domingo, 28 de setembro de 2008

DONA FERNANDA

João Luís Alves César das Neves, Professor Universitário, nascido em Lisboa em 1957, é pai de quatro filhos.

Doutorado e licenciado em Economia pela Universidade Católica Portuguesa,
Mestre em Economia pela Universidade Nova de Lisboa,
Mestre em Investigação Operacional e Engenharia de Sistemas pela Universidade Técnica de Lisboa,
com mais de uma dezena de livros e vários artigos científicos publicados, é, actualmente, Professor Extraordinário com Agregação da UCP (Universidade Católica Portuguesa) e Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da UCP

Após esta breve introdução partilho convosco um texto do professor doutor João César das Neves que, com muito humor e ironia, chama a atenção para graves problemas dos jovens, através da conversa de duas mães preocupadas.


- Dona Fernanda, então por aqui?
Agora me lembro, ainda não lhe dei os parabéns pelo seu homem. Vi-o no concurso da televisão. Que honra! Muitos parabéns! Fiquei orgulhosa como se fosse meu!
- É verdade, dona Cátia. Estamos muito contentes. Foi muito bom, até para compensar a desgraça da minha irmã.
Não sabe?
Imagine que o marido dela é administrador de um banco.
- Não me diga!
Que vergonha!
Mas qual? Daquele criminoso, o BCP?
- Olhe, nem sei bem. Mas aquilo é tudo a mesma gente.
Coitada da minha irmã, anda muito ralada!
Felizmente que o amante está muito bem. Era segurança num bar, mas agora conseguiu ficar dado como deficiente por causa de uma sova que levou, e o subsídio é excelente.
- Ainda bem! Que sorte!
Olhe, essa sorte não tenho eu. Ando muito preocupada com o meu sobrinho.
Não, não é com o homossexual. Não, esse está óptimo. Foi ao estrangeiro casar com o amigo e agora até estão a pensar adoptar uma criança por lá.
O que me preocupa é o outro, o Zé. Tem um restaurante, imagine. Um restaurante de luxo.
- Ai, coitado! Em que se havia de meter!
E tem tido muitas queixas?
- Pois. Calcule que nem sequer usava sabão líquido nas casas de banho e os exaustores são de baixa extracção.
Estou com medo que mais cedo ou mais tarde acabe na cadeia, pobrezinho!
- Compreendo, compreendo.
As ralações que temos!
E então o que é que a traz por cá?
Eu vou agora ali à direcção da escola queixar-me. Veja lá que a minha filha me disse que lá na escola não há máquinas de distribuição de preservativos na casa de banho das raparigas. Só na dos rapazes.
Não é uma vergonha?
- Um escândalo.
Depois se há problemas a culpa é dos pequenos!
Eu também tenho de lá ir mas, infelizmente, é derivado ao comportamento do meu Ronaldinho.
- Não me diga que ainda é por causa da gravidez?
- Não, que ideia. Isso está tudo resolvido.
Eles os dois trataram a questão com muito bom senso.
Nem pareciam ter 13 anos!
O aborto correu muito bem e o meu rapaz até já arranjou outra namorada bastante mais velha.
Não, o que me preocupa é aquele grupo com que ele anda.
- Qual? A banda de rock satânico? Oh, minha amiga não se apoquente com isso. Nós lá em casa até dissemos ao nosso rapaz para criar uma.
Antes isso que andar pelos ATL (Actividades dos tempos livres) da paróquia com aqueles beatos a meter patranhas na cabeça dos miúdos.
Na banda é muito mais seguro e saudável. Não só é artístico, como abre horizontes e um dia, quem sabe...
Olhe, não me preocuparia nada com isso.
- Não, não é isso.
Nós também estamos muito satisfeitos por ele andar com a banda. É um excelente meio de educação.
Ao princípio ainda me chocava um bocado as letras das canções, a falar de suicídio e sangue, mas agora até acho graça.
Rapazes são rapazes, não é?
Não, é muito pior.
Ele também anda metido em coisas mesmo graves com aquele outro grupo clandestino. Já ouviu falar, não? Aquele grupo de fumadores que no outro dia até apareceu no jornal por um deles fumar dentro do metro.
- Que horror!
O seu filho fuma?
Mas isso faz imenso mal à saúde e polui o ambiente.
Então ele não pensa no aquecimento global?
Esta juventude está perdida!
- Eu sei, eu sei!
Tentámos tudo para o afastar do vício, mas nada.
O meu marido até quis ver se o interessava em blogs pornográficos, chats neonazis e outras coisas que fossem também um bocadinho subversivas e clandestinas, mas não fizessem tanto mal.
Mas nada!
Ele não larga o cigarro!
A culpa é do meu homem e eu já lhe disse. Imagine que quando o miúdo era pequeno lhe dava pistolas e outros brinquedos de violência.
Claro que tinha de ter esta consequência, não era?
- Que horror!
Imagino como anda apoquentada.
E nos estudos, que tal anda ele?
Os meus, antigamente, era um castigo. Davam muitos erros de ortografia mas isso agora, com este novo programa para o insucesso escolar, deixou de criar problemas, porque já não conta. E, mesmo na Matemática, o que interessa é a criatividade dos miúdos.
Se os professores explicam mal que culpa têm os pequenos?
- Eu digo o mesmo.
Se eles depois acabam todos no desemprego, ao menos gozem a juventude...

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

INÍCIO DO ANO ESCOLAR

Dos assuntos que mais me preocupam, dois merecem destaque especial: as crianças e a Educação (ou a falta dela…)
O ano escolar começou, nalgumas escolas há pouco mais de uma semana; noutras, creio que poucas, foi já nesta semana que começaram as aulas.
Ainda há pouco de novo a dizer. Tudo começou como acabou no ano escolar transacto, ou seja, mal.

Em alternativa ocorre-me falar de Rubem Alves, emérito professor brasileiro, que durante toda a vida dedicou particular atenção às crianças.

Nascido a 5 de Setembro de 1933, em Boa Esperança, ao sul de Minas Gerais, estudou teologia, entre 1953 e 1957, no Seminário Presbiteriano de Campinas.
Em 1963 foi estudar para Nova Iorque, donde voltou, em Maio de 1964, com o título de Mestre em Teologia pelo Union Theogical Seminary.
Denunciado como subversivo pelas autoridades presbiterianas e perseguido pelo regime militar, regressou aos Estados Unidos, onde se doutorou em Filosofia, na Universidade de Princeton.

De volta ao Brasil iniciou a sua carreira de professor.
Começou por dar aulas de filosofia, passando por professor-visitante, depois professor-adjunto na Faculdade de Educação, professor-titular no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas… um sem fim de funções, sempre ligadas ao Ensino.

É membro da Academia Campinense de Letras, professor-emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), onde recebeu a medalha Carlos Gomes pela sua contribuição à cultura.

Admirador de Fernando Pessoa, entre outros, é autor de inúmeros livros, e colaborador em diversos jornais e revistas, com crónicas de grande sucesso, em especial entre os vestibulandos.

Na literatura e na poesia encontrou a alegria que o manteve vivo nas horas más por que passou.

Afirma que é “psicanalista, embora heterodoxo”, pois nela reside o facto de que acredita que no mais profundo do inconsciente mora a beleza.

Poeta, cronista do cotidiano, contador de histórias, é um dos mais admirados e respeitados intelectuais do Brasil.

Do professor doutor Rubem Alves se diz:

Ama a vida, a beleza e a poesia
Ama a natureza e a reverência pela vida
Ama a educação como fonte de esperança e transformação
Ama todas as pessoas, mas tem um carinho muito especial pelos alunos e professores
Ama as crianças e os filósofos – ambos têm algo em comum: fazer perguntas

Os seus “conceitos” revelam sempre uma enorme preocupação em educar, formando, e não apenas fornecer informação aos seus alunos.

“Educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu. O educador diz: Veja! e, ao falar, aponta O aluno olha na direção apontada e vê o que nunca viu. Seu mundo se expande. Ele fica mais rico interiormente... E, ficando mais rico interiormente, ele pode sentir mais alegria e dar mais alegria - que é a razão pela qual vivemos.”

“Já li muitos livros sobre psicologia da educação, sociologia da educação, filosofia da educação – mas, por mais que me esforce, não consigo me lembrar de qualquer referência à educação do olhar ou à importância do olhar na educação, em qualquer deles. A primeira tarefa da educação é ensinar a ver... É através dos olhos que as crianças tomam contato com a beleza e o fascínio do mundo... Os olhos têm de ser educados para que nossa alegria aumente.”

“A educação se divide em duas partes: educação das habilidades e educação das sensibilidades... Sem a educação das sensibilidades, todas as habilidades são tolas e sem sentido.
Os conhecimentos nos dão meios para viver. A sabedoria nos dá razões para viver.”

“Quero ensinar as crianças. Elas ainda têm olhos encantados. Seus olhos são dotados daquela qualidade que, para os gregos, era o início do pensamento: a capacidade de se assombrar diante do banal.”

“Para as crianças, tudo é espantoso: um ovo, uma minhoca, uma concha de caramujo, o vôo dos urubus, os pulos dos gafanhotos, uma pipa no céu, um pião na terra. Coisas que os eruditos não vêem.”


“Na escola eu aprendi complicadas classificações botânicas, taxonomias, nomes latinos – mas esqueci. Mas nenhum professor jamais chamou a minha atenção para a beleza de uma árvore......ou para o curioso das simetrias das folhas. Parece que, naquele tempo, as escolas estavam mais preocupadas em fazer com que os alunos decorassem palavras do que com a realidade para a qual elas apontam.”

“As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor. Aprendemos palavras para melhorar os olhos. Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem... O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Quando a gente abre os olhos, abrem-se as janelas do corpo, e o mundo aparece refletido dentro da gente.”

“São as crianças que, sem falar, nos ensinam as razões para viver. Elas não têm saberes a transmitir. No entanto, elas sabem o essencial da vida.
Quem não muda sua maneira adulta de ver e sentir e não se torna como criança jamais será sábio.” “As crianças não têm idéias religiosas, mas têm experiências místicas. Experiência mística não é ver seres de um outro mundo. É ver este mundo iluminado pela beleza.”


"Enquanto a sociedade feliz não chega, que haja pelo menos fragmentos de futuro em que a alegria é servida como sacramento, para que as crianças aprendam que o mundo pode ser diferente. Que a escola, ela mesma, seja um fragmento do futuro..."

domingo, 21 de setembro de 2008

ANITA

ANITA – TERCEIRO EPISÓDIO

(Ficção baseada em factos reais)

- Já falei com a minha mulher. Decidimos aceitá-lo para genro, com uma condição: fazer a nossa Anita muito feliz.

FIM DA SEGUNDA PARTE

TERCEIRO EPISÓDIO

Vicente aguardara calmamente que Anita terminasse o seu curso e regressasse definitivamente à sua terra, para cumprir o que a si próprio havia prometido alguns anos atrás.

Chegara o momento tão desejado.
Ia, finalmente, oficializar o seu pedido de casamento.

Foi uma Anita muda, aterrada, que recebeu das mãos de Vicente um valioso anel de noivado. Sentia que lhe queimava o dedo, mas não ousou retirá-lo.

Criada no seio de uma família tradicionalmente religiosa, frequentava regularmente a igreja, cumprindo todos os preceitos religiosos adequados à sua idade: catequese, primeira comunhão…missas. O pároco, homem bondoso, já de uma certa idade, tinha por Anita verdadeira afeição, que ela retribuía com enorme carinho. Participava alegremente nas festas da igreja, entoando cânticos na sua vozinha afinada. Diziam as velhotas, zeladoras da igreja: Parece um anjo!


Anita recebera uma educação rígida, ainda que carinhosa. Aprendera a respeitar os pais e as suas decisões, sem discussão. Nunca lhe faltara amor; contudo, as ordens dos pais, por vezes severas, eram acatadas religiosamente. Sempre fora uma menina obediente, dócil, o que facilitara a tarefa dos pais.


Agora sentia-se prisioneira, sem saber como libertar-se.

A festa de noivado continuou, até que, entre parabéns e abraços, todos se foram despedindo.
Anita deixou-se abraçar em silêncio.
- Como ela está emocionada! Nem consegue falar! – comentavam, entre si.
Mais tarde, sozinha no seu quarto, Anita deu largas ao seu desespero. Chorou desoladamente, ate que o cansaço a venceu.
Foi uma noite longa, em que a insónia alternou com pesadelos.
A meio da noite acordou, sobressaltada. De imediato se lembrou do que lhe acontecera.

Arquitectou vários planos, visando fugir àquele compromisso que não desejara, mas lhe fora imposto.

Para pôr em prática qualquer das ideias que lhe acorriam, necessitaria dinheiro, de que não dispunha.
Quando se encontrava na capital, a estudar, o pai pagava todas as despesas, enviando-lhe ainda pequenas quantias para as suas necessidades básicas. Nunca o suficiente para poder amealhar.

Decidiu escrever a Arnaldo, contando-lhe tudo o que sucedera. Pedia-lhe que pensasse num plano para a tirar da Ilha, dizendo-lhe que, por seu turno, também ela iria pensar na melhor forma de poderem realizar o seu sonho de amor.

Levantou-se tarde, olheirenta, cansada. Mal tocou no pequeno-almoço que a aguardava, alegando estar sem apetite. A mãe estranhou o seu aspecto, mas atribuiu-o à excitação do recente noivado.
Anita saiu de casa, dirigindo-se rapidamente à estação dos correios. Mandaria a carta que tinha escrito a Arnaldo, e ele arranjaria maneira de a salvar.
Pelo caminho cruzou-se com várias pessoas conhecidas, que a cumprimentavam com largos sorrisos. Algumas, mais íntimas, chegaram mesmo a parar, felicitando-a pelo noivado.

Anita não estranhou. Sabia bem que, numa cidade tão pequena como aquela, as notícias se espalhavam rapidamente; tratando-se dum noivado, então as novidades ganhavam asas nos pés.
Chegando à estação dos correios, a funcionária, sua antiga colega da escola, rapidamente se levantou para vir abraçá-la, felicitando-a. Anita mais uma vez comprovou como as notícias corriam céleres na sua terra.
Comprou os selos, colou-os no envelope, e entregou a carta à funcionária, para que a fizesse seguir. Despediu-se com um breve “até logo”.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

SE EU MORRER ANTES DE VOCÊ

Se quiséssemos ordenar os sentimentos por categorias, e considerássemos o Amor em primeiro lugar, como sendo o mais belo sentimento que existe – Solidariedade, Fraternidade….até mesmo Humildade, têm por base o Amor – poderíamos situar a Amizade em segundo lugar.

Ser preterida em favor do vencedor em nada a desprestigia.
Na realidade, quando é sincera, a amizade tem nuances que, muitas vezes leva a que se confunda com Amor.
Em muitos casos, um Amor muito profundo, ao longo dos anos pode transformar-se em Amizade, um sentimento tanto ou mais forte do que aquele que o originou.

Pensar em Amizade faz-nos lembrar que:

- Há amigos muito diferentes de nós, que nos entendem na perfeição;
- Nos ajudam nos momentos difíceis;
- Nos cobrem de paz;
- Nos mimam, quando eles mesmos necessitam de mimos;
E também:
- Os que parece que não, mas “estão sempre aí”
- Os que são capazes de tudo para nos evitar um mau momento
- Os que nos fazem rir quando estamos tristes
- Os que nos aguardam sempre
- Os que estão sempre atentos ao que necessitamos.

E há os que fazem a nossa vida mais simples, iluminando cada momento:

Se eu morrer antes de você,
faça-me um favor:

Chore o quanto quiser, mas não brigue com Deus por
Ele haver me levado.

Se não quiser chorar, não chore.
Se não conseguir chorar, não se preocupe.

Se tiver vontade de rir, ria.
Se alguns amigos contarem algum fato a meu respeito, ouça e acrescente sua versão.
Se me elogiarem demais, corrija o exagero.
Se me criticarem demais, defenda-me.

Se me quiserem fazer uma santa, só porque morri,
mostre que eu tinha um pouco de santa,
mas estava longe de ser a santa que me pintam.
Se me quiserem fazer um demónio, mostre que eu talvez tivesse um pouco de demónio,
mas que a vida inteira eu tentei ser boa e amiga.

Espero estar com Ele o suficiente para continuar
sendo útil a você, lá onde estiver.

E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas uma frase:
- "Foi minha amiga, acreditou em mim e me quis mais perto de Deus!"
Aí, então derrame uma lágrima.
Eu não estarei presente para enxugá-la, mas não faz mal.
Outros amigos farão isso no meu lugar.
E, vendo-me bem substituída, irei cuidar de minha nova tarefa no céu.

Mas, de vez em quando, dê uma espiadinha na direcção de Deus.
Você não me verá, mas eu ficaria muito feliz vendo você olhar para Ele.
E, quando chegar a sua vez de ir para o Pai,
aí, sem nenhum véu a separar a gente, vamos viver, em Deus,
a amizade que aqui nos preparou para Ele.

Você acredita nessas coisas?
Então ore para que nós vivamos como quem sabe
que vai morrer um dia, e que morramos
como quem soube viver direito.
Amizade só faz sentido se traz o céu para mais perto da gente, e se inaugura aqui mesmo o seu começo.
Mas, se eu morrer antes de você, acho que não vou estranhar o céu...

"Ser sua amiga... já é um pedaço dele..."

Um GRANDE e FORTE abraço de Amizade para todos.

Para despedida mesmo, deixo-vos este vídeo

Fado ' Rosas Brancas '

domingo, 14 de setembro de 2008

ANITA

ANITA - SEGUNDO EPISÓDIO
(Ficção baseada em factos reais)


…Depois da refeição todos se retiraram para a sala.
Anita sentia o coração apertado. Não adivinhava nada de bom. Tinha um mau pressentimento…

SEGUNDO EPISÓDIO

Pouco tempo depois o prometido noivo fez a sua aparição, sorridente, feliz, impecavelmente vestido para a ocasião.


Justino chamou Anita, e disse:

- Minha filha, este é o teu noivo. Já combinamos tudo. Ele está aqui esta noite apenas para, na presença da nossa família e amigos, confirmar e oficializar o vosso noivado.
- Mas, meu pai…o senhor Mindelo??? Foi este o noivo que vocês escolheram para mim?
- Sim, minha filha, o senhor Vicente Mindelo já há muito tempo tinha manifestado o desejo de se casar contigo.
Depois de eu conversar com a tua mãe, ambos decidimos que seria um óptimo marido para ti, e acertamos o casamento.

Anita mal conseguia respirar.
Vicente Mindelo era um homem que, embora com muito boa aparência, tinha, seguramente, mais vinte ou trinta anos do que ela. Possuidor de uma grande fortuna, divorciado há alguns anos, tinha cinco filhos, três rapazes e duas raparigas.
Estas, apenas um pouco mais novas do que Anita, viviam com a mãe. Dos três rapazes, filhos dum primeiro casamento do qual Vicente enviuvara, os dois mais velhos tinham já a sua independência, vivendo em casa própria; o mais novo, com apenas dois anos mais do que a própria Anita, vivia com o pai.

Vicente, um homem muito bem conservado, boa figura, esbanjando simpatia onde quer que se encontrasse, era muito requisitado pelas mulheres. Muitas aventuras lhe eram atribuídas. Com ou sem fundamento é que não se sabia, pois Vicente era uma pessoa muito discreta.

A vida o ensinara a ser assim.
Jovem ainda, chegara à Ilha para onde fora deportado, sob a acusação de crime político. Nunca ninguém conseguira saber ao certo de que era acusado. Muito se conjecturou, várias hipóteses foram levantadas, mas sem qualquer resultado. Sabia-se apenas que jamais poderia regressar à sua terra natal, e tão pouco ausentar-se da Ilha, onde teria que permanecer até ao fim dos seus dias.
Cabelo loiro, olhos claros, atraente e educado, simpático, uma aura de mistério relativamente ao seu passado, facilmente os habitantes da Ilha o aceitaram, sem restrições.
Em breve se aperceberam de que era pessoa com vastos conhecimentos, provavelmente com formação académica.
Não teve, portanto, dificuldade em conseguir sociedade para um pequeno negócio, que rapidamente floresceu. Em poucos anos tornou-se o maior negociante de jóias das redondezas, acumulando uma fortuna considerável.
Conhecia Anita desde criança, e quando ela se transformou numa linda mulher, começou a admirá-la e a desejá-la em segredo.

Agora, com mais de cinquenta anos, resolvera falar com o pai de Anita, propondo-lhe pedi-la em casamento.
Justino recebeu – o com aparente reserva:
- Falarei com a minha mulher.

Mas quando comunicou a notícia a Eulália, deu largas ao seu contentamento.
Os seus negócios não andavam nada bem, e a perspectiva de vir a ter um genro tão rico era por demais tentadora.
Eulália ouviu-o em silêncio. Por fim levantou uma dúvida:

- E Anita? Como irá reagir?
- Como queres que reaja, mulher? Numa terra como esta, os bons partidos não abundam. Um homem rico como Vicente, com a bela aparência que tem, bem-falante, culto… Não vês quantas mães com filhas casadoiras o convidam para suas casas? Pensas o quê??? Só o querem para genro! A nossa filha nem sabe a sorte que tem! Tenho a certeza que vai ficar muito feliz.

Eulália acabou por concordar com o marido, que, disfarçando a impaciência, só alguns dias mais tarde informou Vicente:
- Já falei com a minha mulher. Decidimos aceitá-lo para genro, com uma condição: fazer a nossa Anita muito feliz.

FIM DA SEGUNDA PARTE

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

COM LICENÇA

Quem viveu esses tempos e/ou leu sobre o assunto sabe que houve um período, triste, na história da humanidade, que decorreu durante a 2ª.Guerra Mundial, e nos anos que lhe sucederam.
Para além das enormes dificuldades que se viviam, especialmente com a subida ao poder de Salazar, e a implantação do estado Novo, a censura actuava severamente, e as proibições surgiam como cogumelos.

Quem não se lembra de que era proibido dar um beijo em público?
Que era proibido a uma mulher casada viajar para o estrangeiro sem a devida autorização, por escrito, do seu marido? Que era proibido vestir minissaia?
Usar biquíni na praia? Nem pensar! O fato de banho era uma peça única, não muito cavado nas pernas e sem exagerar no decote.

Medindo a altura do fato de banho

E não se pense que só às mulheres eram impostas estas regras! Os homens também tinham as suas restrições


Barriguinhas à mostra…proibidíssimo!

Contava-se uma história, que acredito fosse anedota, de uma turista inglesa que, numa praia portuguesa, se passeava de biquíni, deliciando-se com o sol de Portugal.
Nada que se compare aos biquínis de hoje. Calção subido até à cintura e sutiã bem recatado, que pouco expunha aos olhos cobiçosos.


Foi interpelada por um cabo-de-mar (polícia marítimo) que, no seu inglês macarrónico, aprendido no Cais do Sodré, entre palavras e sinais, tentava fazer-lhe saber que não podia andar assim vestida (ou despida). Como a inglesa parecia não dar sinais de compreensão, o polícia conseguiu soletrar, apontando para o biquíni: just one piece! Percebendo, finalmente, a inglesa respondeu, no seu português também macarrónico: – Só uma peça? Eu escolher a de baixo, ok? E retirou o sutiã.

A história que ouvi contar acabava aqui. Não sei qual o seguimento, mas imagino que tenha sido a esquadra de polícia mais próxima.

(Hoje em dia ainda há quem use fato de banho que faz lembrar esses tempos…

Burkakini – usada em 2007, pelas muçulmanas, na Austrália

mas isso é outro assunto, fora deste contexto).

Muitos escritores e músicos viram as suas obras censuradas e proibidas.
As suas músicas e livros ouviam-se e liam-se apenas na intimidade do lar, ou em círculos muito restritos e de extrema confiança, não fosse alguém descobrir e contar à polícia.
Nos guiões para cinema e peças de teatro a tesoura da censura cortava sem contemplações.

Talvez para evitar situações menos agradáveis a pessoas de certos estratos sociais… (isto é apenas uma suposição minha, não tenho qualquer base para o afirmar como verdade) o certo é que determinadas proibições eram contornadas com a aquisição de licenças.
Por exemplo, era proibido usar isqueiro. Mas quem o quisesse fazer, podia tirar uma licença e usá-lo em público sem qualquer restrição.

Era, portanto, muito vulgar, tirarem-se licenças por tudo e por nada.
As pessoas falavam do assunto frequentemente, e em casa, as crianças também o ouviam mencionar.

É precisamente acerca de licenças a história que vos vou contar.

Havia, e penso que ainda há no mercado, um creme para as mãos (para além de outros produtos) da marca «Diadermine», que as senhoras usavam para amaciar a pele. Algumas usavam-no perfumado, outras preferiam-no sem cheiro.

Numa família minha conhecida havia duas meninas, irmãs, na altura com sete ou oito anos. O pai, fumador, usava isqueiro, tendo obtido a respectiva licença. A mãe, uma senhora bonita, cuidava do seu aspecto.
Perto da casa onde moravam havia uma farmácia.
Um dia a mãe mandou-as à farmácia comprar Diadermine. Naquele tempo ainda as crianças podiam sair à rua sozinhas, sem que isso constituísse qualquer risco.
Chegadas à farmácia, depois de pedirem o que queriam, o farmacêutico perguntaram:
- Querem com essência ou sem essência?
As meninas olharam uma para a outra, sem saber muito bem o que responder. Cochicharam entre si:
- O melhor é ser com licença. Agora é preciso licença para tudo…
O farmacêutico, impaciente com a demora, perguntou:
- Em que ficamos? É com ou sem?
Responderam em simultâneo:
- É melhor com.
E assim regressaram a casa, trazendo a Diadermine com essência, felizes porque não estariam a transgredir as leis.
O assunto só foi esclarecido porque a mãe estranhou o preço. O creme que habitualmente usava, sem essência, era mais barato.
Ao ouvir o comentário da mãe, as meninas responderam prontamente:
- Se calhar a mamã costuma comprar sem licença. Mas nós pensámos que era melhor ser com licença…

A senhora deu uma boa gargalhada, esclareceu-as, e enquanto durou o creme, andou com as mãos perfumadas.

Pode parecer-lhe anedota, mas acredite que é verdade. Passou-se com pessoas minhas amigas, com quem contactei intimamente durante muitos anos.

A maior parte das restrições e proibições atrás referidas só foram revogadas, em Portugal, depois do 25 de Abril de 1974.

domingo, 7 de setembro de 2008

ANITA

ANITA
(Ficção baseada em factos reais)

PRIMEIRO EPISÓDIO

A Anita! Eu conheci-a. Era meiga, bonita, pele de bronze, macia, olhos verdes, de azeitona.


Nascida e criada na Ilha cresceu livre como um pássaro.
Alegre, exuberante, excelente aluna, rapidamente se fez mulher e concluiu o ensino liceal.
Era de sua vontade, e também dos pais, prosseguir os estudos, fazer-se professora.
Como na Ilha isso não era possível, foi enviada para a cidade grande, a capital, que não conhecia.

Foi um deslumbramento! Tanta coisa nova, tantas luzes, tantas pessoas!
Apesar disso, adaptou-se facilmente ao ritmo da grande cidade; em breve estava matriculada e a estudar com interesse, como sempre fizera.
Devido à sua grande simpatia e beleza conquistou amigas e amigos, com quem passava os tempos livres.
Um jovem colega, Arnaldo, cativou particularmente a sua atenção. Surgiu uma amizade especial que, a breve trecho, se transformou em amor. Amor calmo, sereno, que ambos viviam a cada instante.
Em época de férias Anita regressava à Ilha, onde a aguardavam os pais, Eulália e Justino.

Os pais faziam planos para o seu futuro:
Terminado o curso Anita voltaria definitivamente à Ilha, onde poderia exercer a sua profissão de professora no liceu local. Faria um bom casamento e viveria feliz na casa que eles projectavam oferecer-lhe.

Anita sorria, apenas, sem coragem para contar que o seu coração já estava comprometido. Para quê? Ainda faltava tanto tempo para terminar o seu curso! Nessa altura informaria os pais de que tencionava casar-se com o jovem que ela mesma escolhera.

O tempo não pára, e chegou o dia em que recebeu o seu diploma.

Depois de longas e apaixonadas promessas de amor eterno, despediram-se, com o compromisso de que em breve iriam reunir-se na Ilha.
Anita comunicaria aos pais os seus planos, e Arnaldo voaria ao seu encontro para realizarem o casamento. Ficariam a viver na Ilha, onde ambos poderiam dar aulas no liceu.

À chegada Anita foi recebida com alegria ainda maior, já que, desta vez, não haveria mais despedidas. Ela vinha para ficar.
Aguardava-a uma grande surpresa. Os pais haviam organizado um jantar para o dia seguinte, convidando todos os familiares e alguns amigos, para festejar o regresso da filha, durante o qual fariam uma comunicação muito importante.
Anita mal podia esperar, cheia de curiosidade.

Assim, no dia seguinte, durante a refeição, o pai pediu a palavra, agradeceu a presença de todos, e comunicou que em breve Anita iria casar-se.
Surpresa, Anita sorriu, pensando rapidamente que, por qualquer razão que ela desconhecia, os pais tinham tido conhecimento do seu namoro na capital.
Mas o pai continuou:
- Já está tudo tratado. Casa comprada, mobilada, tudo pronto. Anita apenas terá que escolher o vestido de noiva, e caminhar até ao altar. Mais logo o noivo virá oficializar o pedido.
Anita empalideceu. Não era possível que o namorado que deixara na capital viesse, mais logo, pedir a sua mão em casamento. Só podia ser uma brincadeira.
Receosa acercou-se do pai. Com uma tranquilidade apenas aparente, perguntou-lhe o que queria dizer aquela declaração.
Com um grande sorriso, feliz, o pai aconselhou-a a ter calma e paciência para esperar, pois não tardaria muito a ter resposta para todas as suas dúvidas.
Depois da refeição todos se retiraram para a sala.
Anita sentia o coração apertado. Não adivinhava nada de bom. Tinha um mau pressentimento.

FIM DA PRIMEIRA PARTE

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

UM ESTILO DIFERENTE

Quem, a partir de terça-feira, dia 2,visitou o blog SEMPRE JOVENS ,
sabe que regressei de férias.
Retomei, lá, as minhas actividades “bloguistícas “, precisamente com o post «Regresso de férias».
Esta última fase das minhas férias deste ano excedeu as minhas expectativas. Foram, de facto, muito boas.
Uma praia com vinte ou trinta quilómetros de extensão, a água do mar com a temperatura certa – aquela que nos permite mergulhar sem o mais leve arrepio – tempo para descansar e fazer o que apetece!

Foi neste ambiente tranquilo que tive oportunidade de ler uma reportagem acerca duma cantora que - confesso a minha ignorância - eu desconhecia completamente – Loreena McKennitt.

Fiquei fascinada com o que li. Quando regressei procurei a sua música, de que gostei imenso, e complementei a informação da reportagem.
Loreena é uma cantora e compositora canadense, que dirige a sua própria gravadora, de renome internacional. É aplaudida pelos críticos não só no Canadá mas também nos Estados Unidos, Espanha, França, Itália, Alemanha…
Pelas elevadas vendas dos seus discos têm-lhe sido atribuídos inúmeros prémios – discos de ouro e platina – em todo o mundo.
A sua música tem sido utilizada como trilha sonora em vários filmes e séries de TV, no Canadá, Estados Unidos e Venezuela.

Fundou e supervisiona importantes campanhas a favor da protecção das águas e de serviços de apoio a famílias e crianças necessitadas.

“…em 1998 eu fundei a «The Cook-Rees Memorial» quando três pessoas muito queridas morreram num acidente de barco não muito longe de onde eu moro. Graças à generosidade de amigos e famílias, no Canadá e ao redor do mundo, tornamo-nos capazes de criar iniciativas envolvendo o ensino sobre a segurança com a água, bem como os exercícios com a busca, salvamento e recuperação…”

Fundou, entre outras, a «The Three Oaks Foundation», uma instituição beneficente que proporciona fundos para grupos com finalidades culturais, ambientais, históricas e sociais.

Foram-lhe outorgados títulos honorários de “Doutora em Direito” e “Doutora em Letras” por diversas Universidades, o último dos quais em Outubro de 2005, pela Universidade de Queens.

Segundo as suas próprias palavras, em finais dos anos 70, Loreena ficou impressionada com o que hoje é designado por música céltica, mas só em 1991, depois de assistir a uma exposição de artesanato celta, em Veneza, se sentiu verdadeiramente atraída pela geografia e propagação histórica do povo celta.

“O meu ponto de partida é a convicção de que, de uma forma ou outra, somos todos uma extensão da história de cada um de nós. A vontade de aprender mais sobre os nossos semelhantes é também um desejo de aprender mais sobre nós mesmos. Eu simplesmente escolhi o povo céltico para fazer isso”
“… eu fico admirada com a capacidade exclusiva da música em induzir e realçar o astral e os estados psicológicos, e a ligação forte que a mesma exerce sobre a fisiologia…” “…estou interessada profundamente nessas conexões entre a nossa fisiologia e a essência espiritual e psicológica, e vários eventos e experiências que nos inspiram”.

Toda a sua música está impregnada dum certo misticismo que revela a sua maneira de ser e estar na vida.
Foi em «A Divina Comédia», de Dante, que Loreena se inspirou para compor “Dante’s Prayer”.
Em « A Divina Comédia » Dante descreve uma viagem dele próprio, acompanhado pelo escritor romano Virgílio, através do Inferno e do Purgatório.

(Dante e Virgílio – óleo de Delacrois)

Em “Dante’s Prayer” Loreena combina o Hino de Páscoa Ortodoxo Russo
com a sua própria música e a letra imaginária da prece que Dante teria proferido depois que ele e Virgílio, tendo partido do centro gelado do Inferno, viajavam no limiar entre o Inferno e o Purgatório.

Ouça e veja o vídeo que escolhi.

Dante's Prayer - Loreena McKennitt