uma boa semana... sem pesadelos

Paula Raposo disse...

Para mim conduzir com nevoeiro é ameaçador. Já apanhei nevoeiro de repente e...não cheguei a sair do carro. O pesadelo não chegou até aí...Muitos beijos.

RENATA CORDEIRO disse...

Pode ter sido um terrível pesadelo, mas o fim é bonito. E o mais importante é que o texto é muito bem escrito, Mariazita. Parabéns!
Querida, acabo de postar no GALERIA. Faço questão que vá apreciar o meu post e deixar a sua opinião, mas é no GALERIA. Estou à sua espera.
Beijos,
Renata

Carlos Rebola disse...

Mariazita

Teria sido um pesadelo em sonho, ou uma verdadeira vivência num "Mundo Paralelo", vá-se lá saber, os desígnios da vida, são insondáveis, mas por vezes recordados e relatados...
Na minha aldeia dizia-se, "São coisas do arco-da-velha".
Gostei do relato, fiquei preso na história, naquela estrada sentindo o fresco do nevoeiro que me trespassou. História muito bem escrita, na primeira pessoa.

Beijos
Carlos Rebola

Mª João C.Martins disse...

Querida Mariazita!

Só um texto de excelência, nos consegue envolver de tal forma que passamos a fazer parte do cenário, sentindo e vivendo o mesmo que o protagonista.
Incrível!
Consegue-se sentir o frio do nevoeiro, o medo e o silêncio..
Parabens pelo excelente texto.
Um beijinho

Passa pelo Detalhes, tem um video que eu acho que vais gostar.

Pelos caminhos da vida. disse...

Texto que me prendeu até o fim,ufa...foi apenas um pesadelo.

beijooo.

Fenix disse...

Os pesadelos e os sonhos em geral, costumam transmitir-nos algo...
Algo que nos preocupa, algo que vivemos mas que agora se nos apresenta de forma figurada...
Esse deve ter algum significado que só tu consegues discernir...

Até há uns 6 anos atrás costumava sonhar que estava a voar. Depois de repente deixei de sonha isso.
Sempre me lembro, desde muito criança, de ter este sonho. Quando me tornei mais crescida, adulta, este sonho terminava invariavelmente de forma má. Normalmente sonhava que me prendiam as pernas e ficava presa ao chão.
Depois deixei de ter estes sonhos/pesadelos.
Eu acho que sei o significado de tudo..., dos sonhos em que voava, daqueles em que me prendiam as pernas e de ter deixado de sonhar...
E nunca pedi a ninguém para mos interpretar..., simplesmente sinto que sei.

Gostei de te ler.
Beijinhos
São

Táxi Pluvioso disse...

Ufa.. por momentos pensei que estivesse no cinema a ver "Os Pássaros".

Daniel Costa disse...

Mariazita

Um sonho, fio condutor de um conto bem conseguido.
Mistura esse sonho, com uma fantasia do misticismo.
Apreciei bastante.
Beijinhos,
Daniel

Francisco Sobreira disse...

Querida Maria,
O seu relato, que o seu talento faz-nos sentir, primeiro o sentimento de estranheza, depois o medo, o pânico, me trouxe à lembrança "Os Pássaros", de Hitchcock. Ainda bem que, no filme é ficção, e em você foi um pesadelo, um terrível pesadelo. Um beijo carinhoso.

Desnuda disse...

Aff deu medo mesmo! Ainda bem quera só um pesadelo! Era???



Beijãoooooooooo amiga!

Vicktor Reis disse...

Querida Mariazita

Poder-te-ia parecer um pesadelo, pelo inesperado, pelo mistério, por todos os "espantos" que sentiste. Contudo, considero-te uma eleita por essa vivência naquele mundo que está ao nosso lado mas para o qual nossos sentidos não estão preparados.

Essa tua ida momemtânea que seja até à quarta dimensão enriqueceu-te e permitiu que connosco partilhasses uma magnífica estória que me prendeu até ao fim da sua leitura.

Beijinhos.

Desnuda disse...

Ufa! Ainda bem que foi somente um pesadelo.


Amiga deixo aqui também o meu email:
sarinhafcosta@hotmail.com

Adoraria ver as fotos!



*Obrigada pelo carinho, Mariazita....Realmente comecei o post pelo meu marido que há mais da metade dos anos de vida que tenho é meu companheiro e melhor amigo.E o chamo sempre de companheiro, porque muitas vezes a mulher tem marido, mas não um amigo e companheiro... Ele é sem dúvida a minha melhor compainha e amigo. Aff sou bobona quando falo dele hahahahahahahahah.


Beijãooooooooooooooo!

Unknown disse...

Querida amiga,
um pesadelo escrito tão pormonorizadamente que mais parece a descrição de um episódio da vida de alguém, não fosse ele realmente assustador e se parecer com alguns desses fenómenos que às vezes ouvimos contar.

Há um carinho para si em meu blogue.

Beijinhos,
Ana Martins

Anónimo disse...

É escusado dizer que tem uma forma muito particular de nos encantar ao descrever de forma brilhante esse seu sonho/pesadelo.
Nos sonhos, por vezes apetece-nos bloquear os seus caminhos, impedir o seu livre curso, dar-lhe outra direcção e apagar o que não interessa. Mas na verdade são coisas que não conseguimos controlar.
Quanto aos significados dos sonhos e, principalmente, o que eles podem revelar, desde sempre cativaram a curiosidade humana e suscitaram as mais diversas teorias.
Embora Freud lhe tenha atribuído um carácter científico e interpretativo, sinceramente sou muito céptico quanto a essas interpretações.

stériuéré disse...

Amiga Mariazita, não pude deixar de comentar em primeiro lugar o teu post de aniversário, e só depois e que vim a este!!!
Já com muitas saudades vim a correr para ler o novo post e deparo-me com uma descrição de um pesadelo da amiga Mariazita......... Uma coisa é certa, está tão bem escrito que parece que estamos envolvidos no sonho de tal forma que até eu vou ter um pesadelo destes ... safa!!!
É um elogio amiga! Prazer em voltar a visitar esta casa tão nobre que é a casa da Mariquinhas. beijos

Mariazita disse...

Caro Darwin
Como sempre, as suas palavras são extremamente gentis.
Não vou dizer que não me agradam…não sou hipócrita.
Agrada-me, sim, que as pessoas apreciem o meu trabalho, que me esforço por fazer o melhor que sei.
Muito obrigada!

Quantos pesadelos nós não gostaríamos de interromper, e não conseguimos!
Posso estar errada, mas penso que os pesadelos só terminam quando a tensão é demasiado grande, e o ritmo cardíaco aumenta de tal modo que nos obriga a acordar.
Claro que isto é apenas uma ideia minha, não tenho qualquer base científica a apoiá-la.

Os sonhos, para mim, não têm qualquer significado, do mesmo modo que penso que não podemos induzi-los a nosso bel-prazer.
Seria óptimo, se assim fosse. Só tínhamos sonhos bonitos, não é verdade? :)))

Um abraço
Mariazita

Andreia disse...

Velocidade cruzeiro... LOL *

Pelos caminhos da vida. disse...

Obrigada por compartilhar a homenagem que estou fazendo nessa semana para nós Mulheres.

Já saiu outro post la.

beijooo.

Adelaide disse...

A MINHA AMIGA A 120 KM HORA? MAS NÃO ACREDITAS SE EU TE DISSER QUE JÁ TIVE DE IR AOS 140, DEBAIXO DE CHUVA TORRENCIAL, PARA ULTRAPASSAR UM ENORME CAMIÃO! AS MILHERES SÃO SERES ESPECIAIS!
MAS, AFINAL, ANDAS FUGIDA?
E AS NOSSAS SAUDADES, COMO É?
ESPERO QUE NÃO ESTEJAS DOENTE! BATE NA NADEIRA.

BEIJINHOS

MILAI

Carla Ceres disse...

Obrigada pelo link, Mariazita! Impressionante esse seu conto. A gente não consegue desgrudar dele enquanto não termina de ler. Gostei muito. Tem um clima de filme de terror/suspense. Ainda bem que não li à noite. :) O engraçado é que ele lembra o comecinho de um outro conto meu, cuja história se passa numa estrada onde a protagonista sofre um acidente. As semelhanças terminam aí, mas, pensando nesses três contos, sou levada a acreditar que nossos textos moram no mesmo universo paralelo. Talvez sejam parentes. :)

Agora vou ler o "Sentido Inverso".

Beijos!