quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

MENSAGENS NATALÍCIAS

Missa do Galo

Frei Betto

Natal é festa polissêmica. De certo modo, desconfortável. Para os cristãos, comemoração do nascimento de Jesus, Deus feito homem. Para a indústria e o comércio, ocasião de promissoras vendas. Para uns tantos, miniférias de fim de ano. Para o peru, dia de finados.

O desconforto resulta da obrigatoriedade de dar presentes a quem não amamos, mal conhecemos ou fingimos amizade. Transferido o presépio de Belém para o balcão das lojas, substituído Jesus por Papai Noel, a festa perde progressivamente o caráter religioso. O Menino da manjedoura, que evoca o sentido da existência, cede lugar ao velho barbudo e barrigudo, símbolo do fetiche da mercadoria.

O olhar desavisado diria que o consumismo hedonista despe-nos da religiosidade. A Missa do Galo, outrora à meia-noite de 24 de dezembro, reduz-se ao galeto das celebrações, às oito ou nove da noite, antecipando-se à madrugada na qual impera a violência urbana. O apetite da ceia e a curiosidade em abrir presentes falam mais alto que bons e velhos costumes: oração em família, cânticos litúrgicos, narrativas bíblicas, memória dos eventos paradigmáticos de Belém da Judéia.

Uma atualização dos eventos bíblicos permite-nos imaginar, a partir do contexto brasileiro, o leitor do Diário de Belém, edição de 26 de dezembro de 1, frente à seguinte notícia: "Família de sem-terra ocupou ontem a fazenda Estrela de Davi, em cujo pasto uma tal Maria, esposa do carpinteiro José, deu à luz o filho Jesus. A polícia de Herodes está no encalço dos sem-terra, que se encontram foragidos."

A abstração da linguagem, contudo, faz do pseudolirismo natalino o inverso do fato histórico. O Verbo encarnado perde contundência e cede lugar ao presépio descontextualizado, mero adorno à festa papainoélica.

Vivemos hoje assolados por fortes ventos esotéricos, nessa época epifânica em que religiões tendem a ocupar o lugar deixado pelas ideologias messiânicas. Assistimos à crise das Igrejas tradicionais, encerradas num monólogo ininteligível para o contexto de pluralismo e tolerância com o diferente. A perplexidade assemelha-se à da professora de piano clássico que vê seus alunos aplaudirem os metaleiros.

Proliferam novas modalidades de aspirar ao Transcendente, da aeróbica litúrgica às meditações orientais. Nunca houve, na expressão de Rimbaud, tanta "gula de Deus". I Ching, astrologia, búzios, tarô etc., são vias pelas quais se tenta encontrar segurança diante do futuro imprevisível. Agora, já não há tanto interesse pelas religiões das grandes narrativas bíblicas, da santidade ascética, da autoridade sacralizada, da moral coercitiva, da escatologia que nos faz trafegar, titubeantes, sobre o fio invisível que liga o Céu ao Inferno.

Predominam as religiões do consolo subjetivo, da alegria d'alma, da cura imediata, dos fenômenos paranormais, da comunidade que se sente resgatada do anonimato, de bênçãos e graças que jorram quais juros de quem acredita na versão pós-moderna do dilema "a bolsa ou a vida". Vigora a religiosidade prêt-à-porter, sem culpas, macroecumênica, fundada na crença em um Deus que dispensa hierarquias, manifesta-se pelas regras de ouro do marketing e tolera todas as nossas incoerências.

Talvez não haja na literatura brasileira quem melhor tenha captado o sentido do Natal que Machado de Assis, no clássico conto Missa do Galo. Não há propriamente missa, apenas a espera ansiosa num serão que progressivamente transmuta a anfitriã Conceição, que atingira os 30 anos, aos olhos de Nogueira, rapaz de 17. Machado faz do coração do jovem narrador um profundo e aquiescente presépio, onde a vida renasce no sutil milagre do amor desinteressado. Um gosto de eternidade. De eterna idade. No entanto, quebrado pelo tempo que flui incoercível ao ritmo implacável das horas. Na sala, a missa em torno da musa antecede e realiza a comunhão, eclodindo na beleza de um singelo encontro entre duas pessoas.

Isso é Natal, festa rara no mais profundo de si mesmo, na qual as pessoas se fazem presentes umas às outras e entre as quais o amor refulge como estrela. Essa festa não tem data e é celebrada sempre que há encontro em clima de afeto e sabor de comunhão. Ali, as palavras são como barbante de presente em mãos de uma criança: a cada nó desfeito, uma expectativa de surpreendente revelação.
JF 07/12/08


Aprecie o vídeo que escolhi para hoje.
“O menino” é uma canção de Natal tradicional portuguesa..


Nem Truz Nem Muz na televisão Alemã Bayerscher Rundfunk

11 comentários:

Oliver Pickwick disse...

Passei para agradecer-lhe pela companhia durante o ano e desejar-lhe o melhor dos natais e um feliz ano novo.
Um beijo!

Fenix disse...

Só mesmo para desejar:
Feliz Natal e Próspero Ano de 2009!

Abraço
Fenix

PS.: Depois volto para ler e comentar.

Vanuza Pantaleão disse...

MARIAZITA QUERIDA!

A TUA PRESENÇA É A PRESENÇA DE UMA PESSOA A QUEM SEMPRE RESPEITAREI...GOSTO DE TI, DA TUA POSTURA ÉTICA, ENFIM, SOU TUA AMIGA!

NOITE MÁGICA DE NATAL!!!Bjs

In Cucina disse...

Querida amiga MariaZITA, feliz natal para toda a sua família!
Obrigada pelas suas visitas tão esperadas no meu blog.
Foi muito bom conhecer você virtualmente. Quem sabe algum dia possamos nos conhecer pessoalmente. Você é conhecida tambem pelos meus amigos que frequentam meu blog e meus e-mails, veja que sensacional é o mundo moderno da comunicação!
Após as festa falaremos mais, como a ceia e o almoço são aqui em casa estou um pouco cansada de tanto cozinhar!
Beijos brasileiros natalinos, Teresa

Sei que existes disse...

Passei para te desejar uma óptima época festiva rodeada de excelentes amigos e familiares e que recebas tudo quanto necessitas para ser verdadeiramente feliz.
Beijo grande

Paula Raposo disse...

O Natal é sempre no peito do Homem. Deveria ser...beijos.

Anónimo disse...

Um texto muito a propósito e um vídeo agradável a documentar a música popular portuguesa na televisão alemã. Um Santo Natal.

Peter Pan disse...

Oh, Sensível e Linda Amiga:
Sem ferir susceptibilidades mais apuradas, concordo com a "sua interpretação" do Natal: O consumismo e aproveitamento comercial do Evento.
Há muito que não concordo com os valores terrenos da Igreja, embora tenha tido uma formação Católica.
Sou agnóstico assumido. Não acredito nos padres e etc... entende?
Mas, o Natal, "Festa da reunião da Família" é - me precioso.
A amizade. A solidariedade. O Amor aos outros. As pessoas dialogando numa mesa comum de forma amigável.
Vejo assim o Natal.
Beijinhos de amizade, respeito e estima.
Que tenha tido uma Consoada rodeada de familiares que gostam de si.
Sem mais...

Sininho e Peter Pan

OBRIGADO, pela linda visita, sim? Linda amiguinha doce.

Fenix disse...

Voltei, como prometi!

Não há dúvida..., o melhor Natal é o se sente dentro do "peito", da alma, do espírito, do pensamento!
Não são necessários presentes materiais, prendas, quando temos presentes em nós, na nossa alma, a alma de alguém que amamos e que nos ama!
Beijinhos
Fenix

Mariazita disse...

AMIGAS, AMIGOS, COMENTADORES EM GERAL,
MEUS QUERIDOS,

A TODOS O MEU MELHOR AGRADECIMENTO PELA VOSSA VISITA E COMENTÁRIO.

ESPERAVA PODER RESPONDER A CADA UM SEPARADAMENTE, COMO É HABITUAL, MAS CHEGUEI À CONCLUSÃO DE QUE TAL NÃO É POSSÍVEL (PELO MENOS EM TEMPO ÚTIL...)

ASSIM SENDO, EM TODOS OS MEUS POSTS DE "MENSAGENS NATALÍCIAS" A MINHA RESPOSTA SERÁ ESTA:

UM "MUITO OBRIGADA",DE CORAÇÃO, A TODOS!

Beijinhos
Mariazita

Beatriz Bragança disse...

Querida Mariazita
Eu subscrevo tudo quanto disse.
Infelizmente, as técnicas de marketing(ou o que isso facilita) mudaram completamente o verdadeiro espírito do Natal. Tenho saudades dos tempos em que iamos mesmo à Missa das 0.00 horas e só pela manhã abríamos os presentes que, estávamos convencidos terem sido trazidos pelo Menino Jesus.
Obrigada por me ter proporcionado esta maravilhosa viagem no tempo e nas tradições.
Um beijinho
Beatriz